«Direitos TV? Se for preciso o Benfica ir contra a corrente, vai»
No dia em que João Noronha Lopes formaliza a (nova) candidatura à presidência do Benfica, A BOLA publica uma entrevista com o gestor e empresário de 58 anos. Neste excerto da conversa, o candidato defende marcha-atrás no processo da centralização dos direitos televisivos, e fala da relação com os presidentes dos rivais e dos organismos que gerem o futebol português.
— Já teve oportunidade de falar da polémica da final da Taça e de Portugal e até depois da Cimeira dos Presidentes da Liga. A posição da SAD do Benfica foi tardia ou insuficiente, na sua opinião?
— A reação do Benfica é tardia. E acontece numa altura em que já tínhamos perdido tudo e já não havia nenhum troféu nacional para ganhar. O que é importante é que o Benfica seja defendido com firmeza na altura própria. E todos os benfiquistas assistiram durante a época a várias situações em que o Benfica foi gravemente prejudicado pelas arbitragens e pelo VAR. E o que é que aconteceu nessa altura? Assistimos ou ao silêncio da Direção e do presidente do Benfica, ou então à emissão de uns comunicados muito palavrosos, mas que diziam muito pouco. O Benfica tem de ser defendido nas alturas próprias. Tem de ser defendido quando um presidente da Liga coloca em causa a grandeza do Benfica. Tem de ser defendido quando há um presidente de um dos nossos rivais que, depois daquilo que aconteceu na Taça de Portugal, foi ainda incapaz de condenar aquilo que um jogador do Sporting fez a um jogador do Benfica. E o presidente do Benfica tem de falar. O presidente do Benfica, depois daquele comunicado, tem de ir à reunião com os presidentes dos outros clubes e, olhos nos olhos, nomeadamente com o presidente do Sporting, ser consequente com o comunicado e dizer aquilo que pensa. E isso não está a acontecer. O Benfica está a ser mal defendido, não só junto das instâncias do futebol português, como também juntos dos nossos rivais.
— Quando se coloca o foco na arbitragem, quando se aponta o dedo, não se está a tirar a responsabilidade da gestão de Rui Costa?
— Vamos ver... há aqui duas situações. Durante esta época existiram situações que prejudicaram o clube. Lembro-me da rasteira com a cabeça do Otamendi ou de uma câmara que estava num poste e conseguiu ver um fora de jogo, analisar um fora de jogo de seis centímetros. Portanto, houve situações muito estranhas. Agora, é preciso ser claro que o Benfica não foi campeão, nesta época, por incompetência. Incompetência na preparação da época. Todos os benfiquistas percebiam que [Roger] Schmidt não tinha condições para voltar a ser treinador do Benfica. E, por teimosia, Schmidt continuou, quando não tinha qualquer condição para o fazer. E isso custou-nos pontos. Os adeptos não percebem porque é que o Benfica continua a comprar jogadores como se fosse uma lista de supermercados, sem qualquer critério. Não percebem porque se compra um defesa-direito no último dia do mercado, para depois esse defesa-direito sair em janeiro, e depois não se contratar outro, obrigando um dos nossos melhores centrais a desgastar-se e a jogar numa posição que não era a sua. Quando assim é, quando não há competência na preparação e na gestão da época, e quando não há coragem para defender os interesses do Benfica nas alturas próprias, é evidente que as responsabilidades pertencem ao próprio clube e pertencem a quem o dirige, nomeadamente ao seu presidente.
— O presidente do Sporting, Frederico Varandas, reagindo às declarações de Rui Costa e à posição do Benfica, falou em «ruído do desespero». Como é que analisa esta adjetivação?
— O presidente do Sporting, durante a época, condicionou e pressionou as arbitragens em alturas cruciais. Nessa altura, não ouvi rigorosamente ninguém do Benfica reagir e defender o clube. E, mais recentemente, é para mim inaceitável que, perante aquilo que se passou na final da Taça, com o jogador do Sporting a agredir, perante milhões de portugueses, um jogador do Benfica, até hoje ainda não tenha havido uma palavra do presidente do Sporting a reagir contra uma situação absolutamente lamentável. E acrescento aquilo que já disse: comigo o Benfica não anda a reboque de ninguém. Porque sempre que o Benfica anda a reboque dos outros, o Benfica fica em segundo.
— Para lá desse incidente e desta polémica mais recente, que opinião tem de Frederico Varandas? Se vier a ser presidente, como é que perspetiva a relação com o Sporting e com o presidente leonino?
— O Benfica quererá ter as melhores relações institucionais com todos os clubes e todas as entidades do futebol português. Agora, o Benfica vai respeitar quem o respeitar. E, principalmente, o Benfica tem de se dar ao respeito, assumindo uma posição de liderança naquilo que é o seu papel para transformar o futebol português. Deixe-me lhe dar dois exemplos. Tivemos um decreto-lei sobre a centralização que foi aprovado há quatro anos. Durante quatro anos ninguém fez nada sobre este assunto, e agora vamos querer fazer, aparentemente no espaço de um ano, aquilo que não foi feito em quatro. Na minha opinião, aquilo que deveria ter sido feito - e eu já o escrevi e já o disse em Assembleia Geral do Benfica -, era que estivesse a ser colocada em causa a pertinência daquele decreto-lei, quando as condições de mercado e o panorama audiovisual mudaram. E se a Liga não o faz, teria de ser o Benfica a tomar a iniciativa para o fazer. Agora, o que não aceito é que Pedro Proença venha colocar em causa a grandeza do Benfica enquanto clube e aquilo que é o seu legítimo direito de ser compensado pela posição que tem no futebol português como maior gerador de receitas, e aquele que mais contribui para o ranking internacional. E a propósito desta questão da centralização, deixe-me dizer-lhe uma coisa: comigo, se for preciso o Benfica ir contra a corrente, vai. Eu vou.
