Jardel chega aos 50 anos!
Jardel eleito por A BOLA como melhor estrangeiro de sempre em Portugal

Jardel chega aos 50 anos!

INTERNACIONAL18.09.202308:00

Há quem lhe chame SuperMário, JardiGol ou simplesmente Mário Jardel. O brasileiro de Fortaleza é um dos maiores goleadores mundiais de todos os tempos. Duvida? Venha daí e confirme esta tese daquele que é, desde esta segunda-feira, 18 de setembro, um cinquentão…

Nasceu a 18 de  setembro de 1973, em Fortaleza, quando o futebol brasileiro estava na ressaca do triunfo no Mundial-1970 e a entrar no maior jejum de títulos da sua história recente (voltaria a ser campeão do Mundo em 1994, nos Estados Unidos). Jardel começou a jogar no Ferroviário, passaria pelo Vasco da Gama (três campeonatos cariocas no bolso (1992, 1993 e 1994) e chegaria, em 1995, ainda com 21 anos, ao Grêmio de Porto Alegre.

Deu nas vistas na equipa do sul do Brasil e, em apenas dois anos, apontou 56 golos em 93 jogos. E tornou-se em 1995, ano em que o Grêmio venceu a Taça dos Libertadores, o melhor marcador da prova, com 12 golos em 10 jogos, batendo, por exemplo, o futuro leão Acosta, que não passou dos sete.

Paulo Nunes e Mário Jardel na final vitoriosa na Taça dos Libertadores de 1995

Começaram, então, a aparecer sucessivos clubes interessados na sua contratação. Benfica, por exemplo, mas também os escoceses do Rangers e os espanhóis do Valencia. Porém, no verão de 1996, assina pelo FC Porto e transformar-se-ia numa lenda do futebol dos dragões: três campeonatos (1997, 1998 e 1999), duas Taças de Portugal (1998 e 2000) e três Supertaças Cândido de Oliveira (1996, 1998 e 1999). Além, claro, de quatro Botas de Prata (1997, 1998, 1999 e 2000, respetivamente com 30, 26, 36 e 37 golos). Simplesmente brilhante.

O jogo histórico em Milão frente ao Milan

Arrancou, então, no início de 2000/2001 para os turcos do Galatasaray. Não foi feliz coletivamente, apesar da conquista da Supertaça Europeia frente ao Real Madrid de Casillas, Roberto Carlos, Figo, Makelelé ou Raul (2-1, dois golos, claro, de Jardel). O Galatasaray foi segundo na Liga interna, ficou-se pelas meias-finais da taça e, na Champions, não passou dos quartos de final. Pessoalmente, no entanto, marcou 34 golos em 42 jogos. Nada mau.

Inesperadamente, no verão de 2001, regressou a Portugal para jogar no Sporting. E voltou a ser muito feliz: 42 golos em apenas 30 jogos de Liga. Média absurda de 1,40 golos por jogo. Segunda Bota de Ouro no bolso. Total em todas as provas: 55 golos em 41 jogos. Sporting campeão com Jardel e João Vieira Pinto como figuras maiores. Na época seguinte, ainda em Alvalade, mais 12 golos em 21 jogos, mas já sem o fulgor de outros tempos, envolvido em múltiplas polémicas fora de campo.

Pós 2003, com 30 anos, o declínio foi-se acentuando a cada época, tendo passado, entre 2003 e 2011, por nove campeonatos e 14 clubes: Bolton (Inglaterra), Ancona (Itália), Palmeiras, Goiás, Criciúma, Ferroviário, América e Flamengo Teresina (Brasi), Newell’s Old Boys (Argentina), Alavés (Espanha), Beira-Mar (Portugal), Anorthosis (Chipre), Newcastle Jets (Austrália) e Cherno More (Bulgária).

Esta é, muito sinteticamente, a carreira de Jardel. Se ainda duvida de que ele é um dos maiores goleadores de todos os tempos, repare nestes números. A Bota de Ouro, atribuída ao melhor marcador europeu desde 1967/1968, teve 40 vencedores até hoje e, entre eles, nomes grandíssimos do futebol mundial. A começar, claro, por Messi e Ronaldo, passando ainda por Eusébio, Yazalde, Gomes, Gerd Muller, Thierry Henry, Totti, Stoitchkov, Hugo Sanchez, Ian Rush, Van Basten, Ronaldo Nazário, Lewandowski ou Haaland. Apenas dois têm mais Botas de Ouro do que as duas de Jardel: Messi (6) e Ronaldo (4). 

