Presidente do Benfica optou pela saída do treinador após a derrota com o Qarabag

Lage conta o despedimento: «Dez minutos depois o presidente manda chamar-me»

A derrota com o Qarabag para a Liga dos Campeões ditou a saída do treinador, por decisão de Rui Costa. O setubalense conta agora tudo em entrevista exclusiva

— Vamos olhar de frente para aquilo que se passou nos últimos dias. Queria começar por uma frase que disse quando foi apresentado, recordando o despedimento da primeira passagem: ‘A minha história no Benfica não podia acabar daquela maneira’. Ao dia de hoje, acreditava que esta segunda passagem pela equipa principal acabaria desta forma?

— São dois momentos completamente distintos. Da primeira vez senti que faltava terminar algo, mas com muita culpa própria. Na altura pensei que havia coisas por finalizar, até mesmo para mim. Hoje é diferente. Hoje saio completamente de consciência tranquila por várias razões. Uma delas é que percebi o crescimento que tive enquanto treinador. O percurso que fiz nos últimos cinco anos permitiu-me chegar e encarar este desafio de uma forma muito tranquila, mas ao mesmo tempo muito séria. Nem sempre, mas tivemos bons momentos de futebol, tivemos jogos que vão ficar gravados na nossa memória. Não vencemos o campeonato, mas conseguimos vencer mais dois troféus. E quando olho para aquilo que é o meu registo no futebol profissional, olho com orgulho.

— Porque é que a saída teve de ser naquele momento e daquela forma?

— Porque a minha relação com o presidente foi sempre muito clara. Nós somos amigos de longa data e a nossa primeira relação profissional foi na formação, ele era diretor da formação e eu treinador. Foi ele que me deu o primeiro contrato profissional no futebol de formação. Eu não queria prejudicar ninguém, por isso é que disse na conferência de imprensa após o jogo com o Qarabag que quando o presidente sentisse que não tem o apoio dos adeptos e a razão fosse o treinador, quando o presidente sentisse que o rendimento da equipa era pelo treinador, não haveria problema nenhum. Podia ser no momento que foi ou podia ser uma semana mais à frente. Quando isso acontecesse a nossa relação profissional terminava e os encargos financeiros também terminam nesse dia.

— Vamos centrar-nos nesse jogo da Liga dos Campeões. Como é que a equipa está a vencer por 2-0 aos 16 minutos e perde por 3-2 da forma que perdeu?

— Tenho de recuar no tempo e fazer um enquadramento para poder explicar essa situação, pelo menos da forma como a vivi. Nós sabíamos que o Mundial de Clubes iria trazer-nos algumas desvantagens, principalmente para os nossos concorrentes diretos. Fomos a única equipa em Portugal que realizou o Mundial de Clubes e que depois fez 8 jogos no mês de agosto. Nós tínhamos 16 dias para preparar a Supertaça. Ficou muito claro que o nosso objetivo era criar condições para que a equipa se apresentasse nas melhores condições para vencer o campeão nacional e conquistar a taça. E nós fizemos isso muito bem. Mérito para a forma como nos estruturámos, mas grande mérito para a forma como os jogadores interpretaram aquilo que foram as nossas ideias para esse primeiro momento. Um segundo momento foi o sorteio da pré-eliminatória da Liga dos Campeões com o Nice. Uma equipa treinada não precisa tanto de tempo de recuperação, mas numa equipa que não esteja treinada fisicamente, o tempo de recuperação vai ser maior. Nós tivemos uma decisão, quase impossível, mas que conseguimos, que foi adiar o jogo do Rio Ave. Fechámos o primeiro ciclo com a conquista da Supertaça e com a garantia do acesso à Liga dos Campeões. Infelizmente, no início do segundo ciclo, na minha opinião, e as pessoas sabem, o presidente Rui Costa sabe isso, o diretor Mário Branco também, cometemos um erro metodológico, que foi jogar com Santa Clara na sexta-feira.

Ainda hoje não compreendo que ao primeiro ataque do nosso adversário a equipa seja assobiada da forma como foi

— Há o empate com o Santa Clara e iniciámos o jogo com o Qarabag da melhor maneira, aos 15 minutos já vencíamos por 2-0. Ainda hoje não compreendo que ao primeiro ataque do nosso adversário, por volta dos 20/25 minutos, numa bola que sai por cima da trave, a equipa seja assobiada da forma como foi. Nós temos uma equipa muito jovem, de idade e no que é sentir a grandeza do Benfica. Acontece isso e começámos a ver um ou outro jogador a cometer erros que normalmente não cometem. Os adeptos não querem ganhar mais do que nós. O jogo termina 3-2 e naquele período de tempo entre acabar o jogo, as assobiadelas no estádio, o ir para a conferência de imprensa…

Otamendi não permitiu que eu saísse sozinho do campo

— Naquele momento sentiu que a saída do Benfica estava perto?

