Reinaldo Teixeira entra no auditório da Arena Liga Portugal, após ter sido eleito o novo presidente da Liga (foto: Fernando Veludo/Lusa)

Centralização: as duas falsas partidas, as lições do passado e a vitória de Pirro da Liga

Opinião de Rui Pedro Soares, consultor, sobre a centralização dos direitos TV do futebol português que «ainda não existe formalmente, mas existiu, de facto, em 1998».

As duas falsas partidas

Reinado Teixeira ganhou as eleições da Liga com 81% dos votos. No seu discurso de tomada de posse disse «(...) Hoje, a 16 de abril de 2025, a Liga não tem nenhuma proposta de aquisição de direitos na mão. Hoje, a 16 de abril de 2025, a Liga não tem, ainda, uma chave de repartição futura aprovada pelas sociedades desportivas. É este o nosso ponto de partida (...).»

Ter propostas de aquisição de direitos é o momento anterior a vender – é o fim do processo. Não as ter hoje, quatro meses depois, também é normal.

Sobre a chave de repartição, foi discutida numa Cimeira de Presidentes se deveria ser decidida antes ou depois do ciclo eleitoral da FPF e da Liga. Os novos órgãos eleitos iam liderar a centralização e, por isso, quase todas as sociedades desportivas concordaram em que deveriam ser os novos órgãos eleitos a decidir a chave - o Sporting foi uma das poucas exceções.

Quatro meses após a eleição dos novos órgãos da Liga, o ponto de partida não se moveu um milímetro, não há ainda chave de distribuição aprovada nem propostas de aquisição de direitos.

São as duas falsas partidas.

As lições do passado

A centralização dos direitos TV do futebol português ainda não existe formalmente, mas existiu, de facto, em 1998. Foi organizada pelo comprador, a Portugal Telecom (hoje Meo), através da Sport TV.

A Portugal Telecom tinha fundado a TV Cabo e desde 1994 prestava serviço em Portugal Continental. À época, só havia 4 canais de televisão em Portugal, as RTP 1 e 2 e a SIC e TVI, que iniciaram as emissões em 1992/93.

Como a TV Cabo Portugal permitia ver 30 canais estrangeiros, o sucesso era garantido – mas não foi. Os portugueses optavam pela pirataria, organizavam-se em prédios e condomínios e instalavam antenas parabólicas que permitiam ver ainda mais canais estrangeiros.

Quando comecei a trabalhar na TV Cabo Portugal, em 2001, conheci o primeiro comercial da empresa, o Mário. Contou-me que, em 1994, saía da sede, ia tentar vender porta-a-porta nas zonas mais ricas de Lisboa. Ao fim dos primeiros 3 dias, já tinha conseguido 4 clientes. A parte boa do seu dia era ouvir as recusas dos clientes, a parte aterrorizante era quando chegava de mãos a abanar e tinha um interrogatório liderado por um presidente cheio de genica. Em 1949, Egas Moniz venceu o Nobel pela descoberta da lobotomia – descobriu a necessidade por ter privado com pessoas iguais. No quarto dia de trabalho, o Mário foi acompanhado de altos cargos da empresa. Perante as recusas de adesão, discutiam com quem lhes abria a porta, alguns lisboetas não se ficavam e, à frustração e humilhação do interrogatório no fim do dia, acresceu a angústia de temer pela integridade física. Como a situação não melhorou, o Mário foi emprateleirado e contratou-se um exército de vendedores pagos à comissão. Erradamente, julgavam que o Mário era indiferente a não se vender, porque tinha um bom salário base da PT, estava resignado e amorfo. Uma grande mentira, porque o Mário, anos depois, sempre na prateleira, continuava a rir-se daqueles tempos.

Dois anos após o seu lançamento, a TV Cabo tinha apenas 50 mil clientes. Só em 1998, com a Sport TV, o fiasco acabou. Atingiu 1 milhão de clientes em 2000, dois anos depois.

Foi Joaquim Oliveira, e a sua Olivedesportos, quem fundou a Sport TV, em parceria com Portugal Telecom e RTP. Com a vantagem competitiva de ter o futebol português, a TV Cabo Portugal venceu a pirataria e vingou. O interlocutor dos clubes foi o Major Valentim Loureiro.

Os 3 maiores clubes recebiam o mesmo valor, e os outros clubes da Primeira Liga recebiam um valor muito idêntico entre eles. Só os da Madeira recebiam mais - era um Jardim e a razão era fácil de perceber depois de se ouvir a explicação - os emigrantes na Venezuela queriam ver o Marítimo, o Nacional não podia receber menos que o Marítimo e o União não podia receber menos que o Nacional. Nunca se percebeu bem se o Boavista não receberia um pouco mais do que os outros, mas não seria surpreendente se assim fosse.

Se o presente continua a distinguir o futebol como crónico vencedor dos 20 programas mais vistos na televisão portuguesa em cada um dos anos, o passado provou a importância do futebol na penetração da TV Cabo e, em 2008, na escolha do operador de telecomunicações – O Meo passou de operador com 20 mil clientes a 500 mil nos primeiros dois anos em que teve a Benfica TV. Hoje, o Meo é líder – pode agradecer ao SL Benfica.

A vitória de Pirro da Liga — a entrega à ADC do modelo de comercialização centralizada

A precipitada, e extemporânea, entrega na Autoridade da Concorrência da proposta de modelo de comercialização centralizada dos direitos audiovisuais do futebol profissional, no passado dia 30 de julho, foi descrita como sendo «:::um primeiro passo importante que nos levará ao final feliz». Se não há dúvida que não estava pensado como sendo o primeiro passo, infelizmente, também foi um passo trocado.

Entregar um documento, sem qualquer inovação, que permite apenas um único comprador e o futebol principal continuar todo fechado, ter vários jogos previstos às 13h00 (!?), a Primeira Liga ser jogada de sexta à noite a segunda à noite, é frustrante para os adeptos – para as sociedades desportivas, vamos ver como acaba.

Plutarco descreveu a avaliação de Pirro sobre a vitória numa batalha, ponderadas as perdas que os romanos lhe tinham infligido – «mais uma vitória como esta e perco a guerra». Se a Liga não reformular o que entregou, perdeu a centralização.

Quatro meses após a tomada de posse da nova direção da Liga, já são três os erros graves cometidos na gestão do processo.

A 11 de Abril foi cometido o primeiro erro com a desvalorização do mais valioso conteúdo televisão em Portugal – apenas para se baixar as expectativas dos clubes. Os clubes sabem que se os direitos valerem o mesmo que em 2015, a receita atual é de 241 ME (atualizando a inflação).

Dois meses depois, o segundo erro foi cometido pelo CEO da Liga numa entrevista à Bloomberg. Anunciou que ponderava vender 10% da Liga Centralização, quando esta empresa se limita a comercializar os direitos dos clubes. A propriedade dos direitos dos jogos, mesmo depois de 2028, continua a ser exclusiva dos clubes, não é transferida para a empresa Liga Centralização. Pior ainda, aventou a possibilidade a Liga explorar diretamente a venda ao consumidor, o que seria catastrófico e absolutamente desnecessário em Portugal.

A precipitada e extemporânea entrega da proposta de modelo de comercialização à Autoridade de Concorrência foi o terceiro erro e pode ter consequências irreversíveis. Tem a Liga de ter humildade e fazer um novo documento.