Só sete marcaram, numa época, mais golos do que os 42 de Jardel em 2001/2002, pelo Sporting: Messi (50 em 2011/2012 e 46 em 2012/2013), Ronaldo (48 em 2014/2015), Georgescu (47 em 1976/1977), Yazalde (46 em 1973/1974), Skoblar (44 em 1970/1971), Mateut (43 em 1988/1989) e Taylor (43 em 1993/1994). Além disso, por entre as centenas (talvez milhares) de sul-americanos que jogaram na Europa, apenas sete ganharam Botas de Ouro: os argentinos Messi e Yazalde, os uruguaios Luis Suárez e Diego Forlán, o mexicano Hugo Sánchez e os brasileiros Ronaldo e Jardel.

Entre as múltiplas entrevistas que deu ao longo de quase 20 anos de carreira, prosseguindo quando já pousara as chuteiras, aqui ficam algumas das mais importantes declarações de Jardel.

Os melhores golos em Portugal: «No Sporting aquele que marquei aos 90’. Dominei no peito e chutei de primeira. Foi um jogo que, ganhando, passaríamos o Natal na liderança e aquele golo fez com que isso acontecesse. No FC Porto o que marquei ao Juventude de Évora, o dois em Milão com o Milan e ainda aquele golo que marquei ao Benfica, em que dominei no peito, foi espectacular».

 

Um dos golos ao Juventude de Évora

Pinto da Costa: «Ele foi muito inteligente quando me contratou. Ele tem muita sabedoria e viu que poderia lá chegar e ter êxito. No caso, se o presidente Pinto da Costa não me contratasse, outro clube iria contratar e possivelmente seria o Benfica. Possivelmente o Benfica seria campeão, mas não o foi, foi o Porto, então mérito do presidente. Sempre que vou ao Porto procuro o Fernando Gomes, o Alexandre Pinto da Costa e o presidente Pinto da Costa. Estou sempre com os três».

No FC Porto, com Pinto da Costa

Cristiano Ronaldo: «É um jogador que chega uma hora antes do treino e fica uma hora depois. Ele prepara o corpo para jogar até os 40, por isso, nada mais merecido que ele continuar. Já é o melhor jogador de todos os tempos do futebol português. Deixou Eusébio para trás em termo de qualidade e de eficácia. Algumas vezes, no Sporting, eu mandava ele cruzar para mim. Com certeza, se você lhe perguntar pelo Mário Jardel vai dizer que foi um dos melhores de cabeça da história do futebol mundial. Tenho orgulho de dizer que faço parte da sua história e posso contar um pouco dela. Não é exagero. Com certeza, ele aprendeu muito comigo. Foram dois anos. Minha média na Europa era de 55, 60 gols por ano. Aqui no Brasil a média é de 25, 30. Eu fazia o dobro. E ganhava bem menos do que ganham hoje. Mas ele aprendeu muito. Tempo de bola... Se você tiver a oportunidade de perguntar para o Cristiano Ronaldo se ele lembra do Jardel cabeceando nos treinos, ele vai dizer que sim. Se disser que não, vai estar mentindo. Terminava o treino e ia para a musculação, se olhando no espelho, todo vaidoso. Eu já era ídolo consolidado, 27, 28 anos. Aí teve o primeiro jogo do Campeonato Inglês, Bolton contra Manchester United. Quem foi para o Bolton? Eu. E para o Manchester? Ele. Eu e ele, lado a lado, vendo o jogo. Foi 4 a 0 (pro Manchester), e o Cristiano do meu lado. Falei para ele: ‘Imagina se tu tivesse jogando’ Ele começou a rir».

Com Ronaldo, em 2002/20023, num treino no Sporting

Os melhores anos. «Foram de 1996 a 2002. Cinco anos artilheiro, conseguindo taça, supertaça, quartos de finais da Champions, artilheiro da Champions. Essa felicidade deu muito trabalho. Treinava muito, fazia muitas finalizações pós treino para isso acontecer. Foram cinco anos como melhor marcador do campeonato português. Essa história ninguém me vai tirar, é impossível».