— Eu não tenho muito tempo para pensar, nem perco muito tempo a pensar. A minha preocupação foi ir ao centro do campo, como sempre. Juntar a equipa, mais uma vez. Eu e o capitão tivemos uma conversa muito interessante. O Nico estará para sempre na minha memória porque é realmente um capitão. Foi um capitão muito importante para mim e vai ser um capitão muito importante para o Benfica. Eu estava a ver os jogadores tristes porque não conseguiram assegurar a vantagem que tinham conquistado nos minutos iniciais, e disse ao Nico para juntar a equipa e deixar-me sair à frente para que se os adeptos tivessem de manifestar alguma coisa que fosse contra mim. Disse-lhe para segurar os jogadores, deixar-me sair e depois a seguir sair ele com a restante equipa. E o Nico aí não permite que eu saia sozinho. Disse-me que ganhamos todos e perdemos todos. Foi mais um ato de liderança semelhante àquele que ele tinha tido no jogo com o Santa Clara, quando quis assumir, pela forma como nós sofremos o golo, a responsabilidade da derrota. Quando percebi que ele não me iria deixar sair sozinho, eu meto-me à frente do grupo e preferi que todas as manifestações contra caíssem no treinador e que os adeptos pudessem aplaudir a equipa para começar a levantar a equipa já para o próximo jogo. Fomos à flash, falámos do jogo e depois eu tinha de ter aquela primeira minha intervenção na conferência porque já tinha dito algo semelhante em Braga. Eu quero o bem do Benfica e desejo muito que estes jogadores sejam campeões no final da época. A qualidade individual está lá. Com a experiência e a qualidade do treinador do mister Mourinho e com o tempo de conhecer os jogadores e de trabalharem juntos, a qualidade coletiva irá surgir com naturalidade. Eu, naquele momento, tinha de dizer aquilo de pôr à consideração do presidente, pois desejo o melhor para o Benfica.

— Quando é que fala com Rui Costa, a primeira vez, sobre a saída do Benfica, naquela noite?

— Sensivelmente 15 minutos após a conferência quando vou para o balneário. 10/15 minutos depois o presidente manda chamar-me e tivemos uma conversa muito franca, muito tranquila. Foi muito rápido. Eu disse-lhe apenas que tinha três condições. A primeira era aquela sobre o meu contrato. A segunda que só queria receber até àquela data e que ele respeitasse o contrato dos meus adjuntos. Por último que eu no dia seguinte fosse despedir-me dos jogadores.

— Como foi essa despedida num momento em que o Benfica negociava com José Mourinho?

— Esse é talvez o momento mais difícil porque nós, desde o Mundial de Clubes até esse dia, gastámos muita energia em escolher este plantel. Por isso é que eu digo que acredito muito no plantel que escolhemos. E depois não ter a oportunidade, e o tempo, de trabalhar com alguns deles... O Sudakov praticamente não treinou comigo… O Dodi [Lukebakio] era o que nós precisávamos. Isso deixa-nos um amargo de boca… Olhar para o plantel que tínhamos quando chegámos, o que tentámos ajustar no mercado de janeiro, a reestruturação que fizemos no verão e também já a perspetiva do que nós poderíamos fazer no próximo mercado de inverno... Há uma conversa com o presidente, para o próximo mercado, que seria perceber primeiro a evolução do Gonçalo Oliveira, que é um miúdo que joga como central mais pela esquerda, e simultaneamente perceber uma opção válida para substituir o nosso capitão no futuro. Acredito que o Nico tenha ainda muito para jogar e eventualmente no final desta época possa ainda fazer mais outra, mas ele vai terminar a carreira e o Benfica precisa de preparar-se para isso. Já estávamos a olhar para o crescimento do Gonçalo Oliveira e para o que poderíamos fazer…

— Sentiu que pelo período eleitoral, pela chegada de Mário Branco e pela relação que tinha com José Mourinho, que estava a prazo?

— Não tem nada a ver com a questão do mister Mourinho estar no mercado ou não, porque eu acredito, e muito, que a troca de treinador surge em função dos resultados. Eu tinha de me defender pelos resultados. Enquanto eu estivesse a ganhar e os objetivos a serem atingíveis, não haveria troca de treinador. Que fique bem claro que nunca liguei a questão do diretor Mário Branco à questão Mourinho. A única coisa que eu acho que podíamos ter feito diferente, e tivemos uma conversa muito franca na hora de saída, é que podíamos ter feito algo mais para não cometer aquele erro metodológico de jogar na sexta-feira com o Santa Clara e não no sábado. O presidente Rui Costa sabe que saiu um bom treinador do Benfica, e uma excelente equipa técnica, e foi buscar o melhor treinador de sempre, José Mourinho.

— José Mourinho disse que o Bruno Lage precisaria de tempo para fazer o luto. Falaram os dois sobre esta vinda dele?

— Falámos muito quando fizemos os três jogos. Foi uma experiência fantástica jogar contra ele, porque é uma referência para todos os treinadores portugueses. Eu não preciso de falar com ele porque ele conhece muito bem o Benfica e aquilo que é o futebol português. O que mais desejo é que ele tenha o tempo para fazer crescer esta equipa, estamos a falar do melhor treinador português. Com certeza que ele vai ter esse tempo, vai ter essa capacidade de meter toda esta qualidade individual e transformá-la numa equipa.

— Ao segundo jogo como treinador do Benfica, o primeiro em casa, frente ao Rio Ave, empatou. No final, José Mourinho criticou a forma como a equipa jogou. Sentiu de que as críticas também eram ao trabalho que foi deixado pela anterior equipa técnica?

— Não.

— Como viu essa análise que ele fez ao comportamento da equipa?

— Não vi. Eu tento desligar-me por completo, concentrar-me na minha família e pensar no futuro.

Se for campeão, não vai receber a medalha

— Não quer saber nada do que possa surgir neste novo Benfica?

— Exatamente. Só no final da época.

— Para ir lá receber a medalha?

— Não. Não há hipótese. Daqui para a frente, todo o trabalho e todo o mérito será deste grupo de jogadores e claramente do mister Zé Mourinho. Esses são os meus desejos.