Bruno Lage e Rui Borges cumprimentam-se no final do Benfica-V. Guimarães de 7 de dezembro (foto: IMAGO)
Bruno Lage e Rui Borges cumprimentam-se no final do Benfica-V. Guimarães de 7 de dezembro (foto: IMAGO)

O Benfica tem medo de ser feliz

Duas vezes a águia chegou ao 1.º lugar, duas vezes só resistiu uma semana. Tem melhores condições para ser campeão, mas atrapalha-se quando chega ao topo. Já o Sporting, se for campeão, merece que se lhe tire o chapéu, tal a capacidade de resistir a tudo... Eu sou o Jorge Pessoa e Silva e esta é a crónica semanal do meu livro do desassossego

Dou por mim a ler Pessoa. «Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito.» Paro de ler para mastigar as palavras, com o cerimonial dos tempos pausados e apurado sentido de degustação. Pessoa não se lê à pressa, não se lê nos transportes públicos, não se lê enquanto esperamos por uma consulta, exige que o queiramos ler e o queiramos ainda mais entender. 

Ao ler Pessoa, dou por mim a pensar: quem quer ser campeão? E se a pergunta parece a despropósito - claro que Sporting e Benfica querem ser campeões - na prática o que ambas as equipas têm feito obriga a uma reflexão cuidada. 

No devaneio dos pensamentos que nem sempre controlo e muito menos disciplino, dou por mim a concluir que cada campeonato tem uma moral da história para contar no fim. Assim de repente, e olhando apenas para os últimos anos, a moral do de 2004/05 é que o pragmatismo do Benfica de Trapattoni foi mais eficaz do que o futebol muito elogiado do Sporting de Peseiro, e que um jogador que até já coxeava a correr, pode ser herói: Pedro Mantorras. A moral da época de 2010/2011, é que às vezes uma equipa pode ser tão superior às outras que nem as deixa acreditar, como aconteceu com o FC Porto de Villas-Boas.  A moral do campeão de 2015/2016 é que a humildade de um Benfica de Rui Vitória se pode sobrepor-se à arrogância de Jorge Jesus, então no Sporting. A moral da época 2017/2018 é que é possível a um treinador como Sérgio Conceição fazer omeletes com os ovos que o FC Porto já tinha dentro de casa, alguns até de lado para outros consumirem, usados porque não havia dinheiro para comprar ovos novos.  E a moral do campeonato de 2021 se resume num «e se corre bem?», de mal a COVID que afastou os adeptos dos estádios. 

Se o Benfica for campeão, a moral é que é possível corrigir rapidamente um erro que todos sabiam ser um erro: permitir que Schmidt começasse a época de forma tão fragilizada. E que se pode ser campeão trabalhando com honestidade. Sem rasgos, mas honestidade, competência e correndo de novo de trás para a frente. Mas o problema é que com Lage o Benfica assumiu duas vezes a liderança. E por duas vezes a deixou fugir na semana seguinte. No primeiro caso, o benefício de ter sido em Alvalade, agora não há grande explicação no empate com o Arouca. E quem se agarrar ao erro de arbitragem - como se noutros jogos não tivesse acontecido o inverso, é normal - está a fugir ao essencial. Tem o Benfica medo de ser feliz, tendo melhores condições para o âxito? 

Se o Sporting for campeão, a moral é que se pode ser campeão resistindo a tudo. À saída inesperada de um treinador marcante; a um erro de casting, mas defensável, de um treinador numa fase em quase tudo se deitou a perder; a uma inacreditável onda de lesões que chegou a afastar oito habituais titulares no título da época passada... Se o Sporting for campeão, é porque o quer mesmo muito, num desejo superior às suas forças, não podendo tanto quanto o Benfica, que até teve margem para se reforçar, e bem, em janeiro. 

Dou por mim a ler Pessoa. «Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito.»  

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