João Figueiredo: «Se fui jogador e sou treinador devo-o muito à minha mãe»

Ao conquistar a Taça Hugo dos Santos no passado domingo, derrotando o FC Porto na Final, a Oliveirense quebrou a hegemonia que Benfica, Sporting e FC Porto, este último tinha a hipótese de ganhar a terceira competição da temporada, têm tido na conquista de todos os quatros troféus nacionais, mas o seu treinador João Figueiredo lança um alerta ao clube sobre a realidade. Conta ainda porque falou da mãe após a vitória ter acontecido no Dia da Mãe e porque quase não dormiu em quatro dias.

Após um jejum de quatro temporadas, a Oliveirense voltou aos títulos, no domingo, com a conquista da sua quinta Taça Hugo dos Santos em seis finais, ao derrotar o FC Porto (83-78) no jogo do título. Nos três dias antes eliminara Sporting e Ovarense, mas o treinador João Figueiredo deixa o alerta que esta não é a realidade.

— Depois do banho que os jogadores lhe deram, da festa que houve da equipa em campo e mais tarde em Oliveira de Azeméis com os adeptos, foi fácil acalmar ao final da noite e dormir?

— Fiquei quase sem voz. Mas sim, que ficasse sem voz se todas as vezes terminassem desta maneira. No entanto, ainda não foi esta noite que tive o retorno à calma e ao sono. Basicamente, já são quatro noites a dormir muito pouco. Espero que a próxima seja a do retorno à normalidade e volte a conseguir dormir em condições.

Fotografia FPB

— Os quatro dias da Taça foram muito intensos?

— Bastante intensos. Três encontros, todos eles exigentes. Preparar os jogos, delinear as estratégias, escolher duas, três, quatro ideias que fossem ajustadas e lógicas contra cada adversário que enfrentamos. e depois há sempre muita tensão. Muito estado de alerta, o que provoca insónias e noites mal dormidas.

Os jogadores têm todo o mérito nisto. A determinação e o foco que conseguiram colocar em todos os jogos, naquilo que eram as ideias e o que elas implicam, também foi determinante

Fotografia FPB

— E particularmente na final, contra o FC Porto, há um momento, no arranque do 2.º quarto, em que as coisas mudaram. Nunca mais ficaram em desvantagem. Tirando uma ou outra situação, conseguiram ter o ritmo do jogo e implantar o que queriam. O que fez a diferença?

— Acho que não existe só um fator, mas diversos. Um, que para nós foi claro, foi termos conseguido estar mais frescos do que o FC Porto. Os nossos [principais] jogadores tiveram, durante os três jogos, menos minutos do que os do FC Porto. Isso pareceu-me notório. Até pela forma como gerimos todos os jogos. Mas é também assim durante a época, não fizemos nada de anormal naquilo que é a habitual gestão dos jogadores. Depois, os jogadores têm todo o mérito nisto. A determinação e o foco que conseguiram colocar em todos os jogos, naquilo que eram as ideias e o que elas implicam, também foi determinante.

Fotografia FPB

Voltámos a ter percentagens altas nos lançamentos de três, que é uma característica nossa em todas as competições. Somos a equipa com maior percentagem de triplos

E existiu igualmente alguma felicidade quando tivemos maiores dificuldades para colocar a bola no cesto. Alguns ressaltos ofensivos, tiros semicontestados que acabaram por entrar. Mas voltámos a ter percentagens altas nos lançamentos de três, que é uma característica nossa em todas as competições. Somos a equipa com maior percentagem de triplos, só que contra o FC Porto foi elevadíssima na 1.ª parte [8/12, 66%]. Portanto, estes três fatores podem definir, mais ou menos, a nossa prestação na Taça Hugo do Santos.

Os princípios defensivos não mudam, estão lá. O que pode alterar é uma ou outra forma de ajustamento àquilo que são os adversários. Mas os princípios, as bases, não mudam

Fotografia FPB

— Onde estava aquele foco e agressividade defensiva, mais dura, que surpreendeu o FC Porto, que é quem acostuma aplicar essa atitude? Onde é que tem estado isso durante a época, porque nem sempre apareceu? Nestes dias, o grupo realmente focou-se muito em tudo o que tinha a fazer extra?

