Rui Pires fez a formação nos dragões e chegou a treinar com a equipa principal

«Não guardo rancor por não ter jogado na equipa principal do FC Porto»

Na segunda parte da entrevista, Rui Pires fala dos golos que (talvez) marcou a Iker Casillas no FC Porto, da Seleção que capitaneou até à final de um Europeu e da curiosa ligação que tem ao Tottenham. Destino Aventura é a rubrica em que A BOLA dá a conhecer jogadores e treinadores espalhados pelos cantos mais remotos do mundo.

— Vamos recuar 10 épocas, até 2015/16, quando foi campeão de juniores pelo FC Porto.

— Bem, já passaram 10 anos, nem eu sabia [risos]. O tempo passa rápido.

— Como é que olha para essa época em que foi campeão ao lado de jogadores como Diogo Costa e Diogo Dalot?

— Foi um ano espetacular. Sim, o Diogo e o Dalot, já na altura, via-se que eles iriam ter um grande futuro. Eu também esperava que muitos outros pudessem ter, mas eles são os dois que estão ao mais alto nível. E sim, dessa época, guardo grandes memórias. Ser campeão nacional pelo clube do nosso coração, apesar de ter sido nos juniores, foi incrível, porque eu fiz toda a formação no FC Porto. E foi no meu... eu era júnior no primeiro ano, depois subi para a equipa B de seguida. Por isso, foi já no final da formação e foi um sentimento espetacular ser campeão com o FC Porto.

— Ainda fez duas épocas na equipa B, nunca se estreou na formação principal, mas chegou a treinar com ela?

— Eu ainda era júnior de primeiro ano e foi o míster Luís Castro que me estreou, na equipa B. E sim, também fui treinar várias vezes, porque muitas vezes os jogadores da equipa B tinham a oportunidade de treinarem, quando havia paragens de seleções, éramos chamados para treinarmos com a equipa principal. Eu fui treinar várias vezes. Estive tanto com o míster Nuno Espírito Santo como com o míster Sérgio Conceição várias vezes, mas não consegui ter a oportunidade. Claro que era um sonho desde criança que eu tinha, de chegar à equipa principal. Mas pronto, não consegui ter a oportunidade e não guardo rancor nenhum, porque o FC Porto foi a equipa que me deu tudo. Toda a minha formação foi lá, por isso só tenho de agradecer ao clube e a toda a estrutura.

— Como é que foi a primeira ida ao balneário da equipa do FC Porto?

— A primeira vez que fui treinar [à equipa principal], lembro-me que foi com Nuno Espírito Santo. Não houve qualquer tipo de praxe porque os jogadores da equipa B, na altura, quando íamos à equipa principal, nem sequer entrávamos no balneário da equipa A. Nós esperamos sempre que os jogadores entrem para o campo e nós também íamos ao mesmo tempo. Sempre foi especial estar ao lado de grandes jogadores, como na altura eram o Yacine Brahimi, o Jesús Corona, o Iker Casilhas, jogadores que tu vias na televisão e depois estás ali a treinar com eles, era sempre especial, sentia-me muito bem, era desfrutar do momento.

— Marcou algum golo ao Casillas nos treinos?

— Já não me recordo, mas certamente devo ter marcado. Em exercício de finalização, mas já não me recordo muito bem.

— Porque decidiu ir para o Troyes, na 2.ª divisão francesa, após sair do FC Porto B?

— Já estava na equipa B há algum tempo e sentia que era o momento de sair do FC Porto. Não tive a oportunidade de jogar na equipa principal, então senti que era o momento para sair. Tive várias abordagens mesmo da Primeira Liga em Portugal, mas preferi dar este passo, apesar de ser uma segunda liga, porque o projeto que me foi apresentado também era um projeto muito bom, um projeto de subida.

— E que resultou na conquista do campeonato, em 2020/21.

— Resultou, claro, e financeiramente também era melhor do que as abordagens que eu tinha em Portugal, apesar de ser uma segunda liga, mas já se sabe que lá fora, financeiramente, as coisas são um pouco diferentes. Eu quis entrar nessa aventura, era um mercado novo, o diretor desportivo era português, na altura o treinador também era português. Depois, quando eu entrei, o treinador tinha saído, mas quando estive em negociações com eles, o treinador também era português. Por isso, foi outra aventura, gostei muito de ter estado em França.

— Quero fazer duas perguntas sobre o seu período no Paços de Ferreira, entre 2021 e 2023. Quando chega, faz logo 90 minutos na 2.ª mão daquela famosa eliminatória com o Tottenham, em Londres, na fase de qualificação da Conference League. Por toda a envolvência que tinha, esse é o maior jogo da sua carreira?

