Golo de Éder e o divã da Freud

Acreditar que o golo de há sete anos em Paris foi preparado num divã é juntar, num só pensamento, todos os pecados mortais

Ahipocrisia deveria ser considerada como o oitavo pecado mortal. Temos soberba (pensar como Ibrahimovic pensa), avareza (contratar como António Salvador contrata), inveja (invejar os corpos de Ronaldo e Georgina Rodríguez como inveja meio mundo), ira (irritar-se como Sérgio Conceição se irrita), luxúria (amar como George Best amou), gula (comer como come um lutador de sumo) e preguiça (a minha vontade de terminar este texto). Hipocrisia é criticar as idas de Ronaldo, Benzema, Koulibaly, Rúben Neves, Jota, Jorge Jesus ou Luís Castro, por exemplo, para o futebol árabe quando a esmagadora maioria de quem os critica iria para a Arábia Saudita se lhes pagassem quatro ou cinco vezes mais do que ganham. Aliás, este pecado mortal, a hipocrisia, mistura-se com inveja camuflada. Somos hipócritas ao criticarmos Jota por, aos 24 anos, ir para o Al Ittihad ganhar sete vezes mais do que ganhava no Celtic porque, no fundo do fundo, temos inveja. E isto irrita-nos (terceiro pecado mortal de uma assentada).

EUSÉBIO foi jogar para o Beira-Mar aos 35 anos. Quase caiu o Carmo e a Trindade porque o pantera negra, segundo alguns, não devia arrastar-se em campo e ser uma sombra do jogador que já fora. E então? A vida era dele, o corpo era dele, a ideia do que queria fazer era dele. Ronaldo quer jogar mais uns anos na Seleção Nacional quando vai a caminho dos 39 anos? E então? Não pode desejar continuar a vestir de quinas ao peito? Claro que pode. O ir ou não ir não depende dele, depende de Roberto Martínez. Mas o sonho de querer ir depende só dele. Tal como o desejo de Pepe em continuar a jogar aos 40 anos, de Rafa e João Mário em abdicarem de ir à Seleção Nacional com menos de 30 anos, de Ugarte em querer ir para o PSG e não para o Chelsea ou de Bruno de Carvalho optar, aos 51 anos, por ser disc-jockey ou por participar em vídeos de rap. São decisões individuais. Incriticáveis, quanto a mim. Faz tanto sentido quanto criticar alguém por preferir arroz doce a mousse de chocolate. Ou Queen a Deep Purple. Ou Cargaleiro a Vieira da Silva. Ou Minho ao Algarve.

VOLTEMOS aos pecados mortais e comemoremos o 7.º aniversário da conquista do Campeonato da Europa pela Seleção Nacional (sim, é hoje). A defesa de Rui Patrício. A lesão de Ronaldo. O golo de Éder. Sobretudo o golo de Éder. Alguém afirmar que o golo de Éder foi preparado, ao milímetro, fora de campo por um guru (ou gurua) da parapsicologia e afins, faz tanto sentido como um guru (ou gurua) ter ensinado Jonas a simular penáltis. Faz sentido? Não. É estúpido? É. Mas acredita quem quer. Acreditar em estupidezes é igualmente incriticável. Quando penso neste tipo de gurus (ou guruas), quase acredito que foram eles (e mais ninguém) a ordenar à bola que batesse nos dois postes da baliza de Costa Pereira na final de 1961, a dizer a Morais, na final de 1964, para marcar o canto de forma direta e não indireta e a sugerir a Costinha que, no livre de Manchester, em 2004, se colocasse ali e não uns metros ao lado para marcar o golo do empate. Querer que acreditemos que o golo de há sete anos em Paris foi preparado numa espécie de divã de Freud é juntar, num só pensamento, todos os pecados mortais: soberba, avareza, inveja, ira, luxúria, gula e preguiça. Quanto a mim, que de psicologia, parapsicologia, psiquiatria, telepatia, telecinese, psicografia, nada percebo, um nome para querer ganhar os créditos de um remate: complexo de Deus. Ou de Deusa.