Ruben Amorim, treinador do Manchester United
Ruben Amorim, treinador do Manchester United - Foto: IMAGO

O curioso caso de Ruben Amorim

'Verde à vista' é o espaço de opinião de Carmen Garcia, enfermeira, sportinguista e autora do blogue 'Mãe Imperfeita'

Atribui-se normalmente a Confúcio a frase que diz que «o maior erro que se pode cometer na vida é o de ter medo de cometer erros». Não sei, de facto, se o famoso filósofo chinês é o verdadeiro autor desta frase, mas sei que a maioria das pessoas que conheço tende a concordar com ela. Em Portugal, aliás, temos um provérbio que acaba por fazer eco desta filosofia. Afinal, quem de nós nunca disse que «quem não arrisca não petisca»?

Ruben Amorim, quando disse sim ao Sporting, utilizou uma frase que viria a tornar-se uma espécie de marca pessoal e que resume bem esta filosofia de não temer o risco. «E se corre bem?», perguntava então o treinador. E a verdade é que correu.

Ruben chegou ao Sporting sem esconder de ninguém — até porque, devido ao seu histórico, seria impossível fazê-lo —, a sua paixão pelo rival do outro lado da segunda circular. Mas a sua postura de total sinceridade desde cedo conquistou os sportinguistas que pagaram para ver. E que prazer que isso representou para cada um de nós.

Ruben Amorim, num casamento mais que perfeito com a Direcção e estrutura do clube, devolveu-nos o Sporting. A alguns de nós, aliás, deu-nos aquilo que nunca tínhamos experimentado sentir. Embrulhado em classe, o jovem treinador deu-nos um Sporting ganhador e tirou-nos o medo. Sim, eu ainda me lembro bem de tremer antes dos jogos com os nossos rivais mais diretos e de pensar que um empate já seria um bom resultado. Tive, durante vários anos, a síndrome do leão que vê um gato na sua sombra e foi Ruben Amorim quem me levou esses medos embora.

Ruben, digam o que disseram, mudou o Sporting. Não concordo com quem diz que deu ao clube uma nova identidade porque aquilo que ele fez foi muito mais importante do que isso: não nos dando uma identidade nova, relembrou-nos da nossa. Com Amorim voltámos a lembrar-nos das palavras «tão grande como os maiores da Europa» e perdemos o medo. Voltámos, todos os sportinguistas, a acreditar que era possível. E foi.

Na época 2020/2021 vimos quebrar um jejum de dezanove anos que parecia querer eternizar-se. Em 2023/2024 repetimos o feito. Pelo meio ainda vieram uma Supertaça e três Taças da Liga. E na época 2024/2025, o Sporting arrancou de forma extraordinária com vitórias consecutivas e uma equipa tão perfeitamente oleada que acabámos por nos esquecer totalmente de qual era o sabor da derrota. Mas o legado de Amorim era já maior do que apenas os resultados. O ambiente no balneário, a extraordinária comunhão com os adeptos, bem visível a cada jogo, a classe com que sempre lidou com a imprensa… Tudo isto fazia com que o treinador gravasse de forma indelével o seu nome nos corações dos sportinguistas.

No pódio
O que é esta equipa de andebol do Sporting, meu Deus? Alguém consegue explicar? Jogadores experientes perfeitamente combinados com jovens talentos, um jogo rápido e brutalmente intenso, uma mentalidade forte e ambiciosa. Tudo o que há de bom no desporto está ali condensado e é verdadeiramente um prazer ver jogar esta equipa que, no passado sábado, venceu o Benfica por 42-32 e deu um verdadeiro espectáculo num João Rocha onde o ambiente foi para lá de memorável.

Até que, um dia, o jogo virou. No auge da popularidade e num ciclo de extraordinários resultados caiu a bomba: Amorim estava de partida para o Manchester United.

Reparem, nenhum sportinguista era ingénuo ao ponto de pensar que isto não iria acontecer, mas creio que todos tínhamos a esperança de manter o treinador até ao final da época. Infelizmente isso não aconteceu e, debaixo de uma extraordinária ovação e de uma gratidão que se conseguia palpar no ar, Amorim deixou o Sporting e rumou a Inglaterra. E foi aqui que começou o seu calvário.

