Camisola de Jorge Costa eternizada na galeria do Dragão

Por mais paradoxal que pareça, a morte súbita em atletas — muitas vezes jovens, bem preparados e, aparentemente, saudáveis — continua a ser uma das maiores inquietações do desporto moderno. Quando um jogador colapsa, inesperadamente em campo, sem qualquer contacto físico violento, a intranquilidade transcende fronteiras. Porém, surge sempre a pergunta: poderia ter sido evitado? A morte súbita no desporto pode prevenir-se ou trata-se de uma fatalidade inevitável?

O que é a morte súbita no desporto?

A morte súbita cardíaca (MSC) é definida como uma morte inesperada de causa cardíaca, geralmente, ocorrendo até uma hora após o início dos sintomas. Apesar de rara — com uma incidência estimada entre 1 a 3 casos por 100.000 atletas por ano — o seu impacto é, apesar de extremamente raro, muito profundo, tanto pela brutalidade do evento como pela idade das vítimas.

Em atletas jovens (<35 anos), a maioria dos casos está associada a doenças hereditárias ou congénitas.

Pode prevenir-se?

Segundo o nosso artigo publicado, recentemente, «Prevenção da morte súbita em atletas: Onde estamos e para onde vamos?» (Rev Port CardiolVolume 44, fevereiro 2025, Pág. 85-86), a resposta é clara: sim, muitas mortes súbitas são, potencialmente, evitáveis. A chave está na triagem cardiovascular na pré-participação, que permite identificar doenças cardíacas silenciosas antes que estas se manifestem tragicamente. O artigo aponta a ausência de um programa nacional obrigatório de rastreio em atletas como uma das lacunas atuais, mesmo com a evidência crescente do seu benefício.

O modelo italiano é, frequentemente, citado como exemplo de sucesso: desde que, em 1982, passou a exigir avaliações médicas regulares com eletrocardiograma (ECG) para todos os atletas federados, observou-se uma redução significativa (cerca de 80 %) na incidência de MSC desportiva.

Infelizmente, Portugal ainda não adotou este modelo de forma sistemática.

Limitações e controvérsias

Ainda assim, a prevenção enfrenta desafios. O ECG pode ter limitações na sensibilidade e especificidade, especialmente, quando interpretado por profissionais sem formação em eletrocardiografia no contexto desportivo. Falsos positivos podem levar a exclusões desnecessárias, enquanto falsos negativos deixam atletas em risco.

Além disso, há preocupações logísticas e financeiras associadas à implementação de programas de rastreio em larga escala. No entanto, como defendido no artigo, o custo de não prevenir pode ser muito mais elevado em vidas humanas e, também, no impacto emocional e social.

A importância da resposta imediata

Mesmo com rastreio robusto, a morte súbita pode ocorrer. Por isso, é vital garantir que todas as instalações desportivas estejam equipadas com Desfibrilhadores Automáticos Externos (DAE) e que pessoas não médicas estejam treinadas para agir de imediato. A probabilidade de sobrevivência a uma paragem cardiorrespiratória diminui cerca de 10% a cada minuto sem desfibrilhação. Um DAE em campo pode ser a diferença entre a vida e a morte — como se viu no caso de Christian Eriksen, salvo durante o Euro 2020, graças à rápida intervenção com um desfibrilhador.

O artigo alerta ainda para a necessidade de formação contínua em suporte básico de vida (SBV), não apenas em profissionais de saúde mas, também, em treinadores, árbitros e atletas.

Desconstruir o mito da invulnerabilidade

Ainda existe uma barreira cultural a ultrapassar: muitos atletas jovens ignoram sintomas, como dor torácica, síncopes ou palpitações associadas ao exercício físico, por acreditarem que a juventude e o treino os protegem de problemas cardíacos. Esta perceção de invulnerabilidade é perigosa e alimenta a ideia errada de que a morte súbita é imprevisível e inevitável.

Como reforça o artigo da Revista Portuguesa de Cardiologia, a educação é fundamental: atletas, pais e treinadores necessitam de estar conscientes dos sinais de alerta e da importância do rastreio.

Conclusão

A morte súbita no desporto não é um mistério insolúvel, nem um castigo do acaso. Com rastreios adequados, resposta rápida e educação, é possível salvar vidas. A evidência científica, nacional e internacional, está cada vez mais clara: Prevenir não é mito — é uma realidade ao nosso alcance. Ignorar, isso sim, é o verdadeiro risco.

João Freitas, Cardiologista da Clínica Espregueira – Dragão
João Espregueira-Mendes, Presidente da Sociedade Mundial de Traumatologia Desportiva (ISAKOS)