«No stress!» Cabo Verde conquista o mundo para «inspirar a Nação a sonhar»
A bandeira que abraça o corpo de aparência frágil de Calu instantes antes do início do jogo da vida de Cabo Verde, claramente, já viveu melhores dias. Já foi daquele azul vivo que tantas camisolas ali à volta exibem orgulhosamente. Mas por alguma razão foi aquela velha bandeira, desbotada pelo sol, que o cabo-verdiano decidiu trazer para o dia que pode dar um brilho jamais visto ao futebol do país lusófono.
Calu é um dos mais de 40 adeptos de Cabo Verde que vai ver o jogo no Mercado de Algés, onde se vão reunir alguns funcionários da Embaixada do país em Portugal, para assistir ao jogo que pode dar o apuramento inédito do país africano para um Mundial.
«Esta bandeira já viveu muitas batalhas», limita-se a dizer perante a troça de alguns dos que o veem chegar com o objeto tão gasto pelo tempo.
O 5 de julho e, agora, o 13 de outubro
Pouco mais de três meses depois de ter celebrado, no dia 5 de julho, os 50 anos da independência, Cabo Verde festejou o dia em que conquistou o mundo. 13 de outubro é data para ficar na memória de todos os cabo-verdianos. Afinal, foi o dia em que se tornou no segundo país mais pequeno de sempre a apurar-se para um Campeonato do Mundo.
Mas à festa dos pouco mais de 500 mil habitantes das 10 ilhas do arquipélago têm de se juntar quase o dobro dos que estão espalhados em todo o mundo, como aqueles com quem A BOLA assistiu ao momento histórico em que uma vitória por 3-0 sobre Essuatíni valeu o apuramento para o Mundial que no próximo ano se realiza nos EUA, México e Canadá.
«No stress». Cabo Verde é «No stress». É quase lema do descontraído povo cabo-verdiano. Mas não é quando a seleção está tão perto de um sonho que até há bem pouco tempo parecia tão distante.
Durante toda a 1.ª parte, a tensão e a ansiedade tomam conta de toda a gente. Mas logo a abrir o segundo tempo, é um Livramento. O golo de Dailon no Estádio Nacional de Cabo Verde faz soltar a festa no Mercado de Algés. E depois, celebra-se. Volta a celebrar-se. E festeja-se à grande. Cada um dos três golos e o apito final que confirma a concretização do sonho de todo um povo.
Jonathan Vieira é um dos mais abraçados. Porque ele agora partilha o dia de anos com um dia de tanta felicidade com o país que o viu nascer. «Não podia pedir melhor prenda para o meu 34.º aniversário. É um dia de dupla celebração. Cabo Verde é um pequeno país, mas uma grande Nação. A diáspora e o país estiveram todos unidos para festejar este grande momento», atira, ainda emocionado.
«Para um pequeno país como o nosso triunfar, o trabalho tem de ser intenso. E foi isso que os jogadores fizeram, mostrando uma grande maturidade. Esta conquista retrata muito aquilo que tem de ser o nosso trajeto: marcado por muito trabalho e competência. O Campeonato do Mundo de futebol é um dos mais importantes eventos do desporto e vai aumentar a dimensão de Cabo Verde. Este momento deve inspirar o país para sonhar com coisas grandes. Temos uma diáspora enorme de um país pequeno em dimensão, mas grande em ambição», acrescenta.
«Isto vai dar fôlego aos nossos jovens»
No meio da euforia, Ana Pires também não se contém na hora de celebrar. Salta, abraça muitos, é abraçada por muitos outros, e até entra no comboiinho que se forma minutos depois do apito final. É a Ministra Plenipotenciária, a atual figura mais alta da Embaixada de Cabo Verde em Portugal. Mas «no stress». O feito não é para menos.
«Este é um sonho que há muito tempo era esperado por muita gente e que agora se consagrou. Estamos todos muito felizes», comenta, apontando a importância social que uma conquista desta dimensão pode ter para um país cuja população vive, na sua maioria, com bastantes dificuldades.
«Isto significa muito para Cabo Verde porque somos um país pequeno em dimensão, mas de coração grande. Este feito pode dar um grande fôlego aos nossos jovens para investirem em si próprios. Porque independentemente de sermos pequenos, e de virmos de um país sem recursos naturais, mostramos muita resiliência e vontade de vencer», orgulha-se.
Um orgulho pela conquista dos Tubarões Azuis que sabe ter eco um pouco por todo o mundo. O que aumenta as ondas de felicidade. «Temos mais de um milhão de cabo-verdianos fora do país, por isso a festa está a ser feita um pouco por toda a diáspora e por toda a lusofonia, certamente também», nota.
No final da festa, Calu recolhe, com carinho, a velha bandeira. E fala-nos dela. «Ela já apanhou muitos ventos e muito sol. Era a bandeira que costumava estar no estandarte da embaixada, mas ficou velha e perdeu a cor, por isso foi substituída. Agora vou guardá-la ainda com mais carinho por ter estado também na festa da nossa seleção, e vou levá-la novamente para Cabo Verde», confidencia.
E apesar do desbotado do objeto, o motorista da embaixada vê um futuro cheio de cor. E através do futebol, cheio também de bandeiras resplandecentes. «Cabo Verde está a florir. Aparece sempre mais uma flor. E vão aparecer mais bandeiras, de certeza. Com a luta, vão ficar com mais desgaste, como esta bandeira. Mas este é um desgaste de orgulho. O desgaste da luta do povo de Cabo Verde».
Um povo que agora festeja o fruto de uma intensa luta. Que festeje. Pelo menos tanto quanto lutou.
Artigos Relacionados: