Afonso Taira: «O jogador estrangeiro é para resolver todos os problemas»
Afonso Taira, médio, de 32 anos, formado em Gestão, terminou a segunda época na Arábia Saudita. Na primeira subiu de divisão, na segunda foi a que fez mais assistências na carreira.
- Já se definiu como sendo um 6 ou um 8 em campo?
- Tem vindo a ficar difícil [risos]. Sempre fui um pouco indefinido porque não sou um seis tradicional. Mas, quando me perguntam onde é que me sinto mais fluído, onde é que tenho de pensar menos, é a seis.
- Conseguiu números interessantes esta época, com mais contribuições para golo.
- É verdade, recentemente tenho jogado a oito. Fiz metade desta época mais ofensivo e foi bom. A verdade é que acabei com números interessantes, acabei por fazer uma época boa. Ao longo dos anos perguntaram-me 'então és seis ou és oito?' Parece que agora podem vir 'picar-me' um pouco, correu bem. Nas outras épocas não é por falta de ações, mas é verdade que se traduziu em números e claro que isso ajuda à sensação de época composta, com sucesso e estar mais perto do golo.
- E você tem uma skill muito interessante: a antecipação.
- Muitas vezes fala-se em jogadores irreverentes ou intuitivos e isso normalmente associa-se ao jogador ofensivo, eu sinto isso a jogar a médio defensivo, porque faço uma aproximação por intuição a uma transição defensiva que, de repente, corta o ataque e que se vão perguntar ao treinador, se calhar não devia, se calhar devia estar a recuar, a ganhar metros com a equipa e de repente faço um movimento contrário e acaba o lance, isso para mim é irreverência.
- Que balanço faz destes dois anos em que jogou na Arábia Saudita?
- No primeiro ano com o Al Khollood foi um momento de sucesso coletivo forte, em que subimos de divisão. Mas os dois anos foram bem conseguidos do ponto de vista individual. Estou contente por ter chegado a um mercado tão diferente e ainda meio na moda. Depois mudei de clube porque estamos a falar de um fenómeno que na Europa é difícil de compreender. Eles têm um projeto que passa muito pela visibilidade, pela dimensão comercial, pela atratividade da liga e nem sempre isso casa com o nível desportivo do jogador específico e fez sentido eu sair, apesar de ter contrato, e segui para o Al Batin, para lutar pela subida.
- Teve três treinadores nesta última temporada e uma lesão.
- Acabou por ser uma época de alguma instabilidade, sim. O clube sentiu que não acertou com o primeiro treinador, que era o português Rui Almeida, e seguiram-se mais dois e só encarrilhámos no último terço da época, fizemos reta final boa, mas ficou curta. Em relação à lesão, felizmente não foi grave, mas ainda me retirou ali umas seis semanas ao meu percurso. Foi um momento em que havia menos jogos, porque no início da época há menos jogos por causa das paragens das seleções. Por outro lado, chegar a um clube e querer render logo e querer entrar logo no papel importante e, de repente, interrompe-se devido a lesão. É claro que existe uma pressão extra, mas a lesão foi ultrapassada e depois correu tudo bem, não falhei mais nenhum jogo por lesão, só por causa dos amarelos é que me levaram a perder um jogo.
- Por causa de Cristiano Ronaldo sente que olham para o jogador português de forma diferente?
- Sim. O jogador estrangeiro vem para resolver os problemas da equipa, ponto. Em Portugal não se sente tanto isso, claro que o jogador que vem de fora tem de acrescentar algo, daí a ter de resolver os problemas que toda a estrutura tem é diferente. Na equipa há espaço para cinco estrangeiros e esses cinco têm de ser bons, diferentes dos sauditas e quando a equipa está mal têm de resolver os problemas. Há dedos apontados, não no sentido de culpabilização, mas 'tu és diferente e tens de o ser a todos os níveis, todos os dias, tens que contagiar toda a gente e tens que levar tudo atrás'.
- Em que é que sentiu mais dificuldades de adaptação?
