A importância dos fracassos no futebol… e na vida (a lição de Guardiola)
Pep Guardiola, numa entrevista recente, disse algo que desarma qualquer discurso triunfalista do futebol moderno: amo os fracassos!
No meio de uma era em que só o sucesso é partilhado, em que a vida se mede por número de seguidores, likes em fotos de Instagram, show off e sorrisos forçados, ouvir um dos melhores treinadores do mundo dizer que fracassar faz parte da vida soa quase a revolucionário.
No futebol, vive-se obcecado com a perfeição. Exigem-se vitórias, o mérito é medido por pontos e títulos, e as redes sociais amplificam qualquer deslize como se fosse uma tragédia. Mas Guardiola recorda-nos algo essencial: perder faz parte do crescimento. Fracassar é humano, e no futebol é inevitável que aconteça mais dia menos dia. O problema não está em cair - está em não aprender nada quando caímos.
Pep Guardiola assumiu o comando do Manchester City em julho de 2016 e, quase nove anos depois, continua a marcar uma era rara de longevidade e sucesso na elite do futebol moderno. Desde então, conquistou 18 títulos oficiais, entre eles seis Premier Leagues, uma histórica Champions League (integrada no treble de 2023), quatro Taças da Liga, duas Taças de Inglaterra, além de troféus internacionais como a Supertaça Europeia e o Mundial de Clubes. Mais do que a quantidade, impressiona a forma: Guardiola liderou a equipa que atingiu a marca inédita dos 100 pontos na Premier League em 2018, criou o primeiro ciclo de quatro títulos ingleses consecutivos (2021-2024) e transformou o City numa máquina de jogar futebol, reconhecida mundialmente pela qualidade e consistência. O que antes era apenas um clube com ambição tornou-se, sob o seu comando, num dos projetos mais dominadores da história do futebol europeu. Mas… na vida, como no futebol, é impossível ganhar sempre e, felizmente, é assim…
Guardiola assumiu, numa entrevista, que a época 2024/2025 teve resultados abaixo das expectativas. Podia esconder-se atrás de desculpas, ou alimentar a ilusão de que nada aconteceu. Mas preferiu encarar a realidade: Correu mal, tivemos resultados piores do que eu esperava… mas no dia seguinte há treino. E eu vou tentar outra vez. Eis a essência de qualquer carreira de sucesso: a persistência. Os fracassos não são o fim - são o combustível para recomeçar.
No futebol, como na vida, só quem se expõe à derrota pode saborear a vitória com autenticidade. Um jogador que falha um penálti decisivo ou um treinador que é eliminado de uma competição não são menos competentes por isso. Pelo contrário, são mais humanos. Guardiola sublinha essa importância de aceitar emoções negativas: Perdemos, estamos lixados. Estar lixado está tudo bem. Temos de viver com isso. É uma lição simples e poderosa num mundo que confunde sucesso com fingir felicidade 24 horas por dia.
Fracassar, portanto, não é um destino. É uma etapa. O fracasso é o mestre silencioso que separa os que desistem dos que evoluem. Guardiola não ama o fracasso porque gosta de perder; ele ama o que o fracasso lhe ensina e lhe acrescenta. E talvez esteja aqui o segredo dos grandes líderes do futebol: não são os que evitam cair, mas os que se levantam mais fortes depois de cada queda.
E esta lição de Guardiola não serve apenas para Manchester City, Bayern Munique ou Barcelona, serve para qualquer balneário, do futebol profissional aos campos sintéticos ou pelados do distrital. Cada derrota das grandes equipas traz uma onda de críticas e memes instantâneos nas redes sociais; cada falhanço na formação é um rótulo colado demasiado cedo a uma criança ou a um adolescente. Mas o futebol precisa de aprender a viver com o fracasso para poder crescer com ele. Porque só quem aceita perder de forma honesta tem a coragem de voltar a tentar.
No futebol, como na vida, os fracassos não são um destino final, mas etapas necessárias de um caminho maior. Quem os enfrenta com coragem e humildade descobre que cada falha pode ser um degrau para algo maior. Não é fácil aceitar a dor da derrota ou o peso do erro, mas é justamente aí que nasce a oportunidade de recomeçar mais forte, mais consciente e mais preparado.
Quantos jogadores de elite não foram dispensados em jovens por clubes que não acreditaram no seu potencial? Quantos treinadores não caíram, quase no anonimato, para mais tarde regressarem com novas ideias, um legado que mudou o jogo e a sua própria história? O fracasso, quando bem interpretado, é a prova de que a perfeição não existe e de que o caminho para o sucesso é feito de curvas, quedas e reergueres constantes.
Por isso, é fundamental mudar o olhar sobre o fracasso: não é o oposto do sucesso. É parte integrante dele. Em vez de o ver como uma ferida, encará-lo como uma semente. Uma semente que, regada com trabalho, resiliência e confiança, acabará por florescer em novas conquistas. Quem foge da derrota foge também da oportunidade de crescer. O fracasso é, no fundo, um treinador invisível, que nos obriga a rever processos, a questionar certezas e a encontrar novas soluções para velhos problemas.
E há ainda algo maior: o fracasso humaniza-nos. Aproxima-nos uns dos outros, porque todos, sem exceção, já caímos. E é nessa consciência coletiva que se constrói também o espírito de equipa, a solidariedade e a empatia que fazem do futebol muito mais do que simplesmente um jogo.
Porque no futebol, como na vida, a grandeza não está em nunca cair, mas em levantar-se sempre - sabendo que amanhã haverá outra partida, outro desafio e outro capítulo para escrever.
«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach» e «Organizar para Ganhar» e ainda speaker.