Quadro surreal no Santa Clara-Sporting
O futebol, seja jogado nas ruas, de forma amadora, profissional ou ao mais alto nível, tem particularidades que o tornam diferente e, por isso, tão amado. Toda a gente sabe ver futebol, tem opiniões e chega a decisões absolutamente irrefutáveis.
E é precisamente por isso que quem tem responsabilidades mais sérias — quem gere, arbitra e faz do futebol modo de vida — deve acrescentar às regras e regulamentos, às matemáticas e às verdades escritas para analisar jogos e lances algo essencial: sensibilidade e bom-senso. Falo, naturalmente, dos árbitros e, em concreto, do que se passou nos Açores, no Santa Clara-Sporting da Taça de Portugal.
O penálti que favoreceu a qualificação do Sporting, bem como os 14 minutos de espera até à validação (errada) do lance após consulta do árbitro ao VAR, formam um quadro surreal. A não ser que apareçam imagens totalmente esclarecedoras que desmintam o que se vê nas repetições — em tempo real, em slow motion, em retrocesso ou mais rápido —, e não vão surgir, o que se observa é apenas um contacto naturalíssimo e decorrente do movimento do jogador do Santa Clara, Tiago Duarte, e do capitão do Sporting, Hjulmand. Repito: contacto.
Não uma agressão nem uma tentativa de jogo desleal. Gostaria até que me explicassem como é possível jogar futebol, sobretudo em lances de canto ou de bola parada na área, sem contacto físico entre jogadores.
Mais: neste lance dos Açores, se algo existiu, parece-me que terá sido uma tentativa de aproveitamento do jogador do Sporting quando sentiu o contacto com o adversário. Duarte Gomes, diretor técnico nacional da arbitragem da FPF, já assumiu que se tratou de uma decisão errada. Mais que assumir o erro, importa retirar consequências e evitar outros erros desta dimensão.
A João Pinheiro e à equipa de vídeoarbitragem (VAR) faltou, além de competência para descodificar este momento, no mínimo também sensibilidade para perceber o lance e bom-senso na análise e decisão. Pelo contexto e momento do jogo, isso leva a interpretações legítimas e potencialmente mais graves. Lances como este são combustível para a desconfiança dos adeptos, que já está suficientemente inflamada.
Estranhas foram algumas declarações do treinador do Sporting na conferência de imprensa após o jogo. Simpatizo com Rui Borges e considero-o um bom treinador, competente e a fazer um bom trabalho, mas dizer que não viu o lance do penálti é difícil de acreditar, tanto tempo que houve para isso. O técnico poderia ter sido mais hábil na mensagem. E talvez o mais acertado tivesse sido simplesmente responder: ‘Não quero, não vou falar desse lance’. Não podemos ajudar a resolver o problema se nos desviarmos dele quando julgamos não ser nosso. E tornar melhor o futebol português, ou pelo menos mais honesto e claro, é uma responsabilidade de todos.