Pôr o dedo na ferida
André Villas-Boas (Foto Manuel de Almeida/ LUSA)

Pôr o dedo na ferida

OPINIÃO03.12.202309:13

A mensagem que [André Villas-Boas] quis passar foi que a administração está no FC Porto a servir-se da instituição e não a servi-la

A classificação dos clubes portugueses nas competições europeias diz-nos muito sobre o estado atual do futebol nacional. Uma coisa é obvia, estamos a afastar-nos dos lugares cimeiros do ranking da UEFA. Temos várias formas de analisar este facto: podemos encontrar um problema naquilo que não controlamos, como a forma como as competições são organizadas e contabilizadas, ou, se quisermos evoluir, podemos perceber que este não é o caminho…

Garantia de Pedro Proença

De uma forma surpreendente, na última quinta-feira, numa entrevista ao programa CNN Em Jogo da CNN Portugal, Pedro Proença garantiu que vai ficar na Liga de Clubes até ao fim do mandato. Foi o próprio que o afirmou, dizendo: «O Presidente da Liga tem o compromisso que, à data de hoje, vai cumprir o seu mandato.»

Como todos sabemos, as eleições da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) serão em setembro de 2024. Quem se quiser candidatar, já deverá estar a preparar a sua equipa. Ora, se Pedro Proença referiu a frase acima transcrita, é sinal de que não está a preparar a sua candidatura à FPF, até porque, se no passado dia 30 de novembro assumiu o compromisso de levar o mandato até ao fim, não será certamente em 10 meses que irá preparar uma candidatura à FPF… contrariando o que garantiu publicamente! Numa altura em que se pretende dar um rumo diferente ao futebol português e em que a transparência é um dos motores da mudança, seria inconcebível que um dos seus mais altos representantes, Pedro Proença, enganasse as pessoas, os adeptos e os agentes económicos publicamente. Seria também muito negativo que o presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) abandonasse o projeto, a meio do seu mandato, num momento em que está em causa o futuro do futebol português. Pior ainda por ser alguém que vem do terreno, que esteve dentro dos relvados e que percebe a importância do compromisso que se deve ter em cada momento. Se abandonasse o mandato a meio estaria a demonstrar que, muito mais do que se preocupar com o futuro do futebol português, estaria sobretudo a olhar para a sua carreira e para o seu ego. Estas questões deixam de se colocar depois da garantia dada no passado dia 30 de novembro. Ao longo da breve entrevista, Pedro Proença puxou dos galões ao falar dos seus três mandatos, denominando-os da seguinte forma: 2015-2019: recuperação económica; 2019-2023: consolidação; 2023-2027: afirmação da Liga Portugal no espetro nacional e internacional.

Quem ouviu Pedro Proença ficou, claramente, convencido que a nossa maior competição nacional de clubes teve uma evolução incrível em todos os sentidos, o que me leva a formular as seguintes questões: se a nossa liga evoluiu tanto nos mandatos de Pedro Proença, como o próprio referiu, por que motivo Inglaterra, França ou Brasil desistiram dos direitos de televisão da nossa liga em 2023/2024? Por que motivo a grande fatia das receitas da maior parte dos clubes portugueses são, apenas, as transmissões de TV? Por que motivo continuamos a perder espaço no ranking da UEFA? Será por causa da Conference League, como referiu Pedro Proença?

