Ex-selecionador de Angola fata da demissão nos Palancas e do novo projeto no Young Africans

Pedro Gonçalves rendido à Tanzânia: «Cheguei aqui de madrugada e fiquei fascinado»

O treinador português Pedro Gonçalves não esteve muito tempo desempregado. Um mês depois de ter sido demitido de selecionador de Angola, depois de 10 anos de ligação à federação e vários recordes batidos, aceitou o convite do Young Africans, tetracampeão da Tanzânia, gigante em termos de adeptos e um dos clubes de referência em África....

- O que o levou a aceitar o convite do Young Africans?
- Ser um grande desafio. Um clube muito grande, que representa uma legião de fãs fervorosos que acompanham minuciosamente todas as atividades da equipa. E um país como a Tanzânia, que sempre me despertou a atenção, com uma grande comunidade árabe e indiana, mas muitas outras influências que, juntas, conferem uma identidade peculiar ao povo. Um país muito comercial, muito aberto ao exterior e seguro.

Como classifica a paixão dos adeptos do Young Africans?
- Incrível. Imensa. Que se vê ainda mais nos jogos internacionais e nos dérbis. O Estádio Nacional enche sempre, com 60 mil adeptos em grande festa. Todo o ambiente que criam e emprestam ao jogo é absolutamente fantástico.

É um clube que oferece condições para fazer um bom trabalho?
- É um clube gigante e que está a crescer em termos de projeto. Um clube em crescimento ao nível das condições de trabalho. Um clube que ocupa a posição 12 no ranking da CAF. Que acabou de garantir lugar entre os 16 melhores na fase de grupos da Liga dos Campeões. E um clube que é atualmente tetracampeão nacional e procura o penta... Temos condições para evoluir. O clube tem aquilo que designa de um centro de estágio, onde existe um condomínio com moradias e valências para treino. Mas que podem ser melhoradas. E uma das minhas missões é contribuir para isso mesmo.

Do pouco que já viu, como classifica a qualidade média do futebol na Tanzânia?
- Ao nível de clubes, tem evoluído substancialmente. Basta dizer que é um dos quatro países, em 54, que apurou quatro equipas para a fase de grupos da Liga dos Campeões e para a fase de grupos da Taça Confederação, após duas eliminatórias. Isso representa aquilo que é a evolução do campeonato. Bastante interessante também a forma como se faz o acompanhamento do campeonato, com todos os jogos televisionados e muita promoção e mediatismo. Tem muitos internacionais, consegue pagar razoável e atrair talento. Tem tudo para progredir.

Um clube... político
O Young Africans foi fundado em 1935. Tem sede em Dar es Salaam e joga no Benjamin Mkapa Stadium, com capacidade para 60 mil lugares, que enche nos grandes jogos, em especial o dérbi com o Simba, um dos cinco mais apaixonantes de África. Mas a média de espetadores é de cerca de 10 mil por jogo. É o clube que mais vezes venceu o campeonato: 23. Tendo nas classes mais baixas e trabalhadoras a sua força - ao contrário do rival Simba que a assenta na comunidade muçulmana e na comercial da Ásia- o Young Africans sempre se assumiu como um clube que deu guarida a movimentos independentistas e anti-colonialistas.

- Quais as primeiras impressões de Dar es Salaam, a maior cidade da Tanzânia, a quinta maior de África, com 7 milhões de habitantes?
- Uma cidade a fervilhar por todo o lado, com muitas obras e investimentos em curso. Um crescimento visível que o país está a ter com o futebol a acompanhar a nível de infraestruturas.  É uma cidade cosmopolita, com muitas culturas e religiões que vivem pacificamente. É uma cidade segura, onde todos se respeitam. Cheguei aqui às três e meia da madrugada e fiquei fascinado por, a essa hora, ver tanta gente na rua, muitos deles turistas. A Tanzânia é um país que gosta e sabe receber. Tem bom clima, uma costa belissíma, zonas paradisíacas....

«Serei sempre angolano»

- Há cerca de um mês foi demitido pela Federação Angolana de Futebol do cargo de selecionador. Era até o que estava há mais tempo no cargo em toda a África. Ficou surpreendido por ter acontecido a três meses da CAN?

- Evidentemente que me custou imenso. Pela relação que tenho com Angola. Não tenho como dizer o contrário. Até me emociono ao pensar nisso... Sou português, mas sou também angolano. Foram dez anos a lidar de perto com o povo, seis deles na seleção principal. Fizemos juntos um percurso tremendo...  Subimos e muito a qualidade da equipa. Subimos dezenas de lugares no ranking da FIFA. Batemos recordes. Hoje Angola é uma seleção. Hoje bate-se com qualquer seleção africana.  Hoje tem jogadores que cresceram muito nos últimos anos. Hoje, há cada vez mais jogadores, em especial na diáspora, a sentir orgulho de representar Angola.  Hoje há cada vez mais jogadores nas melhores ligas e equipas. O percurso ainda não está terminado, dentro de dois a três anos. Angola vai mesmo ser uma seleção de topo em África. Foi um orgulho ter feito este caminho com todos, fica a ligação a Angola, às suas gentes e ficam todos os amigos que fui fazendo nesta viagem.

Pedro Gonçalves, selecionador de Angola. Foto: Miguel Nunes

- Na apresentação do novo selecionador, o presidente da Federação, Alves Simões, reconheceu que há muito andava a ‘namorar’ o francês Patrice Beaumelle. Sentiu-se melindrado?
- Eu prefiro olhar para o meu percurso em Angola pela dimensão e pela abrangência e não pelo momento final. Até porque esta Direção foi eleita em dezembro e eu coloquei o lugar à disposição do novo presidente se ele defendesse um outro rosto para o projeto desportivo. Naturalmente há coisas que custa ouvir, mas o tempo é de me mostrar grato e orgulhoso. Muita gente ficou surpreendida, recebi muitas chamadas até de outros selecionadores, muita gente se solidarizou e recebi imensos convites para trabalhar.  Só não recebi convites da Oceania...  Dei o melhor, sei o legado que fica, felicidades a Angola. Por me sentir angolano, a felicidade de Angola é a minha felicidade. Virei a página, agora estou a duzentos por cento no Young Africans. 

«Parabéns Cabo Verde»
A campanha de qualificação para o Mundial terá sido o pretexto para a saída de Pedro Gonçalves de Angola. «Atenção, não éramos os favoritos e essa campanha teve muitas contigências. Não correu como queríamos, mas também fizemos a melhor classificação de sempre para um CAN», lembra o agora ex-selecionador dos Palancas. Não foi Angola, mas vai... Cabo Verde, que venceu o grupo. «Fez um trabalho fantástico, foi regular, ficou à frente da potência Camarões. Parabéns ao povo cabo-verdiano, e sobretudo, ao Bubista, o selecionador, pelo excelente trabalho que tem vindo a fazer ao longo dos tempos. A não ser Angola, fico contente que seja Cabo Verde a estar no Mundial», congratulou-se Pedro Gonçalves.
«Apoiar Palancas no CAN»
Em relação ao CAN de 2025, em Marrocos, Pedro Gonçalves não esconde que vai «torcer pelos Palancas». Mas não só. «Tenho também de torcer pela Tanzânia, país onde estou agora e cuja seleção tem vários jogadores meus. E desejo toda a sorte aos Mambas de Chiquinho Conde. Um excelente homem e treinador, a realizar talvez o melhor trabalho que alguém desenvolveu em Moçambique», frisou Pedro Gonçalves..