Recordações de Pinto da Costa: «Muito me achincalharam naquela noite...»
«Largos dias têm cem anos, professor»
Um dia, em abril de 1976, Pinto da Costa reuniu-se no café Orfeu José Maria Pedroto, Hernâni Gonçalves e Valentim Loureiro e ainda um pequeno grupo de amigos comuns: «Estavam todos a troçar do FC Porto. Tínhamos perdido jogo em casa contra equipa de segundo plano, ao passo que o Boavista se mantinha em segundo lugar no campeonato, com grandes exibições. Como se não bastasse, o FC Porto perdera, na véspera, precisamente para o Boavista, a possibilidade de adquirir o passe do Albertino, talento que despontava no Leixões. Muito me achincalharam naquela noite. Até que, por volta das duas da manhã, me levantei da mesa e Hernâni Gonçalves, talvez o mais comedido do grupo, me perguntou: ‘Então, Jorge Nuno, não diz nada?’ — e eu respondi: ‘Largos dias têm cem anos, professor’. Fixem esta frase. Na manhã seguinte, depois de noite mal dormida, encontrei-me com o doutor Américo de Sá, que me tinha convidado para diretor do futebol e a quem eu tinha dito que não, e afirmei que alterava a minha resolução. Ele perguntou-me o que se tinha passado para eu ter mudado de ideia; eu narrei-lhe o episódio da véspera e disse: Temos de alterar isto e vai ser agora…»
Outubro de 1975
«Quer ser nosso treinador para o ano?»
Dois dias depois de uma conversa no café Orfeu, Pinto da Costa marcou encontro com José Maria Pedroto. «’Quer ser nosso treinador para o ano?’, atirei-lhe de chofre. E ele aceitou. A 30 de janeiro de 1976, embora ainda estivéssemos a meio da época, o Pedroto era treinador do FC Porto. E passámos horas a planear tudo, ao mais ínfimo pormenor. E acreditámos cegamente que iríamos ter êxito…»
Janeiro de 1976
A entrada no futebol
Ainda com Américo de Sá como presidente do FC Porto, em 1976, deu-se a total integração de Pinto da Costa no futebol profissional como chefe do departamento. A sua primeira decisão é contratar Pedroto. Para isso, teria de convencer os sócios, em Assembleia Geral, a levantarem a interdição do treinador para voltar ao clube.
Abril de 1976
O primeiro troféu
Logo nesse ano, com a reunião de Pedroto e Pinto da Costa, voltaram os títulos: nove anos depois da última vitória na Taça de Portugal (1967/68, 2-1 ao V. Setúbal, com Pedroto como treinador), triunfo na segunda prova mais importante do calendário nacional, batendo o SC Braga por 1-0. E a sua primeira contratação foi a de Joaquim Torres, guarda-redes do V. Setúbal.
Junho de 1976
Primeira declaração: Teófilo Cubillas
«As boas relações existentes entre o internacional Teófilo Cubillas, o Peru e o FC Porto acabarão por encontrar uma solução que agrade aos três sem prejuízo para o clube que mantém o atleta», declarou Jorge Nuno Pinto da Costa, chefe do departamento de futebol profissional do FC Porto, no final do jogo europeu com o Schalke 04. A seleção peruana solicitava a presença do médio nos jogos de qualificação para o Campeonato do Mundo de 1978, na Argentina, o FC Porto estava interessado em manter o jogador em Portugal, mas importante não foi a declaração, antes quem a proferiu. Foi a primeira declaração oficial de Pinto da Costa enquanto homem ligado ao futebol do FC Porto.
Setembro de 1976
Telegrama do Governo?!
Em 1977/1978, entre os dois jogos com o Manchester United para a Taça das Taças, surgiu uma das primeiras declarações mordazes de Pinto da Costa. O chefe do departamento de futebol profissional do FC Porto, então com 39 anos, começou a revelar, no final da vitória por 4-0 nas Antas, a capacidade de ironizar que o celebrizaria: «Ao eliminarmos o Manchester, talvez o Governo nos envie um telegrama de felicitações…» Os dragões tinha perdido em Old Trafford por 2-5, seguiram em frente, mas telegrama não houve…
Setembro de 1977
Infortúnio frente ao Benfica
Após o empate nas Antas entre FC Porto e Benfica (1-1), da jornada 28 de 1977/1978, que quase entregava o título aos dragões, Américo de Sá e Pinto da Costa falaram aos jornalistas. «Já levo seis anos de presidência do clube e nunca sofri tanto num jogo como neste. Ganhar este jogo nem sequer era prova certa da nossa política administrativa, pois estar até agora a lutar pelo titulo, já era», referiu Américo de Sá. O diretor do departamento de futebol profissional acrescentou: «O infortúnio perseguiu-nos. O resultado foi injustíssimo para a nossa equipa.»
Maio de 1978
Finalmente campeão
Após 19 anos de jejum, o FC Porto volta a ser campeão nacional de futebol, batendo o Benfica através da diferença de golos (81-21 contra 56-11), pois terminaram a época com os mesmos pontos.
Junho de 1978
Pedroto e os vastos conhecimentos sobre futebol
A seguir à conquista do bicampeonato em 1979, Pinto da Costa decidiu deixar um estudo para a Direção de Américo de Sá analisar: «A experiência de três anos e meio à frente do departamento de futebol profissional do FC Porto terão me dado alguns conhecimentos que poderão ajudar a Direção que vier para o clube a debruçar-se sobre o problema. Isto não quer dizer que ela tenha que seguir os meus conselhos e que não possa, pura e simplesmente, arquivá-los no cesto dos papéis. O futuro treinador terá de continuar a ser, quanto a mim, José Maria Pedroto porque tem todas as qualidades e os vastíssimos conhecimentos sobre todo e qualquer problema do futebol, por mais insignificante que possa parecer. Depois, depositamos toda a esperança no nosso próximo aparecimento na Taça dos Campeões Europeus. No ano passado, fomos eliminados por mero acidente. Hoje, a nossa equipa tem maturidade e personalidade que julgo nos permitem encarar qualquer adversário e tentar eliminá-lo. Esta época poderá significar, se as coisas nos correrem como há dois anos, a entrada definitiva na alta roda do futebol europeu.»
Junho de 1979
«Não farei parte da nova gerência»
A 11 de maio de 1980, após o empate (1-1) na receção ao Sporting, que mantinha o FC Porto na frente da classificação, Pinto da Costa afirmava que não ia continuar em funções: «Vincámos superioridade nítida, que só não concretizámos nos golos que merecíamos. Umas vezes por manifesta pouca sorte, caso das bolas a trave, outras pela atuação valorosa e feliz de Vaz. Continuamos a ser a única equipa que não precisa de pensar no que se passa nos outros campos. Basta-nos ganhar os três jogos que restam. Quanto à minha permanência nos corpos diretivos do FC Porto está tomada a decisão definitiva: não farei parte da nova gerência, embora me mantenha até final. Motivos profissionais não me permitem dispor de tempo para dedicar ao clube, agora cada vez a necessitar mais de elementos com disponibilidade para colaborar.»
Maio de 1980
O verão quente de 1980
À entrada dos anos oitenta, o FC Porto viveu momentos quentes: José Maria Pedroto e Pinto da Costa abandonaram o clube no verão de 1980, depois de a direção de Américo de Sá ter decidido suspender toda a equipa técnica: Pedroto, António Morais, Hernâni Gonçalves e João Mota, na sequência de uma tomada de posição de solidariedade para com Pinto da Costa, entretanto destituído do cargo de diretor do departamento de futebol. Três pesos-pesados saíram: Oliveira para o Bétis, Gomes para o Gijon, Octávio para Setúbal. Após a final da Taça de Portugal de 1980, em que o Benfica derrotou o FC Porto por 1-0 no Estádio Nacional, golo do brasileiro César, Pinto da Costa diz a A BOLA: «A falta de cobertura do Presidente do FC Porto, Américo de Sá, à minha luta contra as forças de Lisboa e eu ter vindo a saber que, cercados por uma multidão enfurecida, na Tribuna de Honra do Estádio Nacional, Américo de Sá confraternizava, por exemplo, com o doutor Martins Canaverde, deputado do CDS e dirigente do Benfica, leva-me a pensar se valerá a pena continuar, quase sozinho, a lutar contra os interesses do centralismo». Américo Sá, também deputado do CDS, critica Pinto da Costa e Pedroto e nasce aí o verão quente nas Antas, com o desmembramento do plantel (Oliveira vai para o Bétis, Gomes para o Gijón e Octávio para o V. Setúbal. Teles Roxo substituiu Pinto da Costa e, em entrevista ao jornal A Bola, comentou assim a polémica: «Tratou-se apenas de substituir um diretor que afirmou não poder continuar e um treinador que sonhava ser escritor. Já houve muitos senhores Pedrotos, já houve muitos Pintos da Costa».
Julho de 1980