A propósito de Boniface, lembra-se de 'rei' Cantona?
A nova investida verbal de Victor Boniface — «Às vezes, cabras azuis trazem cenouras para o Brasil» — tornou-se o mais recente fenómeno de espanto e partilha nas redes sociais. O avançado nigeriano do Werder Bremen voltou a publicar mensagens indecifráveis, para logo depois as apagar, deixando a imprensa e os adeptos a tentar decifrar o que queria realmente dizer.
Boniface não é o primeiro a transformar a linguagem em espetáculo viral, neste caso muito à custo do nonsense. Muito antes de as redes sociais multiplicarem cada frase num relâmpago viral, já Eric Cantona tinha inaugurado o género das mensagens enigmáticas que, por serem ditas por um dos melhores futebolistas do seu tempo, ganham estatuto de manifesto.
When the seagulls follow the trawler, it is because they think sardines will be thrown into the sea.
«Se as gaivotas seguem a traineira é porque pensam que sardinhas serão atiradas para o mar», atirou, pausadamente, bebendo ainda um copo de água pelo meio, agradecendo, levantando-se, cumprimentando quem estava ao seu lado e saindo porta fora.
Estávamos em 1995. Cantona regressava à ribalta depois do célebre pontapé de kung-fu a um adepto do Crystal Palace, que o tinha insultado desde a linha lateral num jogo do Manchester United no Selhurst Park. O mundo esperava explicações, arrependimento, um pedido de desculpas. O francês não deu a ninguém essa satisfação.
A frase tornou-se um dos momentos mais icónicos da história do futebol. Foi visto como um poema involuntário, uma provocação filosófica ou talvez apenas uma fuga genial à banalidade do discurso esperado. Cantona explicou anos depois que o comentário não tinha um grande significado: «Estavam a obrigar-me a falar, e eu falei. Saiu assim.» Mas, como tantas vezes acontece, o mito já estava criado.
De repente, o futebol tinha o seu primeiro enigmista. Um homem capaz de transformar uma conferência de imprensa num happening artístico, de deixar jornalistas perplexos e, ao mesmo tempo, dar-lhes precisamente o que procuravam: algo para interpretar, discutir, prolongar. Entretê-los sem dizer nada em concreto, claro. Afinal, tratava-se de King Eric.