Honrar o passado
NÃO sei como Jorge Jesus motiva os seus jogadores, nem como os prepara psicologicamente para os jogos especiais, como o de hoje, em Barcelona. A comunicação assume cada vez mais importância e é preciso saber passar a mensagem, que deve ter um só sentido, para dentro e para fora, não me convencendo as teorias que preconizam um discurso contido para os adeptos e outro arrojado para os jogadores.
Devido à velocidade a que tudo acontece e ao peso das chamadas redes sociais, escasseia tempo para análises, reflexões e ponderações, tamanha é a pressa pelo jogo, pelas suas incidências, pela história que nos irá contar, sempre diferente e tema inesgotável de conversas, debates e discussões.
Na sua última conferência de Imprensa, ontem, Jorge Jesus reservou um período para o que classifico de banalidades, em que falou da ideia de jogo, da identidade, de linhas e entre linhas, de pressões baixas e altas, de blocos e de intensidades. O costume, palavreado de treinadores, dirão.
A parte da sua intervenção que a família encarnada apreciou foi quando se concentrou no essencial: o jogo. Vai ser uma final. O Benfica parte para este jogo como fez na Luz, em que venceu o Barcelona por três-zero, proeza que «poucas equipas no mundo podem fazer», salientou.
Os adeptos gostaram do que ouviram e os jogadores também. Duas ou três frases fortes e geradoras de confiança, principalmente em ano de enorme significado, por assinalar os sessenta anos em que, na final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, realizada a 31 de maio de 1961, no Estádio Wankdorf, em Berna, frente a um Barcelona que, na época, era bem mais forte do que este, considerado quase imbatível, um Benfica mal conhecido e que fez da força de acreditar a sua principal arma surpreendeu a Europa do futebol. Ganhou, por 3-2. Recordo os onze heróis: Costa Pereira; Mário João, Germano, Ângelo, Neto e Cruz; José Augusto, Santana, Coluna e Cavém; José Águas.
Esta noite, 23 de novembro de 2021, na capital da Catalunha, Jorge Jesus e os seus jogadores só têm de honrar o passado do clube que representam. Se o fizerem, haverá festa, de certeza.
HISTÓRIAS OCULTAS
COM um terço da Liga inglesa cumprido, a modesta equipa do Wolverhampton, treinada por Bruno Lage, ocupa o sexto lugar da classificação, a par do Tottenham, dois pontos acima do Manchester United e quatro do Everton e um abaixo do Arsenal.
Como todos sabemos, Bruno Lage foi afastado do comando técnico do Benfica em cenário rocambolesco, mal percebido e nunca esclarecido, a seguir a uma derrota na Madeira, diante do Marítimo, em que ele, segundo vários testemunhos, só se terá dado conta de que tinha sido despedido no aeroporto do Funchal, através das televisões.
Neste fim de semana, o Wolverhampton recebeu e venceu o West Ham (4.º), alcançando em jogos da Premier League a terceira vitória seguida em casa (Molineux), o que não acontecia desde 1980. Apenas um pormenor, embora relevante.
Feito assinalável de Bruno Lage nesta sua primeira experiência como treinador principal no campeonato mais exigente do mundo e, no entanto, será impressão minha, com pouco eco nas tertúlias futebolísticas da lusa paróquia, ao contrário do muito que se escreveu e disse a propósito das três derrotas que sofreu nas três primeiras jornadas e aos prenúncios de ruína no seu ousado investimento.
Afinal, e até ver, o trabalho corre-lhe bem, está a dar nas vistas e a demonstrar que não foi bonita a forma como se processou a sua saída do Benfica. Confirma-o o antigo treinador da equipa B, Renato Paiva, agora no Equador, que confessou em entrevista ao site Zerozero que Luís Filipe Vieira projetava que fosse ele a substituir Lage antes da chegada de Jesus.
«No momento em que o Bruno sai, eu já sabia que seria o Jorge Jesus, mas o que me doeu foi, no tempo entre o Jorge Jesus chegar e o Bruno Lage sair, não se ter aplicado a mesma política e ser o treinador da equipa B a pegar na equipa A», afirmou.
Não é nada contra o Nélson Veríssimo, sublinhou; nem contra Lage, nem contra alguém, acrescento eu. É mais uma questão de feitio. No entanto, sempre estranhei a quantidade de vezes em que o seu nome era referido em rádios e jornais quando ainda estava no Benfica, e continua a ser, apesar de trabalhar em campeonato de fraco interesse mediático.
J ORGE JESUS, muito recentemente, irritado com o que não gostou de ler, enriqueceu o léxico agrícola com uma nova plantação, a de notícias. Mas como os jornalistas não mentem, teve o cuidado de referir, a fonte da suspeição residirá nos plantadores dessas notícias. Não sei se será o caso, mas sei que dar publicidade, agora, a um assunto privado, e que privado deveria manter-se, não é boa carta de recomendação.
Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti, mas Renato Paiva fez, ao patrocinar pelo silêncio que um camarada de profissão fosse queimado em lume brando com a vã promessa de ocupar o lugar dele. Acreditando ser a solução, não enxergou que partir daquele instante se transformou num embaraço por não ter sido capaz de conter a sua vaidade.
De uma assentada, Vieira não só prosseguiu o processo de rotura com Lage, porque já estaria comprometido com Jesus, como Paiva foi considerado dispensável na academia do Seixal.