São várias as implicações se for permitida a venda de cerveja no interior dos estádios
São várias as implicações se for permitida a venda de cerveja no interior dos estádios - Foto: Imago

A venda de cerveja nos estádios vai diminuir a pirotecnia

'Tribuna livre' é um espaço de opinião em A BOLA aberto ao exterior, este da responsabilidade de Rui Pedro Soares, consultor

Em Portugal, banqueteia-se um insaciável Estado Dinossauro, com um corpo grande e gordo e uma cabeça pequena.

Em 2024, houve 2.581 episódios de violência contra profissionais de saúde, entre os quais 578 casos de violência física. Entre janeiro e agosto de 2024 foram agredidos 1.295 agentes da PSP e militares da GNR. No ano letivo de 2023/24, a PSP registou 4.107 ocorrências nas escolas. No universo de 10.400 funcionários da Autoridade Tributária, metade já foram agredidos, segundo o presidente da sua Associação Sindical.

O Estado não protege os seus servidores. A violência nos estádios da I Liga é a posse/utilização de pirotecnia (85,4% dos incidentes), e tem crescido exponencialmente (+90,7% num único ano).

Segundo o relatório de análise da violência associada ao desporto, publicado pela Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD), na I Liga, na época 2023/24, houve 4.031 incidentes de violência nos estádios, dos quais 3443 foram por posse/uso de pirotecnia (85.4%). Na I Liga, numa única época desportiva, os incidentes totais de violência nos estádios subiram 1.521 (60,6%), tendo os relacionados com posse/uso de pirotecnia aumentado 1.637.

A criminalização da posse/utilização de pirotecnia em 2023 foi acertada, mas o problema continuou a agravar-se.

A APCVD foi criada em 2018, em resposta à invasão de Alcochete e assegura a tramitação de uns quantos processos administrativos que transitaram do IPDJ. Custa mais de 1 milhão de euros por ano e não serve para nada, consome recursos que devem ser destinados às forças policiais.

Uma tragédia vai ocorrer como consequência de uma multidão a entrar num estádio em cima da hora do jogo e um artefacto pirotécnico, voluntaria ou acidentalmente, ser deflagrado. Em consequência da fuga descontrolada, pessoas vão morrer esmagadas e espezinhadas.

Como entra, e se pode reduzir, a pirotecnia nos estádios?

Por não se poder beber cerveja no interior, apenas nas imediações, dezenas de milhares de espectadores dirigem-se à entrada do estádio nos minutos que antecedem o início do jogo. A tensão que se gera na demora na entrada, com mulheres e crianças na fila, faz com que a revista tenha de ser feita de forma demasiado rápida. Quem introduz pirotecnia no estádio, é neste momento que entra, aproveitando a confusão.

A solução é fazer uma revista eficaz a um grupo específico de espectadores — os adeptos sujeitos a medidas de interdição de acesso a estádios têm entre 16-40 anos (86% do total), são do sexo masculino (99%) e assistem ao jogo num espaço reservado ao Grupo Organizado de Adeptos (70%).

São duas as medidas que podem reduzir drasticamente a introdução de pirotécnica nos estádios:

1) Permitir a venda de cerveja nos estádios, de forma que os adeptos entrem no estádio mais cedo, e de forma mais espaçada.

2) Em setores específicos dos estádios, a revista ser realizada por uma força de segurança especializada, como os spotters, da PSP.

Os Romanos, que tinham como base da sua alimentação o pão e o vinho, consideravam a cerveja uma bebida de bárbaros, opinião com que tendo a concordar. Declaração de falta de interesse — não tenho qualquer relação com cervejeiras e detesto cerveja.

Foi em 1980 que foi promulgado o Decreto-Lei 339/80 de 20 de agosto, com o objetivo de estabelecer «um conjunto mínimo de medidas tendentes a conter, a curto prazo, a violência em recintos desportivos».

Portugal tinha 25% de população analfabeta (2%, em 2025). A escolaridade mínima era de 6 anos. Apenas 57% das casas tinham água canalizada, menos de 30 % das habitações tinha os esgotos ligados a rede pública.

Na I Liga, jogava-se em campos pelados (o piso era terra) e muitos estádios não tinham sequer vedação ou túnel de acesso aos balneários.

No bar, vendia-se de tudo e em garrafas de vidro. Os espectadores podiam vir prevenidos de casa e entrar no estádio com garrafões de vinho de 5 litros.

Não surpreende que o legislador, logo no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea a, pretendesse evitar «...distúrbios de espectadores nos recintos desportivos que provoquem lesões nos dirigentes, treinadores, secretários técnicos, auxiliares técnicos e empregados, bem como nos componentes da equipa de arbitragem ou nos jogadores». Em 1980, os jogadores eram a última das prioridades.

Em 2009, uma subtil alteração legislativa permitiu que quem assista aos jogos em camarotes ou zonas corporate tenha acesso a bebidas alcoólicas, sem qualquer limite de quantidade ou grau de teor alcoólico — a discriminação é inadmissível.

Outras vantagens do consumo de cerveja nos estádios são:

a) o fim do binge drinking, o consumo em excesso imediatamente antes do jogo. Essa prática, além de ter riscos para a saúde muito acrescidos às da normal ingestão de álcool, pode provocar também comportamentos agressivos e impulsivos;

b) ser muito mais fácil garantir a segurança e a vigilância dos espectadores dentro do estádio, do que se estiverem espalhados por múltiplos pequenos pontos de venda, em que até se misturam com adeptos dos clubes adversários.

c) a venda de cerveja no estádio gerará uma receita relevante para as sociedades desportivas, mas também para o Estado (IVA de 23%). A I Liga teve 3.760 milhões de espectadores no estádio em 2024/25, se cada um beber, em média, uma cerveja por jogo, a 2 euros, a receita do IVA será de 1.725 milhões, que serão bem entregues às forças policiais — serão mais 50 mil euros por jornada investidos em segurança nos estádios. A receita adicional das sociedades desportivas seria de 6 milhões de euros.

Teriam de ser definidas regras para a venda de cerveja nos estádios como, por exemplo, continuar a ser proibida a venda de bebidas destiladas, impedida a venda a menores e a pessoas que apresentassem sinais de embriaguez ou de doença psíquica. Numa fase inicial, até se poderia limitar a venda de cerveja até ao fim da primeira parte.

A revisão da Lei só vai acontecer se as SAD promoverem uma petição à Assembleia da República, com muito mais que as 7.500 assinaturas necessárias para ser discutida no plenário. Num mês, conseguem dezenas de milhares de assinaturas de uma petição com este teor.

As SAD devem também evitar multarem-se a si próprias por deflagração de pirotecnia, porque formam a convicção na opinião pública que são as promotoras, e não as vítimas. Na prática, as multas têm o efeito de uma confissão.