O regresso de velhos hábitos?
Há quarenta anos, quando iniciei a minha carreira profissional como jornalista, não havia internet, as condições para comunicação eram básicas, o telemóvel não existia, e as viagens ao estrangeiro com equipas portuguesas tornavam-se verdadeiras aventuras, dependentes da boa vontade de receções de hotéis e de operadores de telecomunicações. Mas tudo se fazia, com camaradagem entre oficiais do mesmo ofício, longe de casa e a tentar fazer chegar a casa o melhor de cada deslocação e de cada competição.
Muito se via e se sentia, no estrangeiro, e muito se continuou a ver e a sentir, também, em Portugal. Os almoços em Canal Caveira, as noitadas na Ribeira do Porto, os sacos azuis (ou doutra cor) escondidos nas malas dos carros de luxo, a sobranceria de quem pensava mandar em tudo e em todos. Curiosamente, uma postura e uma praxis que ainda hoje encontro noutras latitudes falantes de português, mas bem longe de Portugal…
Os métodos para tentar influenciar ou condicionar árbitros eram muitos e, se agora recordados, pareceriam arcaicos, em face da evolução tecnológica que tudo facilita e torna ainda mais fácil e imediata a identificação dos seus autores e os seus objetivos imediatos.
Aqui chegados, o que se terá passado no balneário da equipa de arbitragem do estádio do Dragão, ao intervalo do jogo entre FC Porto e Sporting de Braga, por tão básico e ridículo, fez-me voltar atrás no tempo e rever na mente posturas sem sentido, e que, a maioria das vezes, se tornavam, no final, mais penalizadoras para os seus autores do que o benefício inicialmente pensado pelos mesmos.
Alguém, com o mínimo bom senso, terá pensado, no universo comunicacional dos dragões, que a colocação, em loop, de uma jogada de eventual falha da equipa de arbitragem, na primeira parte do jogo, iria influenciar a atuação da equipa chefiada por Fábio Veríssimo no que faltava disputar da partida?
Alguém com razoável sentido de responsabilidade terá pensado que a situação não seria obviamente reportada, motivo de anotação no relatório do jogo e posterior procedimento disciplinar?
O que daqui resulta é algo ridículo para o próprio FC Porto, que adensa ainda mais uma postura completamente ultrapassada, no futebol de alta competição, ao emitir um comunicado com considerandos sem sentido, e reportando-se a eventuais momentos passados, com o mesmo árbitro como eventual protagonista. Se alguma irregularidade tivesse sido detetada na deslocação do conjunto portista ao recinto do Arouca, deveria ter sido de imediato objeto de participação às entidades competentes, avançando por aí a repulsa e contestação azul e branca ao juiz de Leiria e à sua equipa.
Isso não sucedeu, mas acabou por servir de base de argumentação para a emissão de uma nota oficial que roça o ridículo, pelos termos, pelos argumentos, e por se tratar de um recurso a uma pressão inócua e injustificada. Ao fim e ao cabo, o comunicado do FC Porto apenas reforça a postura inqualificável registada com as imagens no monitor da cabine da equipa de arbitragem, ao intervalo do jogo do Dragão.
Conheci André Villas-Boas há 23 anos. O atual presidente portista era olheiro do clube, e recebi-o em Ponta Delgada, na semana anterior da visita do Santa Clara (sendo eu Diretor de Comunicação do clube) ao estádio das Antas, num jogo, de resto, que acabaria por ditar a conquista do título pela equipa então orientada por José Mourinho.
André era uma espécie de enfant terrible, altamente qualificado e muito ambicioso. Uma rising star do universo azul e branco, como me foi dito, na altura, por Antero Henrique e por Reinaldo Teles. A sua maneira de ser catapultou-o, com total mérito, para uma carreira ascendente como treinador, culminada com consulados técnicos em emblemas de muito prestígio no mundo do futebol.
A «cadeira de sonho» como treinador do FC Porto deu depois lugar à luta direta com Jorge Nuno Pinto da Costa por um cadeirão como Presidente. Mas os métodos parecem ter permanecido. A história narrada por Fábio Veríssimo no relatório do FC Porto-SC Braga só penaliza os dragões e demonstra as velhas centralidades de uma luta que não pode ter respaldo em nenhum palco do futebol português.
Se o túnel de ligação entre o balneário visitante do antigo estádio das Antas e o relvado era tenebroso, pela escuridão e apertada dimensão, o balneário da equipa de arbitragem do Dragão tem de ser imaculado e incólume a estas ultrapassadas e quase ridículas tentativas de pressão.
Sabemos muito bem que os túneis de ligação e os espaços comuns entre vestiários e relvado são muitas vezes encarados para pressões de todo o tipo (as de Rui Costa sobre Tiago Martins, na Luz, constituem o mais acabado exemplo do que não deve suceder, em circunstância alguma).
O problema é que os dirigentes do futebol português parecem ainda não ter ultrapassado alguma síndrome doentia de tentar esconder insucessos ou momentos menos conseguidos, fazendo dos árbitros e de outros agentes (jornalistas incluídos), bodes expiatórios.
Depois queixem-se de que o país está ainda a anos-luz de respeitar, verdadeiramente, a indústria do futebol e os seus legítimos protagonistas…