Cancelo: dois golos e duas assistências no regresso à Seleção - Foto: IMAGO
Cancelo: dois golos e duas assistências no regresso à Seleção - Foto: IMAGO

Cancelo na equipa de Djalminha

Antes alguém com o coração nos pés do que um cérebro que se deixa inibir pelo lado estratégico do jogo: o internacional português tem lugar cativo na 'equipa' do antigo jogador brasileiro

Longe de mim estar aqui a defender a ideia de que antigamente é que era, que o futebol moderno perdeu a magia por completo. Continuo a ver golos daqueles que fazem jogar as mãos à cabeça, a vibrar na ténue linha que separa glória e insucesso, a entender o fascínio das crianças que vejo nas bancadas. Mas eu, que cresci a desenhar táticas, apaixonado pelo lado estratégico do jogo, e até rendido ao profissionalismo da dieta alimentar e da pressoterapia, não posso deixar de concordar com Djalminha, mesmo que não seja a ponto de dizer que «a palavra espetáculo não existe mais no futebol». «Agora não se pode mais driblar. O ponta só toca para trás, o meia não pensa, tem que correr igual um louco, box-to-box. Não é o meu futebol, acham que é copiar e botar isso na cabeça dos jogadores. O meu filho tem oito anos e só vejo treino tático e jogada ensaiada», lamentou o antigo internacional brasileiro de Flamengo, Palmeiras e Corunha, entre outros.

Uma crítica localizada, de quem sente falta de samba no futebol brasileiro, mas aplicável à escala global. Em tempos os treinadores gritavam por pragmatismo em zonas recuadas, agora até no último terço é preciso pesar bem as consequências. O risco é mínimo, não vá a equipa entrar em desequilíbrio logo ali, quando até estava a jeito de marcar um golo. Basta o adversário direto respirar fundo e a pressão obriga a soltar a bola. Já ninguém ensina a pescar, lá está, é mais fácil dar uma cana sem isco a todos. O guião é comum, com pouca ou nenhuma margem para improvisos.

Pensei nas palavras de Djalminha enquanto via a imprevisibilidade de Cancelo novamente ao serviço da Seleção. Ele que é lateral direito por princípio, mas tantas vezes vai pela esquerda, ilusionista quando aparece ao meio, matreiro a encontrar o caminho do golo. Aqui e ali também a errar, com falhas de concentração, mas quase sempre com saldo positivo, e sempre — mesmo sempre — a jogar como se não existisse amanhã.

Talvez Cancelo pudesse ser mais cauteloso, até fora do campo, e porventura isso até teria evitado o marcante desentendimento com Pep Guardiola, mas não consigo concluir que isso tenha travado o que quer que seja. Prefiro acreditar que foi precisamente essa irreverência, tão vincada, que o fez chegar às melhores equipas do mundo, conseguir tantas conquistas para dedicar à mãe.

O cérebro será sempre o principal atributo de um jogador, mas não deixemos de lado a emoção.