Futebol é isto mesmo? É.
Tengstedt marca o 2-1 ao Sporting (Foto: Atlantico Press/IMAGO)

Futebol é isto mesmo? É.

OPINIÃO13.11.202309:29

Quem foi campeão em 1982 foi a Itália, quem foi melhor em 1974 foi a Alemanha, quem ganhou ontem foi o Benfica. É o que fica.

Dizem que o futebol é isto. E é. Não deixa de ser. É por isso que ele é tão belo e encanta tanta gente. Eram 22.25 horas (mais coisa, menos coisa) e Roger Schmidt, muita justamente, era visto como um fracassado. O alemão fracassado que estava a ser massacrado pelo português Rúben Amorim. E estava. Schmidt estava a ser um fracasso e Amorim estava a ser massacrante. Não era difícil adivinhar o que, com o Sporting a vencer por 1-0, seria dito e escrito sobre o alemão. João Mário era quase zero, Di María era mesmo zero, Morato não era quase zero, nem mesmo zero, mas era zero vírgula qualquer coisa. Gyoreres era um 20. 20 e tal, tal a forma como marcou o golão do Sporting. Amorim era outro 20. A meter Paulinho a fechar nos minutos finais, a fazer tudo bem, uma espécie de 20, nota perfeita. Ou um 10, tipo Nadia Comaneci em 1976. Porém (nestas coisas, sobretudo no futebol, há sempre um porém, um mas, um todavia ou um no entanto), o relógio de Artur Soares Dias ainda estava longe do suspiro final.

E nesses instantes finais, como acontece tantas vezes nos filmes de Hitchcock, a história mudou. Quando se pensava que o criminoso, digamos assim, era Gyokeres, os argumentistas mudaram o final e, de repente, passou a haver dois e não apenas um criminoso. O primeiro, claro, João Neves, o menino de cara alegre e de verdadeiro sorriso, transformou-se num monstro para uns e num lindo cisne para outros. Era, supunha-se, pois estávamos no minuto 90+4, o golpe derradeiro de Hitchcock. Não era. Havia mais um porém (mas, todavia ou no entanto, escolha o leitor). Algo escondido no filme da Luz, um desvio de Tengstedt, uma bola a beijar as malhas de Adán, uns segundos (longos) a perceber se era, de facto, golo. E foi. Por quatro centímetros, mas foi. Injusto? Há quem pense que sim, há quem diga que não. Esquecemo-nos de que o futebol é um jogo, não um desporto. O Benfica jogou mal? Não: jogou pessimamente durante 99 por cento do tempo. O Sporting jogou bem? Sim: jogou muito melhor durante 99 por cento do tempo. Schmidt foi pior do que Amorim durante 99 por cento das decisões. Mas para a posteridade (seja ela hoje ou daqui a 100 anos) fica o resultado: 2-1 para o Benfica. E isso, por muitos que custe aos teóricos da bola, das basculações, das pressões altas, baixas e médias, do 4x3x3 ou (como agora já se lê e ouve) do 1x4x3x3, aos teóricos das entrelinhas, aos teóricos do tatiquês, é o que conta. O Sporting jogou melhor do que o Benfica, mas perdeu. O Brasil-1982 jogou melhor do que a Itália-1982, mas perdeu. A Holanda-1974 jogou melhor do que a Alemanha-1974, mas perdeu. Quem foi campeão em 1982 foi a Itália, quem foi melhor em 1974 foi a Alemanha, quem ganhou ontem foi o Benfica. O futebol, como diz a frase mais sensata e descolorida que conhecemos, é isto mesmo: ganha quem marca mais golos, não quem joga melhor ou mais bonito. Futebol, meus caros, é paixão e alegria. É suor, cheiro e relva. Que se lixe o 1x4x3x3 ou o 1x3x4x3, que viva para sempre a vibração e os corações a bater forte. O resto é treta.

PS - Há quem tenha mau perder e quem tenha mau ganhar. Schmidt, perante uma pergunta inócua de um jornalista («melhor o resultado que a exibição?»), revelou mau ganhar na resposta: «Provavelmente és do Sporting ou do FC Porto». Classe.