— Temos os nossos conteúdos e ideias defensivas trabalhadas durante todo o ano. Os princípios defensivos não mudam, estão lá. O que pode alterar é uma ou outra forma de ajustamento àquilo que são os adversários. Mas os princípios, as bases, não mudam. Claro que, consoante um ou outro conceito, fazemos ajustamentos. Como é óbvio, nestas competições de Taças, em que é um jogo a eliminar, as equipas que são underdog [não favoritas] e trabalham bem podem trazer alguma vantagem e surpreender. Foi o caso.

Fotografia FPB

Da mesma forma que, por vezes, no campeonato, os jogadores, infelizmente para os treinadores, iniciam os jogos desconcentrados, não cumprindo as regras. Numas ocasiões é por mérito do adversário, noutras por demérito nosso. Às vezes achamos que vamos ganhar um determinado jogo fácil e relaxamos... Ou seja, quando não somos favoritos nestas competições, por norma, é mais fácil acontecer aos outros do que a nós. Acho eu...

Vamos ter de dar, pelo menos, dois dias de folga. Depois, o primeiro treino, por norma, é um mau treino.

Onno Steger foi considerado o MVP da final Fotografia FPB

— E agora, a dificuldade vai ser transportar este nível a que a equipa atuou para o play-off?

— Agora temos um problema, que é a eliminatória à melhor três [contra a Ovarense]. Foram três partidas exigentes [Sporting, Ovarense, FC Porto] e vamos ter de folgar. Infelizmente, não podemos só dar um dia de descanso aos jogadores, até porque o de hoje não existiu porque, ontem, prolongámos o final do jogo um bocadinho e os jogadores também o fizeram. Vamos ter que dar, pelo menos, dois dias de folga. Depois, o primeiro treino, por norma, é um mau treino. E, por fim, esta conquista pode ter sempre aquele efeito nos jogadores de algum relaxe e não enfrentarem o próximo encontro com a tensão e foco máximo como na Taça Hugo do Santos, o que nos pode ser prejudicial. Começamos a eliminatória em casa e é muito importante, numa série supercompetitiva, garantimos, pelo menos, que o Jogo 3 seja em casa. Por isso não convém perder o primeiro encontro.

Por vezes, as pessoas acham que estamos no mesmo nível dos três grandes e não é verdade.

Fotografia FPB

— É o primeiro título da Oliveirense desde que conquistara a Taça Hugo de Santos em 2019/20, ainda com o Norberto Alves [atual treinador do Benfica]. Foi difícil suceder-lhe devido ao nível de conquistas que tinha deixado o clube?

- Sim. No passado recente, a Oliveirense foi bicampeã da Liga [2017/18, 2018/19]. Além disso, ganhou a Taça Hugo dos Santos em 2018/19 e 2019/20 e creio que mais uma Supertaça [2018]. É um percurso de títulos e conquistas que identifica o clube dessa forma. Depois, com o passar do tempo e as alterações das condições, da própria competição e face ao aparecimento do Sporting, assim como aquilo que é hoje a realidade do clube — que nada tem a ver com a de há uns anos — foi difícil. Por vezes, as pessoas acham que estamos no mesmo nível dos três grandes e não é verdade.

Ontem, felizmente, conquistámos mais um troféu, mas a realidade já não é a mesma.

Apesar de tudo, desde que estou no clube, temos sido consistentes em quase todas as competições, garantimos quase sempre os quatro primeiros lugares na fase regular e estamos quase sempre nos momentos altos da época. Mas, agora com os orçamentos a serem publicados, os adeptos e toda a gente consegue ainda mais perceber as diferenças. Mas sim, é difícil. Trata-se de um clube que tem no seu ADN conquistas, que quer continuar a ganhar. Ontem, felizmente, conquistámos mais um troféu, mas a realidade já não é a mesma.

Fotografia FPB

As condições têm-se deteriorado um pouco e aquilo que era uma determinada diferença para os grandes tem vindo a aumentar todos os anos

— Acredita que esta conquista possa ajudar a mudar essa realidade e voltar a elevar o nível?

