Sonho transatlântico chocou com a realidade: Lorient trava conto de fadas do Gosier
A Taça de França voltou a juntar mundos diferentes num mesmo relvado. Desta vez, a história terminou com um resultado pesado - 7-0 para o Lorient - mas nem por isso perdeu o seu caráter épico. A defrontar a equipa da Ligue 1 esteve o AS Gosier, clube da divisão de honra da Guadalupe, território francês nas Caraíbas, que percorreu cerca de 7000 quilómetros - sim, leu bem - para disputar os 32 avos de final da competição mais antiga do futebol francês.
O desnível competitivo foi evidente desde o apito inicial. O Lorient construiu a goleada de forma avassaladora, resolvendo praticamente o jogo ainda na primeira parte, com cinco golos em apenas 38 minutos: Dieng abriu o marcador aos 2’, voltou a marcar aos 12’ e aos 38’, completando um hat trick ainda antes do intervalo, pelo meio Karim Doumbia (24’) e Bamba (33’) ampliaram a vantagem. No segundo tempo, já com várias alterações, o domínio manteve-se e Bamba voltou a marcar aos 75’, antes de Sanusi fechar as contas aos 79'. O marcador acabou por refletir diferença entre as duas equipas, castigando um Gosier que, apesar da entrega e do orgulho, nunca conseguiu travar a avalanche ofensiva dos bretões.
Ainda assim, entre as figuras do encontro esteve Claude Beauvue, avançado conhecido do futebol espanhol, com passagens por Deportivo, Leganés e Celta. Aos 36 anos, tornou-se o rosto da epopeia do Gosier nesta edição da Taça. Marcou quatro golos na competição, foi o líder da equipa e chegou a este jogo como o melhor marcador do campeonato da Guadalupe. Contra o Lorient, encontrou um contexto muito diferente, mas manteve o estatuto de símbolo de uma caminhada histórica.
Também no plantel do Gosier figurava Alphonse, outro veterano com currículo de respeito, incluindo 145 jogos na Ligue 1. Um detalhe curioso: o jogador já tinha sido treinado por Olivier Pantaloni, atual técnico do Lorient, nos tempos do Ajaccio.
O encontro realizou-se em Essonne, em território continental francês, apesar de o Gosier surgir como equipa da casa. Um pormenor logístico inevitável: os clubes fora da França continental são obrigados a viajar para a Europa nesta fase da competição, com todas as despesas de deslocação asseguradas pela Federação Francesa de Futebol. Uma ponte institucional que permite que estas histórias continuem a existir e que fazem da Taça de França uma competição tão única.
Esta prova é a única competição nacional disputada em quatro continentes - Europa, América, África e Oceânia - um legado do passado colonial francês. É esta particularidade que permite que clubes amadores da Guadalupe, Martinica, Guiana Francesa, Reunião ou Nova Caledónia possam, num sorteio, medir forças com gigantes do futebol profissional francês.
Poucos clubes ultramarinos chegaram aos 1/16 avos de final da Taça de França e nenhum conseguiu ultrapassar essa barreira. O AS Gosier ficou pelos 1/32, mas acrescentou mais um capítulo à mitologia da prova, feita de confrontos improváveis, longas viagens, diferenças abissais de orçamento e, sobretudo, da ideia romântica de que todos podem sonhar... nem que seja por um momento.
📣 L’ As Gosier en route pour les 32ème de finale ! #EnDirect
— Ville du Gosier... ka fété Nwèl 🎅🏾✨🎄 (@VilleduGosier) December 15, 2025
L’équipe s’envole vers l’Hexagone pour affronter le @FCLorient le 20 déc au stade Robert-Bobin !
En direct de l’aéroport Maryse Condé... ⚽🔥 pic.twitter.com/pkCVqjMhmH
No fim, o Lorient seguiu em frente com naturalidade, cumprindo o seu favoritismo. O Gosier regressou às Caraíbas com uma derrota na bagagem, mas com a honra intacta e a certeza de ter feito parte de mais uma daquelas histórias que só a Taça de França sabe contar.