Traduziu o Príncipe William e gostaria de lecionar Jesus
Se costuma ver conferências de Imprensa de jogos europeus, é possível que já se tenha deparado com Manik Mané. Ao papel de intérprete que desempenha há vários anos, juntou o de professor na empresa FutLanguage, especializada no ensino de línguas aplicado ao futebol profissional. Em conversa com A BOLA, o português explica os desafios que tem somado ao longo de uma carreira que não se resume ao mundo da redondinha, embora aí tenha dado os primeiros passos.
«Trabalho como intérprete, estive há pouco tempo no COP30 [Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, de 2025], e foi um prazer juntar a essas funções o ensinamento de línguas, mais ligado ao futebol. Foi um projeto que surgiu há um ano e tal, fruto de uma vontade de suprir uma lacuna que existe no meio», começa por contar, antes de traçar um breve perfil do docente que quer apostar em algo funcional e efetivo, ao contrário das aulas de inglês que teve no passado e que «na prática não eram úteis». «O objetivo é não ter aulas aborrecidas», assegura. E, pelo feedback que vai amealhando, está tudo a correr sobre rodas.
No fundo, é só aplicar ao ensino um vasto conhecimento que foi adquirindo ao longo dos anos e que o deixou com uma bagagem bem recheada de experiência. Deu os primeiros passos como futebolista, com passagens por Vitória de Guimarães, antes de rumar a França e Inglaterra, e não tem dúvidas de que o caminho como intérprete foi o acertado. Sem ilusões. «Sou suspeito para falar. Se fosse futebolista, não iria longe, faço mais falta nas conferências de Imprensa e a ensinar do que no campo. Se na tradução sou Liga dos Campeões? Sou competente, versátil, e isso permite-me trabalhar bem», sublinha.
No mundo do desporto-rei, orgulha-se de um percurso preenchido. «Estive com o Benfica em Londres, traduzi o Lukebakio, estive em Braga, com o Van Persie, também com o Bruno Lage, em Nice. O Brasil também me chamou...», enumerou quando foi ao baú, sem descurar na questão do estilo, que sobressaiu, em particular, numa ocasião em que surgiu de óculos de sol, ao lado de Steven Gerrard, no âmbito de um jogo da Liga Europa entre o Rangers e o SC Braga.
Usei óculos de sol na conferência foi porque estava com conjuntivite, mas ficou como imagem de marca
«É gratificante. Fui para a faculdade para ser intérprete, um tradutor normal, nunca pensei que iria ser falado. Sou detalhista, atento ao que vou vestir, para não repetir a roupa, gosto de dar um toque africano, trago isso para as conferências. Os óculos de sol foi por problemas de saúde, estava com conjuntivite, mas ficou como imagem de marca. Agora não utilizo enquanto estou a interpretar, mas tenho-os sempre comigo nos bastidores», diz.
Sobre o que está em falta nas experiências acumuladas, não hesita: «Gostava de lecionar o Jorge Jesus. Em termos de jogadores, o Cristiano Ronaldo já fala línguas. Depois, diria que o treinador do Sporting, Rui Borges, seria interessante, Ronaldinho, Richarlison, com quem já me cruzei algumas vezes — pela personalidade dele, iria gostar de ensinar. Seria um marco. Já tive interação com Ruben Amorim, Nuno Espírito Santo... Jesus não tive oportunidade, iria gostar.»
No seu percurso, bebeu igualmente do exemplo de alguém que também teve o seu passado nas lides da tradução e que hoje é treinador do Benfica: «José Mourinho é uma inspiração pela forma de estar na vida, imigrou cedo, foi resiliente durante o seu trajeto, soube ouvir, aprender, estudou, fala línguas, são atributos com que me identifico. Gosto muito de Mourinho, tem cultura, é perspicaz, já mostrou ser bondoso, aprecio imenso e o facto de ter sido intérprete... é excecional o que conseguiu fazer há 20 ou 30 anos.»
Ainda assim, foi fora do futebol que encontrou a figura que mais o marcou. «O Príncipe William é talvez a pessoa mais importante que tive a oportunidade de traduzir até hoje», conta.
«Trabalho com uma aliança global de povos indígenas, a GATC, e através da mesma faço tradução nas maiores cimeiras do clima por todo o mundo, incluindo as COP, a última das quais no Brasil, em novembro. Nesse âmbito, na semana climática de Londres, no mês de junho, chefiei a equipa de interpretação para traduzir o príncipe William e a família real britânica no seu encontro com as ministras brasileiras Marina Silva [Meio Ambiente e Mudança do Clima] e Sónia Guajajara [Povos Indígenas do Brasil], e outras ONG. Foi o maior e mais prestigiante desafio da minha carreira até hoje», declarou.