- Agora vou fugir um bocadinho ao futebol, foi encontrar uma dinâmica familiar adequada, que consiga bater os pontos todos para a família estar tranquila. Tenho mulher e dois filhos pequenos, há que pensar na escola é certo, mas ainda não estão em idade de escolaridade obrigatória e um contexto em que duas crianças sem escola, em casa, com a mulher, que trabalha, tem uma empresa cá em Portugal, nem sempre é fácil encontrar a estabilidade para ter toda a gente tranquila. Depois é a minha parte de rendimento desportivo, que é a mais complicada porque não é tudo direto, não é tudo óbvio, os próprios clubes ainda têm uma dificuldade em perceber do que é que o jogador estrangeiro, especialmente o europeu, precisa e que não tem e que vai precisar. Há aqui um desfasamento que, eventualmente, pode demorar dois, três meses a resolver, mas são meses em que temos de estar a render igual, em que temos de estar a treinar igual, em que temos de estar no nosso ritmo competitivo, a preocupação de estabilizar depois toda a gente à nossa volta isso retira um pouco o foco, é uma parte difícil de adaptação.
- Espanha, Israel, Roménia e Arábia Saudita, além de Portugal. É certo que passou por esses países em fases diferentes da carreira, mas onde é que gostou mais de jogar?
- Portugal. Na Liga, sem dúvida. Sem desprimor nenhum a todos os outros campeonatos, mas Portugal. É onde sinto que entendo o jogo, onde posso exprimir mais as características que tenho, as minhas potencialidades. Acabo por ter um nível sempre que estive na Liga acabei por sempre fazer épocas de um nível alto, de um nível bom, de ser reconhecido, não só pelo mundo do futebol, mas muito também pelos meus colegas, que é uma coisa que nós acabamos por gostar. Porque há treinadores que gostam mais, que gostam menos. Às vezes mesmo os media, mesmo outros clubes, o mercado, reage melhor ou pior, mas quando se sente que os jogadores à nossa volta nos reconhecem e gostam de jogar connosco e gostam que estejamos em campo com eles, senti isso em todas as épocas que joguei aqui.
- Já tem o futuro definido?
- Ainda não, está tudo em aberto. Gostava de continuar na Arábia, é um mercado que me valorizou, onde me sinto um jogador relevante, mas, claro, não descarto regresso a Portugal.
Atingiu elite da formação no Sporting
- Há duas décadas Afonso Taira chegava ao Sporting, à elite da formação, o trampolim para ter construído carreira sólida.
- Passaram-se 20 anos [pausa]. É a vida toda. Está a dizer duas décadas de um momento específico, mas ainda vai mais atrás, o início, com oito anos, quando tudo começou. O Sporting era o topo, ainda continua a dar cartas na formação, está à par de outros que temos, felizmente, porque produzimos tantos jogadores de alto nível, mas sim, cheguei à elite com 12 anos, depois consegui ainda estar nas seleções, portanto, ainda mais afunilado estava. Não sei como é que teria sido se o trajeto fosse diferente. Há jogadores que chegam mais tarde a clubes, ao expoente máximos da formação em Portugal, há outros que nem sequer chegam. Mas não há dúvida que teve esse trajeto com o Sporting na formação, as idas à seleção, é um trajeto que traz uma amostra do futebol de altíssimo rendimento que tenho dentro até hoje, porque nem sempre depois competi ao mesmo tipo de nível e, no entanto, tenho essa amostra do que é esse alto nível, do que é que se exige, da perfeição, do rigor, da exigência, do pouco espaço para errar que existe. Claro que nem todos depois competimos ao nível da Liga dos Campeões, nem todos vamos à Seleção A, nem todos competimos no Mundial, mas saber o que é que é ter rendimento sob essa pressão, acho que me dá muita coisa boa hoje em dia.
- Ainda partilhou balneário com William Carvalho, Cédric Soares, João Mário, Bruma ou Esgaio, este ainda no Sporting.
- Estamos a falar de estar no expoente máximo da formação. Essa época então, no segundo ano de júnior, eu era capitão dos sub-19 do Sporting e estava no lote de capitães da seleção nacional de sub-19, portanto, sentia-me obviamente no topo. E apesar da carreira não ter ido para o topo, esse espírito de estar como líder de pessoas tão boas e de talentos tão bons, até hoje gosto desse papel. Tento sempre encontrar clubes, projetos e desafios em que eu tenha papel importante, gosto mesmo.