O Sporting, com uma fase mais periclitante às mãos de João Pereira, acabou por se reorganizar com a chegada de Rui Borges e fez o bicampeonato e a dobradinha. Mas Rúben Amorim tem estado longe da felicidade que experimentou em Alvalade.

«E se corre bem?», deve ter-se questionado Ruben. Até agora, infelizmente, não tem estado a correr.

A estreia do treinador português na Premier League foi com um empate frente ao Ipswich e o desempenho do Manchester United de Amorim, desde aí, tem sido tudo menos consistente. Chegou a dizer Ruben, após uma derrota com o Brighton, que aquela era «a pior equipa da história do clube» e, quase que como para confirmar as suas palavras, o United acabou a época sem qualquer troféu. A equipa, verdade seja dita, ainda deu um ar de sua graça na Liga Europa. Ruben Amorim ganhou fôlego e os adeptos esperança, mas a derrota contra o Tottenham na final depressa fez com que o remanescente do encantamento se evaporasse.

Esta época que agora começou, ao contrário do que todos esperávamos, não está a ser melhor do que a anterior, apesar de já ter sido preparada pelo treinador português e do enorme investimento feito. Quatro pontos em quatro jogos, a eliminação da Taça da Liga contra o Grimsby Town — numa época em que, recordemos, o clube não disputa competições europeias e em que, por isso, as internas se revestem de particular importância — a derrota por 3-0 contra o rival City… O United de Amorim está em 14.º lugar na tabela classificativa e, pela inconsistência que tem demonstrado, ninguém acredita que de lá saia tão cedo.

Amorim insiste na sua estratégia. Diz que o problema não é a técnica, mas a inadaptação de jogadores. E ninguém sabe quanto mais tempo a Direcção e os adeptos do clube vão aguentar esta cantiga. Acho que todos sentimos, Ruben Amorim incluído, que o relógio entrou em contagem decrescente e que só uma espécie de milagre o vai conseguir parar. Às vezes, ao olhar para o português, sinto que ele já deitou a toalha ao chão apesar de não o admitir ainda.

Ruben arriscou tudo para descobrir que a distância entre o céu e o inferno é de exactos 1720 km em linha recta que é, exactamente, a distância que separa Manchester e Lisboa.

Na bancada
Escrevi, na semana passada, sobre o que estava a acontecer na Vuelta e mostrei de forma clara a minha preocupação com o tema: derrubar ciclistas que circulam a mais de 50Km/h nunca pode ser uma forma legítima de manifestar indignação pelo que está a acontecer em Gaza — um ciclista espanhol de 26 anos acabou mesmo por ter de desistir da prova na sequência das lesões provocadas pela queda. Mas mesmo quando escrevi sobre o assunto, estava longe de imaginar o caos que aconteceu no último domingo, em Madrid, onde protestos violentos causaram ferimentos em vinte e dois agentes da Guardia Civil e o pânico entre centenas de famílias que só pretendiam assistir ao final da histórica prova. Com a cancelamento da etapa, provocado pelos tumultos, não houve pódio final da etapa e os atletas acabaram por subir a um pódio improvisado com geleiras, já durante a noite, num parque de estacionamento. Assim mesmo, sem a glorificação pública que deveriam ter recebido. Mereciam muito melhor Jonas Vingegaard, João Almeida e Tom Pidcock. Mereciam muito melhor os espanhóis. Mereciam muito melhor todos os amantes de ciclismo.

E para terminar como comecei, deixem-me usar novamente uma citação, desta vez de Henry Ford, que diz que «o fracasso é apenas a oportunidade de recomeçar de forma mais inteligente». Talvez, para Ruben Amorim, o recomeço seja agora o único caminho. Eu, como sportinguista, só espero que ele não decida fazê-lo de águia ao peito. Porque por muito racionais que tentemos ser, essa mudança seria sempre sentida como uma facada no coração dos sportinguistas. E por tudo o que Amorim fez pelo Sporting, mas também por tudo o que o Sporting deu a Amorim, nenhum dos lados merece experimentar o sabor dessa traição.