Ruben Amorim, treinador do Manchester United, feliz em Old Trafford
Ruben Amorim, treinador do Manchester United, feliz em Old Trafford - Foto: IMAGO

Amorim e o mau momento no Man. United: «Foi a melhor coisa que me aconteceu»

Treinador português celebra um ano desde que deixou o Sporting e chegou a Manchester e fez uma análise destes últimos 365 dias

Em novembro de 2024, Ruben Amorim deixou o Sporting para rumar ao Manchester United e, praticamente um ano depois, o técnico português fez uma análise destes últimos 365 dias em Inglaterra. O técnico português comentou todas as dificuldades que enfrentou, mas que o tornaram num melhor treinador e agora está à procura da quarta vitória consecutiva na Premier League.

«Algo que deveria ser normal no nosso clube tornou-se algo muito, muito especial, digamos assim. Neste momento, vencer três jogos seguidos, que era algo que não conseguíamos fazer há muito tempo. Obviamente que o momento é muito melhor, os jogadores estão muito mais confiantes, é muito mais agradável trabalhar durante a semana. Mas a verdade é que, devido ao passado, sabemos que isto pode mudar muito rápido. Diria que é um estado de espírito completamente diferente daquele que vivemos anteriormente. Acho que isso é claro para todos, e é normal que seja assim», começou por dizer o técnico de 40 anos, em entrevista à DAZN, revelando o ambiente no balneário.

«Os jogadores ansiavam por um momento assim, mas eu acho que sinto mais isso no treino. Tudo sai muito mais facilmente, eles já não estão tão receosos e isso nota-se. Quando se passa muito tempo dentro do balneário, quer como jogador quer como treinador, percebe-se quando uma equipa está ansiosa, no bom ou no mau sentido. Nós passávamos a vida a sentir que era quase um castigo ir para os jogos, especialmente em casa, porque a pressão era grande. Agora é completamente o contrário: sinto uma ansiedade boa, uma felicidade nas pequenas coisas, parecem até mais amigos, o que vem das vitórias. O ambiente é completamente diferente. O importante é chamá-los sempre à razão e lembrar que há três semanas estávamos a falar de forma completamente diferente. É continuar e usar esse bom sentimento, mas sempre conscientes de que haverá momentos menos bons — e agora já sabemos lidar com eles. Isso também é bom», explicou o luso.

«Acho que eles não sentem muito medo de perder. Estão a aproveitar o momento, mas estão a trabalhar. Senti isso durante a semana. A alegria não os levou ao facilitismo, foi o contrário... estão mais integrados, falam mais entre eles, treinam melhor. Isso é um bom sinal. Mas qualquer jogador, principalmente num clube grande, tem que ter algum medo — até um pavor — de perder. Perder condiciona a nossa vida durante a semana, seja em casa ou no trabalho. Acho que eles devem sentir isso, eu claramente sinto. Já sentia desde jogador, e levei isso para a vida de treinador», acrescentou, afirmando que este mau momento foi o melhor que lhe poderia ter acontecido, para evoluir.

«É difícil dizer isso. Se fosse a mesma pergunta há três semanas, talvez respondesse de outra forma. O que sei é que a vida dos treinadores não deve ser só ganhar. Aprendi muito durante este ano, e se um dia olhar para trás, talvez veja que este foi o momento mais importante da minha carreira. Comecei a ganhar bastantes jogos e títulos no início, o que me deu tranquilidade e liberdade para escolher o próximo projeto. Depois veio um mau momento, faz parte da vida de treinador. Se olhar para tudo, talvez tenha sido a melhor coisa que me aconteceu. Hoje é fácil dizer porque estamos a ganhar, mas acho mesmo que sou muito melhor treinador agora. Aprendi a ultrapassar coisas que antes não sabia como lidar», garantiu, entrando numa conversa mais pessoal.

«Acho que toda a gente tem vidas solitárias. Quando temos grandes problemas na vida ou no trabalho, temos de ultrapassá-los mais ou menos sozinhos. Mas eu nunca me sinto sozinho, tenho a minha família, isso é importante. Há decisões no trabalho que tenho de tomar sozinho, e tenho essa capacidade. Sou feliz a fazer as coisas à minha maneira, por isso nunca me sinto verdadeiramente sozinho. Claro que às vezes é solitário, porque sentimos que estamos a sofrer mais do que os outros, não porque sintamos mais, mas porque é a nossa imagem, a nossa equipa, a nossa responsabilidade. Mas eu gosto dessa responsabilidade. Por isso nunca pensei em ser adjunto, nem em treinar miúdos, sempre quis isto, e sei que tenho de pagar o preço. Mas sentir-me sozinho? Nunca», afirmou, falando do dia a dia.

«O bom é que começa a ser igual em todos os países, com algumas diferenças, por exemplo, esta parte das entrevistas aqui é completamente diferente. O dia a dia é acordar cedo, chegar ao treino com tempo, com o treino preparado, mas sempre aberto a ajustar algo. Durante a noite pensamos muito, tentamos mudar detalhes. Sou quase sempre o primeiro. Tenho o Acácio, que veio trabalhar connosco — no primeiro dia chegou depois de mim e disse 'isto nunca mais vai acontecer' [risos]. Ele gosta de ser o primeiro, então agora chega muito cedo, porque eu acordo às seis da manhã. Faço ginásio, preparamos o treino, reunimos com a equipa técnica, avaliamos como estão os jogadores. Se há algum problema físico, alteramos o treino. Depois há reuniões — pré ou pós-jogo — e vamos para o campo. Quando voltamos, os jogadores almoçam, fazem recuperação, e nós avaliamos o treino e planeamos o dia seguinte. Não consigo ir para casa descansado sem planear o próximo dia», revelou, bem diposto, comparando Portugal com Inglaterra.

«A parte boa em Inglaterra é que, aconteça o que acontecer nos resultados, posso ir ver os treinos dos meus filhos, jantar fora, ninguém diz nada. Às vezes até são simpáticos demais. No início ficava envergonhado, porque estava habituado ao estilo português. A leveza aqui é diferente, percebo porque muitos não querem voltar à 'confusão'. Mas eu adoro a nossa liga e continuo a acompanhá-la. O dia a dia é muito parecido, só muda a forma de viver o futebol fora do campo. Aqui é tudo mais leve, e isso ajuda a relativizar o que é importante», contou,

«É difícil. Ligando ao que disse antes: quando acaba o jogo, tenho de ir à sala de conferências do Old Trafford, e passo pelo meio dos adeptos que estão a jantar no lounge. Sinto uma alegria genuína das pessoas por verem a equipa ganhar e até por me verem ganhar. Mas o curioso é que não sinto grande diferença quando perdemos. Isso é estranho, e até mau, porque devíamos exigir mais. Mas é verdade: sempre que faço aquele caminho, vejo as pessoas com o mesmo sorriso. Consigo chegar à conferência de imprensa calmo, a pensar no que vou dizer. É algo que todos os treinadores deviam viver. A forma como aqui encaram as coisas é sempre positiva e isso é algo que gostaria de partilhar com vocês», finalizou.