«Nós, vitorianos, devemos ter consciência do nível de superação que é preciso ter para podermos ombrear com quem investe o triplo.» Foto Eduardo Oliveira
«Nós, vitorianos, devemos ter consciência do nível de superação que é preciso ter para podermos ombrear com quem investe o triplo.» Foto Eduardo Oliveira

Mensagem de Ano Novo a pensar nos vimaranenses

'Sentido de pertença' é uma coluna de opinião quinzenal da responsabilidade de André Coelho Lima, jurista, empresário e associado do Vitória de Guimarães

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Cabendo-me escrever no dealbar do ano findo, e na alvorada no novo ano, proponho-me partilhar algumas reflexões que, pese embora antecipe a sua inconsequência, me parece oportuno fazer. Porque não obstante alguma desesperança para quem pretende ver o nosso futebol como algo que se cinja ao desportivismo, à competitividade, à bola a rolar no relvado, não podemos baixar os braços e desistir de fazer alguma pedagogia sobre o que ele deveria ser; até que talvez um dia o seja.

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A primeira será sobre o desapontante comportamento dos agentes desportivos: sobretudo treinadores e presidentes. Sem pretender de modo algum ser indelicado com os dirigentes e treinadores desportivos de outros tempos, penso poder ser acompanhado no pensamento de que temos hoje, nos principais clubes nacionais, dirigentes e treinadores de um nível educacional e formação moral assinalavelmente superiores ao que sucedia no futebol português de há uns anos. Estamos, diria, a assemelhar-nos ao que víamos no dirigismo desportivo do resto da Europa. Mas essa circunstância, ao invés de trazer intervenções menos apaixonadas e mais objetivas, tem-nos brindado com um nível de agressividade na análise aos jogos, na promoção da contínua névoa de suspeição que, sinceramente, se em alguma coisa se distingue do que ocorria no passado, é para pior. Com ironia, um amigo disse-me que até consegue compreender que os árbitros decidam sempre a favor dos chamados grandes tal é a pressão que, durante a restante semana, toda a comunicação social faz sobre os erros que prejudiquem esses clubes. Bela reflexão.

É claro que há aqui uma participação enorme das estruturas de arbitragem. Hoje temos VAR, pelo que a disponibilidade para aceitação do erro é, compreensivelmente, menor. No entanto, têm existido erros inacreditáveis, sucessivamente validados pelo VAR, sem qualquer consequência, explicação para a sua ocorrência ou pedido de desculpa. Nada. Talvez as estruturas de arbitragem ainda estejam nos anos 90, mas a verdade é que não é admissível o nível grosseiro de erros de avaliação a que se tem assistido, quando dispomos de todos os meios técnicos ao dispor para os evitar. Voto para 2026: chegar rapidamente ao século 21.

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A última reflexão tem que ver com as diferenças entre os clubes que competem entre si e na vergonha que se antecipa venha a ser a distribuição das receitas televisivas para poder esbater essas diferenças e reforçar a competitividade. Tema a que já me tenho dedicado e a que ainda voltarei. Vem isto a propósito da divulgação do relatório da Sportingpedia sobre os gastos em salários dos clubes das principais ligas europeias, de que A BOLA deu devida nota. É magnífico verificar como em Portugal — e essa peça não foi exceção — se olha rapidamente para a diferença entre os três de sempre e os seus semelhantes nas ligas europeias, aliás, não há quase nenhum jogo em que um desses defronte um gigante europeu e a transmissão televisiva não seja antecedida duma análise exaustiva da diferença salarial entre o clube português em causa e seu competidor inglês, espanhol, alemão, italiano ou francês.

Mas … e será que se esquecem de fazer idêntico raciocínio para as mesmas diferenças em Portugal?? Vejamos:

O Benfica gasta 42,48M€ em salários (19,85% do total do campeonato português) e o Alverca gasta 3,37M€ em salário (1,57% do total). O Benfica gasta em salário treze vezes mais que o clube que menos gasta em Portugal. Poderá haver aqui alguma comparação? É que se virmos a realidade dos campeonatos europeus, bem mais competitivos que o nosso, as diferenças não são desta ordem de grandeza. O que explica muita coisa.

Queria também dedicar um momento desta análise ao meu clube, voltando-me para os que comigo partilham a mesma paixão pelo Vitória.

> O V. Guimarães, com 6,17M€ em salários, é o 12.º clube do campeonato português que mais gasta em salários. 12.º!

> Atrás de Benfica (42,48M€), Sporting (33,18M€), FC Porto (30,91M€), SC Braga (16,5M€), Rio Ave (9,69M€), Estoril (9,51M€), Casa Pia (9,39M€), Famalicão (7,71M€), Arouca (6,45M€), Nacional (6,44M€) e Santa Clara (6,37M€)

> O Vitória tem um dispêndio em vencimentos que é 37% do que gasta o Braga, 20% do que gasta o Porto, 18% do que gasta o Sporting e 14% do que gasta o Benfica; isto sem falar no que estes clubes gastaram esta época contratação de jogadores, se comparado com o que gastou o Vitória.

Queremos milagres? Devemos ter as nossas ambições sempre correspondentes àqueles que são os nossos pergaminhos, mas convém não perdermos adesão à realidade. Isto nunca significa que o Vitória deve esmorecer nos seus objetivos, isto significa que nós, vitorianos, devemos ter consciência do nível de superação que é preciso ter para podermos ombrear com quem, como o SC Braga, investe o triplo para andar nos mesmos lugares classificativos que nós. E analisar isto numa perspetiva de competência. É objetivamente muito mais incompetente quem, com meios incomensuravelmente superiores, consegue resultados não significativamente superiores. E na inversa, mais competente quem com menos, faz mais. Feliz 2026!