Vida nova: «Estou numa outra vida, muito feliz por poder dizer que nunca me senti tão bem. Houve uma mudança radical, uma transformação tremenda. Hoje tenho muita fé em Deus, que vai manter-me muito tempo assim. É uma vida nova, sem bebida, sem drogas, sem prostituição. Estou há quatro meses sem tomar remédios para dormir. Sou uma pessoa renovada e bem consciente de que posso servir a sociedade com este resgate, com palestras, com várias coisas que estão a surgir devagarinho. A vida está mais saborosa. A cada dia fico mais contente com minha atitude, com esta mudança. Moro em Fortaleza. Vou à igreja três vezes por semana. Algumas amizades tiveram de ser cortadas. Estou num caminho com direção, bem agradável, bem tranquilo, com paz espiritual. E estou muito feliz de poder dar esta entrevista, revelando que hoje sou uma nova pessoa. Vou à praia, a aniversários, ao cinema. Voltei a ter aquela vida que eu tinha antes».

A mudança: «Senti que precisava de mudar. Estava a tomar muitos remédios para a depressão e comecei a frequentar a igreja. Cada um tem sua religião e ela precisa ser respeitada. A minha mulher, a Sandra, também me ajudou muito. É uma luta. Não é fácil. Tenho estado muito seguro da minha serenidade, do meu equilíbrio mental, e isso tem-me fortalecido. Às vezes, caio na real, porque as pessoas dizem 'Jardel, tu és o único brasileiro com duas Botas de Ouro na Europa, foi artilheiro da Libertadores, artilheiro da Champions League, campeão. Tu tens que te valorizar mais'. Comecei a dar-me mais valor. Senti que não dava mais para continuar naquela vida desgraçada, uma vida que não levava a nada. Andei nove ou dez anos num mundo muito cruel. Se pudesse, não faria o que fiz. Quero viver intensamente e tentar recuperar esses anos perdidos de outra maneira, usando a minha capacidade, o meu conhecimento e o meu nome para ajudar, fazer ações sociais, passar uma imagem... Sei que é difícil, porque notícia ruim corre rápido, e notícia boa... Hoje vocês estão tendo uma notícia muito boa, que é o Jardel está bem».

Dinheiro. «Quando você tem muito dinheiro, está cheio de amigos. Quando não tem, todo mundo desaparece. E eu também me distanciei deles. Percebi que, quando ganhava milhões por mês, estava cheio de amigo para eu pagar a conta, e agora não. Agora os amigos saíram. Gastei o dinheiro que eu tinha com advogados. Muito dinheiro.Mas agora durmo tranquilo».

Drogas : «A primeira vez que usei foi numas férias, em Fortaleza. Depois passava um ano sem, depois usava. Os problemas foram afunilando, e fui achando que conseguia sair. Tenho muita consciência de que se continuasse usando diariamente, era vela preta. Só consumia cocaína».

Saudades do futebol : «Tenho! Eu jogo bola no veterano do Ferroviário e faço golos em todos os jogos. Não consigo deixar de fazer golo! Nem em racha, nem em jogo de veterano. Acordo de manhã e vou para a academia, durmo cedo, parei de tomar todas as medicações».

Melhor parceiro no campo: «Tive três. Paulo Nunes, Drulovic e João Pinto. O Drulo era um esquerdino e cruzava tanto do lado direito quanto do esquerdo. Parecia que tinha uma perna só nas duas, era impressionante. Ele fazia diferente».

 

Ao lado de Drulovic

Ausências de Mundiais : «Cara, é inédito. Minha esposa fala: ‘Meu amor, isso é inédito. Você é o único jogador que foi artilheiro da Europa, artilheiro do mundo e nunca disputou um Mundial’. Posso fazer o quê? Nada. Em qualquer outro país, qualquer outro planeta, eu iria convocado. Em 1998 ou 2002? 2002! O técnico era o Felipão. , mas tenho um carinho enorme por ele. Tenho orgulho enorme de ter trabalhado com o Felipão. No dia da final do Mundial, eu estava sozinho, chorando, olhando na minha sala, para que o Felipão ganhasse a Copa. Ele sabe disso, sabe que não guardo mágoa».

Com Luiz Felipe Scolari