Rui Borges, treinador do Sporting. - Foto: MIGUEL NUNES

O VAR é bom mas eu não gosto

Sporting foi o maior beneficiado com a verdade desportiva que o VAR trouxe ao futebol... Mas não há Bela sem senão... Esta uma reflexão de Carmen Garcia na sua coluna semanal «Verde à Vista»

Sábado, depois de uma tarde passada à chuva num torneio de futebol do mais velho, cheguei a casa, tomei um banho quente e sentei-me confortavelmente no sofá para ver o Estoril-Sporting. Com o jantar orientado, estava absolutamente convicta de que teria pela frente um dos meus serões preferidos: chuva lá fora, casa tranquila e jogo do Sporting na televisão. E se as coisas até nem começaram mal, depressa percebi que o serão, se calhar, não ia corresponder exactamente às minhas expectativas.

Na primeira parte, estóica – e sim, mantenho o acento nesta palavra, tal como em jóia, porque, como já devem ter percebido, recuso-me totalmente a ceder à aberração do Acordo Ortográfico -, ainda aguentei. Mas depois do intervalo comecei a sentir um peso nas pálpebras cada vez mais difícil de suportar. Podia, é claro, atribuir esta sonolência à fase final da gravidez, mas, desgraçadamente, não foi esse o caso. O que aconteceu é que o Sporting esteve tão amorfo e com tão pouca garra que o jogo se tornou, e desculpem por não encontrar melhor expressão, absurdamente chato.

Se tivemos mais posse bola? Tivemos. Se conseguimos colocar-nos em vantagem numa fase inicial do encontro? Conseguimos – e foi a nossa sorte! Mas faltaram-nos o rasgo e o risco a que a equipa nos habituou. O que vimos no Sábado foi uma senhora desinspiração que acabou por contagiar quem estava do lado de cá do ecrã e, quando dei por mim, o tédio tinha vencido e, pela primeira vez em alguns anos, adormeci durante um jogo. E o pior é que, apesar de vários minutos de luta contra Morpheu, só voltei a acordar realmente quando ouvi a conferência de imprensa de Rui Borges que, desta vez, esteve absolutamente impecável falando, ao mesmo tempo, para dentro e para fora do balneário.

Rui Borges foi incisivo quando falou da apatia e quando avisou que este jogo deve ser a excepção e não a regra. Criticou os passes falhados, as poucas oportunidades criadas e avisou que, se tiver de mudar nove ou dez jogadores, o fará sem problemas. E eu sei que todos temos dias maus e desinspirados. Há dias no trabalho em que todos sabemos que era preferível nem termos lá ido, mas aquilo que vimos no Sábado foi uma equipa inteira dominada pela apatia. E a única coisa que posso pedir é para amanhã, frente ao Nápoles, esquecermos completamente o que fomos contra este Estoril.

E não, não vou encerrar o assunto Estoril como uma cobarde e fingir que não existiram lances polémicos. Existiram. O que acontece é que eu não sou a pessoa certa para os comentar e analisar até porque, confesso, estou num ponto em que nem sei bem o que pensar. É que, se por um lado, vejo analistas credenciados afirmarem com absoluta segurança que deveria ter sido assinalado fora de jogo posicional a Pedro Gonçalves, por outro, leio análises, como a de Iturralde González, que defendem claramente que Pote, não se mexendo, não interfere em nada com a visão do lance. Então, não negando a polémica, não consigo posicionar-me em nenhum dos lados da barricada. A única coisa que sei, de facto, é que é inaceitável comparar este lance com o do golo anulado a Di María em Fevereiro de 2024 pois, nessa situação em concreto, Tengstedt está na trajectória da bola no momento do remate o que, obviamente, tem impacto na visão do lance pelo guarda-redes – note-se que, no caso do golo de Suárez, o guarda-redes do Estoril vê claramente a bola partir do pé do avançado em direcção ao poste esquerdo da sua baliza. Mas sabem o que também vos digo e em tom de desabafo? Que, às vezes, tenho algumas saudades do tempo em que o futebol não era isto e em que não perdíamos semanas a ouvir comentadores analisar centímetros, micro movimentos e ângulos disto e daqueloutro.