- No ano seguinte foi para Córdoba? Alguma influência do seu pai, Taira, que jogou em Espanha a nível profissional durante largos anos?
- Se calhar. Nunca pensei nisso assim, mas... A verdade é que quando tivemos que tentar minimamente definir uma estratégia para o que faria sentido para o próximo passo, sendo que não assinei contrato profissional com o Sporting, pensámos em algo eu pudesse jogar, mas que fosse desafiante ao mesmo tempo. Achávamos, e quando digo achávamos, era muito eu, a minha família, que claro, o meu pai tinha grande influência nos debates que tínhamos sobre carreira e acabar por falar um pouco também com o empresário que me acompanhava na altura, queríamos algo que fosse desafiante na mesma, que não fosse um nível baixo, de forma a que jogo de certeza, mas depois não me traz desafio suficiente. E então tentámos optar por algo ali a meio caminho e acabou por ser a segunda liga espanhola. Conhecia, porque o meu pai tinha lá estado, claro que ele tinha noção do que eram as características da segunda liga espanhola que eu podia absorver, eu queria a intensidade, o nível competitivo, tudo o que era exigido em Espanha e que lhe foi exigido na altura dele, achávamos interessante eu poder apropriar isso e foi por aí que também optámos pelo Córdoba.
- Acabou por ser uma passagem fugaz por Espanha. Regressou a Portugal na época seguinte.
- Uma das circunstâncias que me levou a querer mudar rapidamente foi que perdi o acesso às seleções. Portanto, quando se transita para sénior é normal que se deixe de jogar com tanta frequência, mas daz-se parte do lote de convocados para estágios que se fazem, mas eu acabei por depois não conseguir e para mim foi muito importante regressar para não perder a possibilidade de estar com os sub-20. Acabei por ir para o Atlético, apesar de depois não ter sido consistente, a verdade é que consegui voltar à seleção, ainda fui convocado para os sub-21.
- Foi subindo degraus: Atlético, Estoril, B SAD, Casa Pia, com a particularidade que enquanto profissinal se formou em gestão.
- Sim. Era um objetivo meu, mais meu do que propriamente da minha família. Os meus pais sempre tentaram que eu percebesse que, pelo menos, terminar a escola tinha de ser o mais importante. A faculdade já foi um passo mais ao meu critério. O futebol já por si é muito desafiante, mas também é verdade que a cabeça estar só em futebol pode ficar pesada às vezes. Principalmente quando nem sempre está a correr bem ou quando estamos aí a passar por desafios e isso era interessante para mim. Depois, um bocadinho cliché, a verdade é que mesmo com 20 ou 21 21 anos, mesmo sendo profissional, nada é garantido. E a verdade é que não ter algo a que me agarrar não me era confortável.
- Acampanhou a Liga de longe, o que lhe pareceu este bicampenato conquistado pelo Sporting?
- Sinceramente fico contente, acho que todos gostamos de um campeonato que se decide na última jornada e aquilo que tenho a dizer é que é bom haver campeonatos assim, que são disputados até a última jornada, que se levam até o fim, que existe essa competitividade, portanto, fico contente pelo Sporting ser campeão.
- E o que diz às prestações dos seus antigos clubes: Estoril e Casa Pia?
- Fico ainda mais contente porque a verdade é que são clubes bons para a Liga. São clubes organizados, clubes bons, clubes competitivos, é que são positivos mesmo, trazem tudo de bom ao futebol. Penso que não há nada que se possa dizer a nenhum destes dois clubes, desde que estão na Liga, que seja de menos positivo para o futebol português. Desde os jogadores que lançam para se poderem mostrar, para poderem ir fazer as suas carreiras, a forma como tratam os jogadores, seja quando chegam, seja quando jogam, seja quando saem. Acho que são dois clubes muito bons para ter no futebol português e que estejam os dois a ter sucesso, a fazer boas épocas e que sejam de Lisboa, tanto melhor.