— Eu, neste momento, digo que o maior jogo da minha carreira, apesar de ter sido na Ásia, penso que foi a final da Liga dos Campeões 2 asiática, porque é um título internacional, apesar de não ser da Europa, mas é um título internacional e com uma importância gigantesca. Mas sim, claro que esse jogo foi muito especial, porque foi o meu primeiro jogo contra um adversário como o Tottenham, um adversário de nível Champions League, apesar de, nesse dia, estar na Conference. E nós tínhamos ganho a primeira mão 1-0. Sabíamos que ia ser muito complicado, mas estávamos motivados, porque acreditávamos. Mas, claro, são uma equipa muito poderosa e esse jogo também foi muito difícil para nós [o Paços perdeu 0-3]. Mas foi uma grande experiência, jogar num estádio como o do Tottenham, com muita gente, foi espetacular.

— A segunda pergunta sobre a sua passagem no Paços, começa a primeira época a jogar nas competições europeias e acaba a segunda época a descer de divisão: olha para esses dois anos com um sentimento agridoce?

— O futebol, principalmente em Portugal, é uma liga muito competitiva, apesar de as pessoas, muitas vezes, não darem o devido valor. É uma liga muito difícil e nós, na primeira época, fizemos uma época muito tranquila. Não começámos muito bem, mas depois, com o míster César Peixoto, fizemos uma época muito tranquila, estivemos muito bem. E, na segunda época, as coisas... houve muitos jogadores que saíram na altura. Havia muitos jogadores em final de contrato e mudou-se muito a nossa equipa. E, em Portugal, todos sabem que quando se troca assim de jogadores, por vezes é complicado e aconteceu-nos isso. Depois entra-se naquela maré de não ganhar e as coisas são como uma bola de neve. Parece que acontece tudo. Nesse ano aconteceram muitas coisas que foram complicadas, mas temos de olhar para os pontos positivos, é sempre uma aprendizagem. Foi um ano difícil, mas foi um ano de muitas aprendizagens para mim e para todo o grupo. 

— Foi capitão de Portugal no Europeu de sub-19 em 2017, a equipa que tinha jogadores como Diogo Costa, Dalot, Rafael Leão e Florentino chegou até à final, mas perdeu com Inglaterra. Foi um torneio curto, mas imagino que tenha impactado para sempre a sua carreira.

— Representar a Seleção Nacional é uma coisa única e nós chegámos tão longe, foi um Europeu muito especial. Correu muito bem, eu acabei o Europeu no onze ideal do torneio, por isso foi algo muito bom. Na altura tive várias propostas para sair, mas claro que o FC Porto, como eu era jovem, tínhamos sempre a esperança de jogar na equipa principal e acabei por ficar. E guardo grandes memórias. Nós tínhamos uma equipa muito forte na altura, com grandes jogadores, que hoje em dia também estão a um alto nível, foi muito especial.

— Qual foi a derrota que custou mais, essa na final do Europeu, ou a da final da Liga dos Campeões 2 asiática?

— É muito difícil, não há uma derrota que custe mais ou menos. As duas foram muito complicadas. Por vezes nós perdemos e temos aquele sentimento de que os outros foram melhores. E nessas duas finais, pessoalmente, não tive esse sentimento, por isso ainda custa mais saber que podíamos ter ganho. Mas a verdade é que também chegámos ao final do jogo e o sentimento de que fizemos tudo é o melhor sentimento, porque se chegássemos ao final do jogo e pensássemos que podíamos ter dado um pouco mais, aí seria complicado. Por isso, quando estamos de consciência tranquila, apesar de ser muito difícil perder, mas se estamos de consciência tranquila, custa um pouco menos. Claro que se demora vários dias assimilar a derrota, mas o futebol é mesmo assim, por isso, é seguir para a frente.

— Consegue identificar o treinar que mais marcou a sua carreira?

— Na formação do FC Porto, especialmente, tive muitos treinadores de qualidade. António Folha, Luís Castro, Raúl Costa, Nuno Batista, Nuno Pimentel, Vítor Matos, que agora começou a carreira como treinador no Marítimo. Tive muitos treinadores que me marcaram e que foram essenciais para a minha formação, não quero estar a nomear nenhum. O míster João Brandão também. Por isso, estes nomes que mencionei foram muito importantes em toda a minha formação e o que sou hoje é muito graças a eles, porque cresci muito no FC Porto, desde miúdo, por isso só tenho de agradecer a todos eles.

— Tem o objetivo de um dia voltar a jogar em Portugal?

— Sim, claro, no futebol nunca podemos descartar nada. Neste momento já vou para o meu terceiro ano aqui em Singapura. Gostava muito de continuar por aqui, pela Ásia, porque estamos a gostar muito de estar neste lado do mundo e a desfrutar, mas claro que nunca podemos dizer que não a qualquer oportunidade e estamos sempre abertos ao que apareça.