«Ainda bebi água no autocarro em Singapura, mas lembrei-me das multas de mil dólares»
— Como é que surgiu a hipótese de ir para Singapura e para o Lion City Sailors, em 2022?
— Foi muito natural. Claro que, quando surgiu a proposta, eu não conhecia o clube, sou sincero, não conhecia nada. Mas tinha aqui dois jogadores que tinham jogado em Portugal, Pedro Henrique e Diego Lopes, já estavam aqui há dois anos no clube. Mal chegou a proposta eu tentei informar-me logo com eles. As primeiras reuniões que tive com o clube, os objetivos que eles tinham, o projeto que eles queriam construir, pareceu-me tudo muito bem, mas claro que ouvir isso dos jogadores que estavam aqui presentes foi diferente. Eles falaram-me muito bem do clube, do país. E embarcámos nesta aventura, tanto eu e a minha esposa, e já lá vão quase três anos. Estamos muito felizes porque tem corrido tudo muito bem e estamos a adorar a experiência.
— O que o levou a aceitar essa proposta?
— A verdade é que eu já queria sair de Portugal. Apesar de, obviamente, o campeonato de Singapura não ser tão aliciante como outros campeonatos europeus. Mas não posso mentir que financeiramente a proposta foi muito boa, consegui também mudar um pouco a vida da minha família. Isso foi um ponto forte. E ter a experiência de jogar em vários países, como eu tenho tido, já corri o Sudeste Asiático todo, jogar na Champions League asiática, tem sido uma experiência espetacular. E claro, quando o futebol e a vida cá fora, corre tudo bem, ainda é melhor.
— Sim, porque na época passada ganha o campeonato e a Taça de Singapura, e é pai pela primeira vez.
— É verdade. O ano passado correu tudo muito bem. Ganhámos a Supertaça, a Taça e o campeonato de Singapura. Localmente ganhámos tudo e conseguimos ir à final da Liga dos Campeões 2 asiática, que é como se fosse a Liga Europa da Ásia. O que foi um feito gigantesco para o clube e para o país, porque nunca na vida ninguém pensou que conseguíssemos chegar tão longe. Acabámos por perder a final, mas só o facto de conseguirmos ter chegado tão longe foi um feito histórico para o clube.
— Era algo visto como sendo quase impossível de se concretizar, um clube de Singapura chegar tão longe nessa prova?
— Sim, se dissessem a qualquer pessoa, a qualquer jogador, ao dono do clube, a toda a gente, ninguém acreditaria porque era um objetivo muito longínquo. Só para se ver, o grande objetivo era conseguirmos passar a fase de grupos e isso já diziam que era complicado. Por isso nós fomos passo a passo e conseguimos chegar à final, o que foi um feito histórico. Foi incrível a sensação de passar os oitavos, quartos de final, meia-final. Íamos sempre sonhando e foi pena. Não conseguimos ganhar a final, porque a final até foi aqui em nossa casa. Foi pena, mas foi uma experiência muito boa para nós, da qual desfrutámos muito.
𝐓𝐇𝐄 𝐁𝐈𝐆 🖐 𝐂𝐋𝐔𝐁
— Lion City Sailors (@lioncitysailors) November 7, 2025
Our 🇵🇹 midfielder Rui Pires is the latest Sailor to reach the milestone of 5️⃣0️⃣ appearances in all competitions for the club.
Parabéns, Rui! 👏#allhandsondeck #lioncitysailors pic.twitter.com/3i9vTdiN3Z
— E perderam a final com o Al Sharjah com um golo aos 90+7’.
— É verdade. Sofremos o golo mesmo a acabar, nós também tínhamos marcado no final. Foi um jogo muito equilibrado, mas a equipa dos Emirados Árabes Unidos levou a melhor.
— O Rui já tinha experiências em finais, foi capitão da Seleção de Portugal que perdeu a final do Euro sub-19, em 2017, mas em termos de importância, essa final da Liga dos Campeões asiática 2 foi o momento mais significante da carreira?
— Obviamente que a final do Europeu sub-19 foi um feito muito grande, tanto para mim, porque eu era o capitão da Seleção e representar Portugal também é uma coisa única. Mas também considero esta final, por ser um nível sénior, um pouco diferente, já tem outra credibilidade, por isso tenho as duas no mesmo patamar, porque foram momentos históricos e especiais para mim. Obviamente que queria ter ganho, mas o futebol é assim e claro que vou guardar os dois momentos na minha memória.
— Qual foi o maior impacto cultural que sentiu nos primeiros meses em que viveu em Singapura?
— Eu e a minha esposa estamos encantados com o país. Nós adoramos e agora eu tenho uma filha de 20 meses e o país é espetacular, mesmo para a minha filha crescer, porque é um país muito seguro. Tem muitas regras, é verdade, mas é um país muito limpo, todas as pessoas se respeitam umas às outras, não há assaltos, não há nada de grave que aconteça no país e nós sentimos muita segurança. Claro que quando chegámos achámos algumas regras estranhas, por exemplo, não se pode comer pastilhas elásticas no país, as pessoas que fumam, há certos sítios específicos para fumarem, nos autocarros, nos transportes públicos todos, não se pode comer nem beber, por uma questão de respeito e de ter tudo limpo, são aplicadas multas a toda a gente. E não é só o dizer, porque as multas são mesmo aplicadas a quem não cumpre as regras, por isso é que toda a gente aqui cumpre as regras e é uma sociedade muito civilizada, porque sabem que quem não cumprir, é multado.
— Teve alguma surpresa mais desagradável ao infringir uma regra que não sabia que existia?
— Hoje em dia com a internet já estamos muito bem informados. Às vezes eu no início ainda bebia água nos transportes, mas rapidamente lembrava-me que não o podia fazer porque eles têm afixado em todo lado, que são multas de 500 ou mil dólares por cada infração, então rapidamente me lembrava. Mas acho bem, nós aqui andamos de transportes públicos, uma coisa que era impensável para mim em Portugal, estava sempre a conduzir o carro e aqui andar de transportes públicos é muito tranquilo, na rua quase ninguém nos conhece, e eu jogo na melhor equipa de Singapura, mas as pessoas não ligam tanto ao futebol. Acho bem engraçado e tenho uma vida muito pacífica aqui, muito tranquila, desfrutamos sempre com um ótimo tempo, com temperaturas diárias de 30 graus. No início foi complicado porque é muito húmido e para jogar era difícil, mas com o tempo o corpo vai-se habituando e agora já é mais normal.
— Tem 27 anos, joga no clube detentor do campeonato, da Taça e da Supertaça de Singapura: está no melhor momento da carreira?
— Sim, apesar de esta não ser uma liga tão conhecida, a verdade é que não é uma liga fácil, porque nós aqui temos campos artificiais, relva artificial, o que torna as coisas mais complicadas por vezes. Nós jogamos um futebol atrativo e por vezes a bola não anda tão rápido e as equipas já sabem e contra nós jogam muito defensivas, por isso nós temos de fazer tudo para controlar o jogo e fazer com que a bola ande rápido. Mas sim, sinto-me muito bem, sinto-me em perfeitas condições para jogar ao mais alto nível, como jogamos aqui na Liga dos Campeões 2 asiática, por isso sim, sinto-me num grande nível neste momento da minha carreira.
— Nessa competição também está o Al Nassr, sonha em jogar com a equipa de Jorge Jesus, João Félix e de Cristiano Ronaldo?
— Será muito difícil porque nós só os conseguimos apanhar se formos mesmo à final, nós estamos no lado do sudeste asiático, e depois há o lado deles que engloba países como o Qatar, o Dubai, os Emirados, a Arábia Saudita. E os vencedores de cada lado é que se encontram na final. Nós no ano passado encontrámos o Al Sharjah, que é uma equipa dos Emirados, só os apanhámos na final. Até lá apanhámos equipas do Japão, da Austrália, da Coreia do Sul, da Tailândia. Por isso, teremos de ser campeões deste lado, e depois joga-se a grande final contra uma equipa dos outros países. Claro, é um sonho, não custa sonhar, foi como falei há pouco, no ano passado ninguém acreditava que podíamos chegar lá, por isso temos de acreditar, porque se não acreditarmos nós, quem é que vai acreditar?
— Como é que é o dia a dia na vida em Singapura?
— Temos muita sorte em termos vindo para o país que viemos, porque por exemplo, os países aqui à volta, Tailândia, Vietname, Japão, Coreia do Sul, não são países em que o inglês seja muito forte e aqui o inglês é a língua principal. Toda a população fala inglês, apesar que 70% da população ser chinesa, mas quase toda a gente fala inglês, ou o singlish que eles dizem, que é o inglês misturado com a língua local. Mas a língua principal é o inglês, por isso a adaptação foi muito fácil e, como eu disse, o país está muito bem organizado em relação a tudo. Os estrangeiros vivem em condomínios privados, com todas as infraestruturas, tudo está muito bem organizado, com piscinas, ginásios. Temos uma vida muito boa e também desfrutamos para fazer umas viagens, quando temos uns dias livres, porque estamos perto de muitos países aqui ao lado, o que também é ótimo para desfrutar e sair um pouco do futebol por vezes