Sporting-FC Porto: o primeiro teste a duas formas distintas de jogar
O primeiro grande clássico da época chega cedo, mas nem por isso perde intensidade ou simbolismo. Sporting CP e FC Porto apresentam-se em Alvalade com pleno de vitórias, nove pontos em três jornadas, num déjà-vu perfeito em relação à época passada. Também então, à quarta jornada, as duas equipas se encontraram coladas na liderança. Esta repetição de calendário dá ao jogo um carácter quase ritual, como se fosse uma prova de fogo anual que mede forças, fraquezas, ambições e estados de espírito logo no arranque da temporada.
Este Sporting-FC Porto não é um mero clássico de calendário. É um embate de estilos, de ambições e de mentalidades. Duas equipas que têm superado expectativas no brilhantismo com que os seus jogadores se têm apresentado dentro das quatro linhas. No lado verde e branco, uma equipa com um ataque fulgurante - doze golos marcados em três jogos - que se apoia no coletivo e num ambiente de estádio capaz de incendiar qualquer momento. Do lado azul e branco, uma formação que ainda não sofreu qualquer golo, sustentada numa estrutura defensiva de ferro, numa convicção inabalável e na capacidade de sufocar o adversário até este perder clareza no seu jogo.
Herdeiro de princípios de treinadores como Roberto De Zerbi, Farioli aposta numa ocupação racional dos espaços, numa construção pensada e numa pressão agressiva, mas coordenada. A sua maior virtude talvez resida na inteligência situacional: lê o jogo com clareza, ajustando blocos e posicionamentos em função do adversário e das exigências de cada momento. O FC Porto de Francesco Farioli representa um salto qualitativo em relação à equipa da época anterior, orientada por Anselmi. Hoje vemos um conjunto mais cerebral, mas também mais intenso, com processos claros e uma identidade bem definida. O 4-3-3 surge como sistema de referência, mas nunca de forma rígida: a estrutura é constantemente animada por rotações dinâmicas. O médio defensivo recua para auxiliar a saída de bola, enquanto os interiores alternam entre apoio e atração, assegurando uma circulação fluida e a exploração consciente dos espaços.
Farioli privilegia a construção desde trás, envolvendo centrais e guarda-redes, e não hesita em atrair a pressão adversária para depois explorar os espaços deixados livres mais à frente. Essa flexibilidade permite ao FC Porto jogar tanto em apoio curto, com paciência, como variar rapidamente para passes longos sempre que a pressão rival bloqueia a construção curta. No momento ofensivo, o treinador valoriza o envolvimento coletivo: normalmente, consegue colocar cinco jogadores no último terço, criando densidade suficiente para gerar desequilíbrios, seja por dentro ou pelas alas. Quando a pressão se torna sufocante, a equipa recorre ao passe longo estratégico, atraindo o adversário e libertando espaço para explorar nas costas da defesa.
Defensivamente, o Porto mostra-se camaleónico: pressiona alto quando sente que pode recuperar de imediato, mas sabe resguardar-se em bloco médio ou baixo, mantendo os sectores compactos. Na dinâmica ofensiva, os laterais surgem muitas vezes por dentro, oferecendo apoios interiores, enquanto os extremos dão largura e alongam o campo, abrindo corredores de progressão. Contudo, o Porto terá de lidar com uma ausência de peso: Pepê. Mas nem tudo são más notícias… Samu Aghehowa recuperou e está apto para jogar. Resta saber se a sua condição física permite recuperar o seu lugar no 11 dos Dragões. O jovem avançado internacional espanhol, de apenas 21 anos, afirma-se como um dos protagonistas da equipa: alto, rápido e forte, combina potência, mobilidade e técnica, sendo letal tanto no jogo aéreo como na finalização. Se não integrar o 11 inicial, a sua ausência altera a dinâmica ofensiva do Porto, uma vez que não há um substituto de perfil semelhante. No seu lugar, Luuk de Jong será a referência ofensiva. O neerlandês, de 34 anos, representa experiência e maturidade, trazendo uma longa carreira recheada de títulos. É um clássico target man: usa a altura e a força para dominar no ar e segurar a bola, permitindo que os colegas se juntem ao ataque. Não tem a velocidade de Samu, mas compensa com leitura de jogo, inteligência posicional e eficácia na finalização. Além disso, é um líder dentro de campo e uma referência para os mais jovens.
Do outro lado, Rui Borges chega ao clássico com um Sporting em afirmação. O novo treinador percebeu que os sistemas são apenas um ponto de partida e que o essencial está nas dinâmicas e na confiança dos jogadores. No Sporting, a equipa joga em 4-2-3-1, permitindo um equilíbrio entre construção e verticalidade. O futebol apresentado é de ataque forte, rápido e vertical, mas alicerçado no coletivo. Rui Borges não procura a perfeição posicional: procura criar superioridade em zonas-chave, seja através de ajustes no meio-campo, seja explorando a largura dos alas. O seu discurso simples, direto e objetivo tem passado confiança ao grupo, reforçando uma mentalidade competitiva que já se viu em jogos recentes. E este ano conta com uma profundidade que antes não tinha: no banco, jogadores como Quenda e Kochorashvili que podem acrescentar qualidade decisiva nos momentos certos.
O duelo promete ser decidido na capacidade de cada equipa impor a sua dinâmica: de um lado, o cariz ofensivo e vertical dos leões; do outro, a compostura tática e a solidez dos dragões. Quem conseguir romper o plano contrário, quebrar a confiança e ditar o ritmo, poderá não só conquistar três pontos, mas também condicionar a narrativa de toda a temporada.
O fator casa favorece o Sporting, que em Alvalade se agiganta perante os seus adeptos, sobretudo nos momentos de maior pressão. Mas o FC Porto tem a marca da persistência no seu ADN: não desiste, mesmo quando parece encostado às cordas. Essa mentalidade competitiva, tantas vezes decisiva em clássicos, não pode ser descartada.
Este sábado, não se joga apenas um clássico. Joga-se um teste de identidade, um confronto que pode anunciar o rumo de uma época inteira. Em campo estarão duas formas distintas de interpretar o jogo - ataque contra defesa, fogo contra aço. No fim, quem sair vencedor terá dado muito mais do que um passo na tabela: terá reclamado o estatuto de protagonista maior do futebol português neste início de temporada 2025/26.
«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach» e «Organizar para Ganhar» e ainda speaker.