Sem adeptos não entram

A taxa de ocupação nos estádios devia ser um critério de elegibilidade para participar na Liga. Jogos sem adeptos matam o futebol

OS astros parecem alinhar-se para que mudanças profundas no futebol aconteçam em simultâneo, provavelmente já em 2024. Não será certamente por acaso: tudo indica que a entrada em vigor de novas regras  poderão coincidir com a nova versão da Liga dos Campeões. Ainda nada está decidido, mas as notícias da semana passada sobre algumas medidas postas em cima da mesa na reunião do IFAB em Londres, no último fim de semana, levam a crer que a adoção do tempo cronometrado é algo para levar mesmo a sério. Talvez para os mais conservadores assuste a ideia de acabar com uma regra clássica e histórica (a expressão 90 minutos faz parte do imaginário de todos os adeptos), mas talvez tenhamos chegado ao momento de encarar alguns problemas de frente. E um desses problemas está na relação dos jovens de hoje (e consumidores pagantes de amanhã) com um desporto que ainda tem margem para muitos tempos mortos, tornando-o obsoleto para os padrões de quem está habituado a ter tudo muito rápido e para quem o conceito de pausa não se aplica ao entretenimento (porque no fundo é disto que se trata, apesar da maior ou menor paixão pelo clube A ou B). 

Ainda não está fechado o modelo de tempo cronometrado que poderá vir a ser implementado, mas é muito provável que o futuro venha a passar por termos duas partes de 30 minutos. Isto não resolverá as desigualdades, pelo pelo contrário, pode mesmo agravar a diferença entre os mais ricos e pobres porque, diz-nos a experiência, que aqueles que têm menos recursos aprendem a jogar com o tempo. Mas há outras formas de promover o equilíbrio (e devem ser postas em prática) porque o que ainda está em causa é o valor do futebol como um grande espetáculo.

ACREDITAMOS que esta medida pode ter impactos diferentes de país para país. Dizendo por outras palavras: pode ser mais revolucionário para um campeonato como o português do que para o inglês, por exemplo, onde não vigoram tantos vícios. Os grandes podem ser, eventualmente, mais beneficiados porque isto tende a acabar com o antijogo, mas não nos iludamos: olhando numa perspetiva global, uma Liga como a nossa só será mais apelativa se 80 por cento dos jogos tiverem, pelo menos, 50 por cento das bancadas preenchidas. O que continuamos a ver semana a semana, de ano para ano, são imagens de cadeiras vazias em mais de metade dos jogos da Liga. Se este já era um problema graças ao desequilíbrio na distribuição de adeptos em Portugal (à volta de 90 por cento para os três grandes), mais se torna à medida que gerações mais jovens (e menos jovens) preferem assistir a jogos de outras ligas na TV ou em streaming.

Chamar as pessoas aos estádios tem de ser um desígnio do futebol em Portugal e considero mesmo que a taxa de ocupação  devia ser um critério de elegibilidade para participar na maior competição de clubes. Leiam isto como uma ideia radical, mas tal como há critérios financeiros para a inscrição na Liga, acredito que a garantia de que os jogos terão o calor do povo tem de ficar gravada em papel. Um clube pode até ser bem gerido, ter bons jogadores, bom treinador e bom relvado, mas se não tiver adeptos a assistir aos seus jogos é um clube de plástico, sem alma, que não faz falta ao futebol. Esta medida obrigaria as estruturas de muitos clubes a serem criativas na procura de chamar gente às bancadas  e iria influenciar a forma como os dirigentes desses emblemas se posicionam na calendarização das partidas - talvez muitos presidentes tentassem acabar, de uma vez por todas, com determinados horários noturnos que só satisfazem os operadores mas não os adeptos - aquilo para que o futebol foi feito.