Confesso que há em mim uma certa nostalgia relativa ao tempo em que debatíamos com mais paixão e menos argumentos matemáticos, comparativos e racionais. E não, não devia dizê-lo porque o Sporting, como todos sabemos, foi um dos grandes defensores, por exemplo, da entrada do vídeo árbitro (VAR) na Liga Portuguesa e porque, desde a época 2017/18, somos muito mais felizes em termos de resultados – a verdade desportiva beneficiou o Sporting que era, até aí, a longa distância dos rivais, o clube mais prejudicado pelos erros humanos. Mas olhem, digo na mesma. Digo porque, cá no fundo, sou uma romântica que tem uma visão do futebol muito mais próxima da máquina de criar histórias do que da máquina de analisar números.

Nos últimos anos, podemos ter, de facto, aumentado a transparência, mas também matámos um bocadinho da fábrica de lendas, da irreverência e do instinto que dominavam o jogo.

Repito: desde que o VAR foi adoptado pela Federação Portuguesa de Futebol que a vida é mais fácil para os sportinguistas (temos, desde essa data, tantos campeonatos ganhos como o Porto e mais um do que o Benfica), mas não consigo não sentir que, com muito mais razão do que paixão, estamos a matar um bocadinho o futebol que nos deu a famosa “mano de Dios”, no mundial de 1986, e outras histórias que se tornaram lendas.

Golos anulados por foras de jogo tirados a régua e esquadro (só para não dizer microscópio) já depois de terem sido loucamente festejados por um estádio inteiro – isto, juro, é só a coisa mais anti climática deste mundo. Jogos parados durante minutos para analisarmos jogadas desde o seu início à procura de uma agulha no meio de um palheiro… Às vezes irrita-me, pronto.

Conheço a luta por trás do VAR e, nesse quesito, sei que devemos muito a Bruno de Carvalho. O tempo e os campeonatos ganhos deram-lhe razão quando dizia que maior verdade desportiva beneficiaria o Sporting. E sim, ainda estremeço quando recordo episódios como o golo de Ronny com a mão, num jogo contra o Paços de Ferreira, que nos tirou o campeonato e o entregou ao Futebol Clube do Porto (2007), mas… Tenho sempre aqui este mas. Esta coisa que me diz que o que é bom também pode ser um bocadinho mau e que não há Bela sem senão. O VAR foi bom para o Sporting e para os sportinguistas, mas matou uma parte do jogo de que eu gostava e da qual, confesso, quando nos vejo a discutir milímetros, às vezes, sinto saudades.

Desabafo feito e, acima de tudo, assumindo a minha própria incoerência – o VAR é bom / não gosto do VAR -, só espero que no jogo de amanhã, a equipa nos mostre que no Sábado, no Estoril, o que vimos foi uma excepção e que valerá muito a pena mantermo-nos acordados, todos os minutos de cada jogo, até ao final da época.

No Pódio
Esta semana, no pódio, coloco César Peixoto e o seu Gil Vicente que nas primeiras seis jornadas do campeonato somou 13 pontos - o que representa o melhor arranque da sua história nesta competição. E sim, é certo que, quando os astros se alinham, raramente o mérito é apenas do treinador, mas também é verdade que a visão de César Peixoto é bem notória na forma de jogar da equipa e na motivação dos jogadores. Contra o Benfica, a equipa de Barcelos, que disputou o jogo olhos nos olhos, merecia ter conhecido outro desfecho - não só pelo futebol que praticou, mas pela atitude com que entrou e se manteve em campo. Não sei, nenhum de nós sabe, como será o resto da época do Gil Vicente, mas sei que, só por este início, a equipa e o seu treinador já merecem que lhes tiremos o chapéu.
Na Bancada
A Assembleia Geral do Benfica ficou marcada pela interrupção dos trabalhos após um momento de profunda tensão e vaias que irromperam quando Luís Filipe Vieira tentou discursar. E se consigo compreender o sentimento de muitos benfiquistas em relação ao antigo presidente, mais difícil, para mim, é compreender manifestações que roçam o anti-democrático. Os benfiquistas querem ver Luís Filipe Vieira longe do clube e derrotado? Têm uma óptima oportunidade para o fazer nas urnas. As vaias e as tensões numa Assembleia Geral são completa e absolutamente dispensáveis.