Relativamente a esta questão vale a pena relembrar um ponto importante: até hoje, nenhuma equipa portuguesa conseguiu amealhar pontos para o ranking UEFA na Conference League: Arouca, Vitória, Gil Vicente, P. Ferreira ou Santa Clara ficaram-se pelos play-off. Para aqueles que dizem que a Conference League não deveria valer os mesmos pontos que as restantes competições, realço apenas um facto: em 2020/2021 o Feyenoord ficou em quinto no campeonato neerlandês e, no ano seguinte, chegou à final da Conference League; em Portugal essa posição (5.º) foi ocupada pelo Paços de Ferreira, que em 2021/2022 ficou de fora no play-off de apuramento para a mesma competição. Podemos continuar a dizer que a culpa de perdermos lugares no ranking é da UEFA… enquanto não assumirmos que a nossa liga não é competitiva, não é interessante, não tem regras que a valorizem, permitindo aos clubes fazer o que bem lhes apetece, e que não é gerida numa lógica coletiva, mas sim individual, vamos continuar a perder espaço face a outros países que apresentam uma visão e compromisso muito maior que o nosso. Ao contrário do que Pedro Proença nos tem querido passar, em oito anos a evolução da LPFP não acompanhou a evolução e desenvolvimento dos jogadores, treinadores e das receitas que a indústria gera. Como tal, esperamos que nestes últimos anos que lhe restam à frente da LPFP, Pedro Proença tenha a capacidade de voltar a recuperar o interesse de mercados internacionais na Liga Portugal. Tal só será possível se a qualidade do nosso produto melhorar substancialmente, não nas palavras porque essas leva-as o vento, mas sim no terreno.

A sensatez de Villas-Boas

O discurso de André Villas-Boas na última Assembleia Geral do FC Porto demonstrou aquilo que temos vindo a referir: alguém bem preparado, que apresenta factos e que pretende imprimir um novo rumo ao seu clube. Abordou de uma forma pragmática a degradação do património do FC Porto clube e SAD. Tocou em dois pontos sensíveis e que ninguém respondeu: questionou se esta administração também hipoteca o seu património familiar à proporção e velocidade com que hipoteca o futuro do FC Porto. Aqui, indiretamente, a mensagem que quis passar foi que a administração está no FC Porto a servir-se da instituição e não a servi-la. Quem serve, gere os recursos como se fossem seus, com eficiência e rigor.

O segundo ponto foi a forma como marcou a sua posição na aprovação ou recusa das contas. Afirmou que aprovava as contas se a administração devolvesse o prémio que recebeu (€1.600M). Foi interessante verificar que ninguém ligado à administração tocou nestes dois pontos. Aliás, o discurso tanto de Pinto da Costa como o de Fernando Gomes foram no sentido de encontrar algo pessoal que pudessem expor de Villas-Boas. Este pode ter sido o primeiro round de vários que ainda irão existir. Estrategicamente, temos duas abordagens diferentes: uma com visão, que aborda o FC Porto e se preocupa em apontar um caminho e um projeto; outra que vive do populismo e que se foca em abordagens pessoais, em vez de explicar os problemas e as soluções que têm para o clube.

Roger Schmidt - desnorte?

Depois de uma boa primeira parte frente ao Inter na qual a equipa, a espaços, fez lembrar o Benfica da última época, os segundos 45 minutos voltaram a demonstrar um Benfica receoso, que desconfia de si mesmo e que não tem no banco um treinador com capacidade para ajudar a equipa quando esta mais precisa. Roger Schmidt não só não teve a capacidade de analisar o que estava a acontecer em campo na segunda parte, como, no final do jogo, não soube comunicar da melhor forma. É verdade que o Benfica acabou por empatar um jogo que esteve a ganhar por 3-0. Também é verdade que a equipa encarnada marcou três golos a um Inter que na Liga dos Campeões só tinha sofrido dois. Na primeira parte conseguiu condicionar a construção do adversário através de uma pressão e reação à perda eficaz, como foi exemplo o segundo golo encarnado. Estes foram apenas alguns dos pontos que o treinador encarnado poderia ter abordado e valorizado. Ao invés, preferiu focar-se no árbitro. Aqui surgem diferentes interpretações: será que Schmidt falou do árbitro para desviar as atenções e não ter de falar da falta de equilíbrio tático nas transições defensivas (problema que está identificado há muito tempo, mas que nunca foi corrigido) e também mental que a equipa demonstrou na segunda parte? Ou acredita mesmo que o empate foi culpa do árbitro e não consegue ver os defeitos da sua equipa?

Uma coisa é certa: neste momento, Roger Schmidt não só está nervoso como parece perdido. A forma como mexeu na equipa aos 90+9’ é mais um facto que suporta o desnorte que o treinador encarnado tem vindo a demonstrar dentro e fora dos relvados.