João Pinheiro, árbitro internacional português de 37 anos - Foto: MIGUEL NUNES
João Pinheiro, árbitro internacional português de 37 anos - Foto: MIGUEL NUNES

O que une Pinheiro e Machado…

Livre e Direto é o espaço de opinião semanal de Rui Almeida, jornalista

Gosto de histórias de desapego pessoal, resiliência, luta por objetivos, ultrapassagem de dificuldades. E gosto, sobretudo, quando os protagonistas são humildes, vão ao fim do mundo para serem felizes, reagem às adversidades como se isso fosse a verdadeira poção mágica para novos momentos de superação, de motivação, de lição superior que os guia até ao próximo desafio.

João Pinheiro, português do concelho de Barcelos (haverá concelho mais português do que o berço do galo que encanta gerações e marca uma imagem do país além-fronteiras?), escolheu a arbitragem de futebol para exponenciar a sua paixão pelo desporto, e pelo jogo de onze contra onze em particular.

Subiu a pulso todos os degraus de uma hierarquia de múltiplas complicações e escolhos: pela dificuldades do mister em si, pelos desafios físicos, técnicos e psicológicos que encerra, pela concorrência — por vezes desmesurada — pelas justiças e injustiças de uma atividade de avaliação pública sistemática, muitas vezes injusta e aumentada pela emergência das redes, das conclusões precipitadas, dos insultos (a maioria das vezes perpetrados por cobardes anónimos, e que nem sequer sabem quantas são as leis do futebol).

O João foi crescendo na arbitragem de futebol, e conseguiu as insígnias da FIFA, o que significa ser dos melhores no seu país. Mas foi mais longe: é, hoje, um dos 25 árbitros do grupo de Elite da UEFA, e um dos (apenas) 16 que, do velho continente, podem ser nomeados para a fase final do próximo Mundial, nas Américas do Norte e Central.

Fá-lo através de irrepreensíveis apresentações no estrangeiro, e de muito boas atuações no país. Erra, como todos os grandes árbitros. Lembro-me de Sergio Gonella, o italiano que dirigiu a final do Mundial de 1978, entre a Argentina e a Holanda. Ou de Romualdo Arppi Filho, na Cidade do México, em 1986. Ou ainda, sem ser na final, mas num jogo decisivo, de Roberto Rosetti, o italiano que hoje preside à Comissão de Arbitragem da UEFA, no Mundial de 2010, na África do Sul. Algo comum? Todos cometeram erros, todos reagiram, todos souberam ter a capacidade de arbitrar no dia seguinte, ainda melhor do que faziam antes.

Pinheiro é desses: forte psicologicamente, excelente física e tecnicamente, e magnífico a aplicar a 18.ª Lei do Futebol, a tal que, não estando escrita, é essencial na compreensão e na passagem à prática, perante túneis, bocas, ameaças, encontrões, beliscões e palavrões: a lei do bom senso, apenas ao alcance de quem, verdadeiramente, ama o que faz e compreende perfeitamente todo o ecossistema de interesses cruzados que enquadra uma partida ou uma competição de futebol.

Caráter, esforço, dedicação, resiliência e uma extraordinária capacidade de reação às adversidades: é aqui que o João e a Mariana são exatamente iguais. Pinheiro e Machado também partilham a genética minhota de antes quebrar que torcer. Um hino às origens e um desafio aos destinos.

Mariana Machado tem, claro, apelido e genes de campeã. Comunica como poucos, nas redes sociais, arregimentando um número muito significativo de seguidores, e mostrando como uma campeã pode (e deve) ser simples e grata, como Mouzinho da Silveira escreveu, quando determinou que gostaria de ser sepultado na ilha do Corvo: «Gosto da ideia de, depois de morto, estar rodeado de pessoas que, em vida, se atreveram a ser simples e gratas.»

A Mariana, no Europeu de corta-mato do último fim de semana, na algarvia Lagoa, não chegou onde queria, naquela corrida. Mas foi o que sempre tinha sido antes: uma Senhora na reação, no encarar a realidade como fruto e consequência, e, no dia seguinte, já estava no seu hospital (em Braga), a estudar para ser pilar de saúde para o seu semelhante, e no ginásio ou no estádio 1.º de Maio, a treinar até ao limite para conseguir amanhã o que tem sempre semeado na sua vida desportiva.

É esta dimensão quase paranormal que define os eleitos, os campeões do desporto e da vida. A cada momento, um desafio, que eles próprios pretendem maior e mais complexo que o anterior. A cada respiração, uma tomada de decisão em menos de uma respiração, cujo resultado pode moldar a glória ou sustentar o desapontamento.

Um campeão, na vida e no desporto, define-se e reconhece-se por uma palavra apenas: superação. Permanente, transversal, redonda, frontal, envolvente.

Nunca se reconhecerá pelos milhões na conta bancária ou pelas festas em que participa. Nunca pelos soundbites ou pela boa imprensa, que tantas vezes catapulta reis nus para o pedestal do dia a dia.

Um campeão reconhece-se quando os problemas apertam e as opções aparecem na esquina das carreiras. Quando é preciso seguir em frente, ainda que muitos critiquem e tantos outros, no conforto do ar condicionado, por trás de ignorâncias ou teclados, torçam o nariz e desbastem palavras ocas.

O João e a Mariana são portugueses, minhotos, e são exceções nas suas atividades. São cartões de visita de um país tão ingrato quanto oportunista.

Que continuem a ultrapassar fronteiras, a quebrar barreiras e a mostrar que, quando se ama o que se faz e quando de luta pelo que se quer, não há penáltis que resistam ou corta-mato que nos impeça.

Cartão branco
Será dos portugueses mais entendidos nos bastidores do futebol internacional. E dos de maior sucesso, seguramente. Luís Campos, na sombra, é o homem do leme do PSG. Permanentes lições de estratégia, de gestão e de coordenação de um clube milionário, com mentes tão brilhantes quanto difíceis de unir nos metros quadrados de um balneário. Quanto mais de projetar para conquistas… Fez isso e muito mais, o português-sombra de Luis Enrique e dos campeões franceses e europeus, vice-campeões mundiais e, agora, vencedores da Taça Intercontinental. Luís Campos não merece o mundo: ele é o Mundo para uma geração de vencedores.
Cartão amarelo
Deixar um clube sem derrotas, por motivos pessoais, e, nos dias seguintes, assumir a condução de um dos clubes rivais, parece sair de um argumento de novela de baixo custo. Mas não. Foi José Morais, um treinador português, a protagonizar esta impensável situação, no Golfo Pérsico. Morais é um técnico muito experiente e decerto terá razões que a própria razão desconhece. Mas, para a opinião pública, a imagem deixada é, no mínimo, estranha, e não abona a favor de um dos treinadores portugueses com rodagem e mais mundo…