— O que significa, neste caso em concreto, ir contra a corrente?
— Significa que o Benfica não pode ser prejudicado naquilo que são as receitas que lhe são devidas, enquanto clube que mais gera e que mais contribui para o ranking, e que não pode, de maneira nenhuma, querer normalizar uma situação, nomeadamente fazendo um nivelamento por baixo daquilo que é o futebol português. Há um problema: o futebol português, atualmente, é um mau produto. Temos de melhorar o produto, no interesse de todos. E depois de melhorarmos o produto, então vamos pensar como é que vamos distribuir as receitas desse produto. Agora, a centralização, por si só, não resolve nada. O que devíamos estar aqui a discutir era a reformulação dos quadros competitivos, a redução dos clubes na Liga, nomeadamente para evitar sobrecarga de jogos e isso permita ir longe ou ter uma melhor performance na Europa. Deveríamos estar a discutir aqui a independência do Conselho de Disciplina e do Conselho de Justiça. Deveríamos estar aqui a discutir o regime do IVA que se aplica no futebol. Que sentido é que faz que uma pessoa que vai ao futebol pague mais IVA do que uma pessoa que vai ao teatro? Não faz absolutamente nenhum. Principalmente quando o futebol é uma das poucas indústrias em Portugal que consegue ser competitiva com outras indústrias do futebol à volta do mundo. Isso não acontece praticamente com nenhumas indústrias. Há que olhar para o futebol português como um todo, há que pensá-lo com cabeça de tronco e membros, e neste processo o Benfica está disposto para contribuir. Agora, não contem com o Benfica para nivelar para baixo o futebol português e para ser prejudicado nos seus direitos, porque, mais uma vez, se for necessário, na defesa dos interesses do Benfica, ir contra a corrente daquilo que os outros pensam, vou pensar primeiro no Benfica.
— Mas isso quer dizer o quê? Que efeitos práticos são esses? É sair da centralização? Pedir o fim do decreto? Não o respeitar?
— Como já disse, o decreto-lei, hoje em dia, não faz sentido. O decreto-lei que obriga à centralização foi fruto de um certo contexto histórico, de mercado e do panorama audiovisual, que neste momento é diferente. A primeira coisa que se deveria fazer era ir falar com o Governo e pôr em causa a aplicação deste decreto-lei, neste momento. Porque se assim não for feito, aquilo que vai acontecer é que vamos procurar à pressa resolver um problema que devia ter sido resolvido há quatro. E neste momento não percebo como é que isso se vai fazer, quais é que são as regras que se vão seguir, e como é que todos podem sair a ganhar deste processo.
— Isto é uma bomba-relógio, no fundo, do futebol português?
— Não tem de ser. Agora, devemos ter a coragem para olhar para a floresta e não para uma árvore. Pensar que a centralização é a bala de prata ou a solução mágica que vai resolver os problemas do futebol português é começar a construir a casa pelo telhado. Temos de construir a casa pelas fundações, que passa por melhorar o produto. Vamos criar condições de melhor competitividade com menos equipas. Vamos reformular os quadros competitivos. Vamos deixar de ter competições como a Taça da Liga, que não fazem sentido nenhum. Vamos olhar como é que podemos criar condições para que os clubes gerem mais receitas, como por exemplo a questão do IVA. E depois disto acontecer, vamos então olhar para os critérios de distribuição. Ora, esta discussão global sobre o futebol português não está a acontecer.
— Em 2020 a FPF e a Liga tinham outros presidentes. Entretanto, foram eleitos Pedro Proença e Reinaldo Teixeira. Qual é a sua opinião sobre eles? Se fosse presidente do Benfica, teria apoiado? Se for eleito, justificarão o seu apoio?
— Como já referi, não compreendo até hoje as razões que levaram o Benfica a apoiar Pedro Proença. E a Direção do Benfica não deu qualquer explicação para isso ter acontecido. Portanto, aquilo que, antes de mais, os benfiquistas esperam, é que sejam esclarecidos sobre as decisões tomadas, principalmente decisões que são estruturantes para o futebol português. Agora, mais uma vez, aquilo que lhe posso garantir é que comigo o Benfica será respeitado. E o Benfica ser respeitado significa, antes de mais, não ser tratado de uma forma que não tenha em conta a sua grandeza, os estádios que enche, as receitas que gera, as audiências que consegue para o futebol português.
— Há cinco anos dizia-nos que Pinto da Costa representava o pior do futebol português. O que representa André Villas-Boas?
— É o presidente do FC Porto e procurou, de alguma forma, renovar aquilo que tinha sido a forma de gerir de Pinta Costa. É alguém com quem, tal como todos os outros presidentes e todas as instituições do futebol português, o Benfica quererá ter as melhores relações institucionais. Mas a avaliação de André Vilas Boas terá de ser feita pelos sócios do FC Porto.
Veja a entrevista na íntegra:
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