Salvou-se a receita do jogo

Tamanho alarido apenas foi provocado porque um dos intervenientes se chama Benfica, obrigado a pagar o preço da sua grandeza e da sua notoriedade

NÃO há melhor do que uma boa trapalhada para aligeirar  os problemas da vida e pôr toda a gente a debitar opiniões, principalmente quando o tema é o futebol, em que, velozmente, a ponderação resvala para o destempero.
O que se passou no Belenenses SAD- Benfica foi uma VERGONHA, como A BOLA titulou em letras bem grandes, na primeira página da sua edição de domingo. É  só  esta  vergonha que nos deve incomodar, porque em relação às vergonhas de que  outros nos acusam, santa paciência, cada país carrega as suas e manda a verdade dizer que, em matéria de combate à pandemia, Portugal tem sido  exemplo amplamente elogiado.  Por outro lado,  tamanho alarido apenas foi provocado porque um dos intervenientes se chama Benfica, obrigado a pagar o preço da sua grandeza e da sua notoriedade internacional.
José Manuel Delgado, director adjunto de A BOLA,  escreveu, muito bem, do meu ponto de vista, na mesma edição de domingo, que a DGS apenas avalia «se há, ou não há,  qualquer tipo de risco para a saúde pública, passando ao lado da vertente desportiva», mas considero igualmente pertinente a questão suscitada em Editorial  pelo jornalista Fernando Urbano: «Será que Graça Freitas ainda não percebeu que o futebol é um dos maiores veículos sociais e que se algo correr mal  num estádio tem impacto tremendo na perceção da realidade do resto da sociedade?».
Não deve ter percebido.  A diretora geral de Saúde não é ‘generala’,  nem ‘almiranta’, mas é uma mulher de  ‘pêlo na venta’, de coragem e sem medo das  polémicas.  Aprecio o seu  espírito guerreiro, embora em casos futuros, quando o tema for futebol,   sugira a prudência um pouco mais de atenção da sua parte. 
 

COM a firmeza e a discrição convenientes, a Federação Portuguesa de Futebol adiou o jogo Belenenses B-Marítimo, referente à Liga Revelação, que estava marcado para este domingo.  Enquanto a Liga Portugal, por representar 34 clubes e não poder tomar decisões urgentes e importantes sem a concordância dos seus ‘patrões’, não passa de um organismo frágil e sem vontade própria, a FPF, durante a presidência de Fernando Gomes,  adquiriu o estatuto  de instituição  prestigiada e de referência mundial que se insinua pela competência e exerce a sua autoridade pela razão.
O presidente da Belenenses SAD, Rui Pedro Soares, falou muito, mas foi pouco coerente. Começou por anunciar que tinha 38 jogadores inscritos na Liga com valor para jogarem e, por esse motivo,  para haver adiamento as únicas conversas com validade seriam entre ele e o presidente do Benfica. «Estivemos em diálogo ontem  e nunca a hipótese foi por mim colocada», esclareceu.
Já depois do jogo, naturalmente exaltado, referiu-se a ‘regulamentozecos’  e, sem entrar em detalhes, adiantou que foi a Liga a comunicar-lhe que tinha jogadores suficientes para «ir a jogo».
Por seu lado, na mesma altura, Rui Costa declarou que «em nenhuma circunstância» o Benfica foi responsável  por «esta página negra»,  acentuando a inutilidade de desvirtuar o que aconteceu  ou esconder o que a todos envergonhou. «A Liga  e a DGS é que podiam adiar este jogo e não o fizeram, não poderia ser o Benfica», frisou.
No dia seguinte, porém,  a Belenenses SAD emitiu  um comunicado mais pormenorizado em  que de alguma forma contradiz o que o seu presidente afirmara na véspera.  Pela primeira vez, ficou a saber-se que a Liga tomou conhecimento da imposição da DGS em «colocar  44 membros do nosso grupo de trabalho em isolamento» e nenhuma reação lhe mereceu.
 

Àmargem desta troca de contactos, fonte amiga confirmou-me que o departamento clínico da Belenenses SAD, ao princípio da tarde do dia do jogo,  enviou um ‘mail’ à Liga Portugal com declaração anexa da delegada da DGS em que, como medida preventiva, todos os jogadores azuis ficariam em isolamento na sequência  do conhecimento de nova estirpe, com origem na África do Sul, país de onde regressou Cafu Phete, após compromissos pela sua selecção.  
A partir desta informação, nenhuma decisão  foi tomada o que atesta a debilidade de quem gere o futebol profissional e  demonstra que Pedro Proença não passa de uma figura decorativa sem poder, nem influência, condicionado por  regulamentos desajustados que os clubes aprovam.    Estranhamente, porém, o presidente da Belenenses SAD, no seu protesto, apenas aludiu à situação de Sithole, igualmente sul-africano, considerado apto pela Liga, mas impedido de entrar em Portugal por ainda «não ter visto de residente».
Rui Pedro Soares quis evitar a falta de comparência e as consequências dela resultantes em termos de perda de pontos, como muito oportunamente alertou Pedro Henriques, logo a seguir à interrupção do jogo, em A BOLA TV.  O resto, não passou de uma encenação cuidada para se adequar aos regulamentos.  
Com o número mínimo de jogadores  regularmente exigido para dissipar o perigo da falta de comparência, o objectivo seguinte, talvez o mais importante, foi salvar a  receita do jogo, a melhor da temporada, e que muito jeito dá, principalmente nesta época do ano, em final de mês e próximo da quadra festiva. Sem adeptos e sem público, esta oportunidade  foi uma bênção que permitiu à Belenenses SAD arrecadar algumas dezenas de milhar de euros. Rica prenda natalícia, antecipada.