— Espero que sim, que esta Taça não seja um equívoco, no sentido de acharmos que estamos num determinado nível, que não estamos, e que sirva para que o clube possa refletir um pouco daquilo que quer ser na competição nos próximos anos. Infelizmente, as condições têm-se deteriorado um pouco e aquilo que era uma determinada diferença para os grandes tem vindo a aumentar todos os anos. A vantagem que tínhamos em relação às equipas que, por norma, ficavam abaixo de nós na tabela classificativa, já não é notória.

Se estou no basquete devo-o muito à minha mãe. Sempre me permitiu tomar estas decisões, às vezes um pouco contra resoluções de jovens da minha idade e sempre me deu muita liberdade para ir trilhando o meu caminho.

Fotografia FPB

Nomeadamente no recrutamento dos estrangeiros, onde existem clubes que, por vezes, têm elementos  que até gostaria de ter, mas em muitos casos não conseguimos ter capacidade financeira para o fazer. Como referi, o clube deve perceber o que é que quer daqui para a frente e que esta Taça sirva para isso. Para crescermos novamente ou tentar traçar um percurso de crescimento e forma a que a equipa se torne mais competitiva todos os anos e que saia um pouco desta fase em que estamos, se calhar, adormecidos.

— Após ter ganho a final, revelou que a sua mãe [Maria Augusta] havia falecido no ano passado e que a vitória era especial porque vencia no Dia da Mãe. Foi algo em que já tinha pensado naquele dia, ou nos anteriores, que tinha a hipótese de conquistar um título no Dia da Mãe e que isso era importante para si?

— Sim, acho que foi. Se estou no basquete devo-o muito à minha mãe. Sempre me permitiu tomar estas decisões, às vezes um pouco contra resoluções de jovens da minha idade e sempre me deu muita liberdade para ir trilhando o meu caminho. Apoiou-me muito nas minhas decisões e muitas delas, se calhar, mal tomadas. Mas nunca deixou de lá estar para me permitir ter essa liberdade. Devo-lhe muito ter sido jogador e ser treinador. O ano passado foi de facto complicado, foi complexo assistir àquele processo [da doença] e, ao mesmo tempo, ter de ter energia suficiente para continuar a trabalhar todos os dias. Foi difícil. Depois da vitória face ao Sporting [play-off para a Final Four, na quinta-feira] fiquei convicto que poderíamos ganhar esta Taça. A forma como estávamos a jogar e a competir fez-me acreditar que podíamos vencer a Taça no Dia da Mãe

Se calhar senti-me o melhor da minha aldeia, por um momento. Senti que o trabalho que desenvolvemos e tudo aquilo que dedicamos à profissão, mais tarde ou mais cedo, é recompensado.

Fotografia FPB

— Da última vez que o entrevistei, ainda que o tenha referido noutro contexto, afirmou que: «em Portugal é preferível ser o maior da minha aldeia do que ser o segundo dos melhores do mundo». Que isso é um bocado a cultura que existe e não só no desporto. Ontem sentiu-se o melhor do mundo?

— [risos] Não, não... Se calhar senti-me o melhor da minha aldeia, por um momento. Senti que o trabalho que desenvolvemos e tudo aquilo que dedicamos à profissão, mais tarde ou mais cedo, é recompensado. Aos jogadores, ao clube, ao contexto onde estamos e a nós mesmos. Foi o que aconteceu, foi a recompensa deste trabalho ao longo dos anos, da consistência. Quando chegamos às taças achamos que é aí que podemos ganhar qualquer coisa. Na época passada tivemos algum azar, fomos à Taça Hugo dos Santos com alguns lesionados e acabámos eliminados pelo FC Porto na meia-final. Desta vez apresentamo-nos com outros índices físicos. Senti-me recompensado por estes anos de trabalho.

A Taça é para eles, para os sócios, para aqueles com quem também trabalhamos todos os dias e para os patrocinadores

Fotografia FPB

- A chegada a Oliveira de Azeméis foi em festa?

- É verdade, fomos recebidos em festa com os nossos adeptos a apoiar-nos, como sempre. Fizemos uma pequena celebração no pavilhão, e agradecemos muito o apoio que nos têm dado, em casa e fora. A Taça é para eles, para os sócios, para aqueles com quem também trabalhamos todos os dias e para os patrocinadores. Sem todos o clube não existia.