Hoje é Dia de Rugby
Estou em Londres — por razões académico-profissionais, mudei-me para cá. Sem dúvida nenhuma, uma das grandes expectativas que trazia em relação a esta cidade prendia-se com o rugby. Viver no país que é o berço deste desporto que tanto me apaixona — e que me tem acompanhado ao longo dos últimos 18 anos — é uma oportunidade incrível.
Experienciar o quotidiano de um lugar onde o rugby é tão praticado e aclamado é uma verdadeira inspiração para quem ambiciona ver o rugby crescer em Portugal. Apesar de estar cá há relativamente pouco tempo, já me é possível refletir sobre duas oportunidades para o rugby português.
Para contextualizar, tenho jogado pelo Belsize Park Rugby Football Club, um clube do centro de Londres que reúne pessoas que — devido à sua vida pessoal e profissional — não podem (ou não querem) assumir um compromisso grande com o rugby. Assim sendo, o clube tem cinco equipas que treinam apenas uma vez por semana, mas que jogam, regularmente, ao fim de semana.
Com o intuito de promover mais jogos, e para que cada jogador jogue o maior tempo possível, as substituições são limitadas — e em algumas competições existe mesmo o limite de apenas três (regra naturalmente discutível, mas da qual ressalto o seu princípio base — quanto mais jogos, melhor!). Obviamente, que aqui o número de jogadores e, consequentemente, de equipas, é maior. Mas a minha primeira reflexão incide sobre isso mesmo — o seu porquê.
O rugby em Inglaterra extravasa as quatro linhas. Vai muito além dos 80 minutos de jogo. Por cá não só é prática, como é regra, que o clube da casa ofereça comida e bebida à equipa adversária no fim do jogo. A terceira parte é sagrada. Sob pena de se ser multado, é obrigatório conviver com a própria equipa e com a equipa adversária, num espaço onde se reúnem também os amigos e famílias dos jogadores.
Um espaço onde se é bem recebido, onde se quer estar, e onde somos interrompidos para ouvir a escolha do MVP (most valuable player) por parte da equipa adversária (cada equipa escolhe o melhor jogador da outra equipa). Um espaço onde corre o fair-play, transborda o respeito e a lealdade, e que cheira a companheirismo — e também a alguma Guinness. Um espaço onde se respira e transpira rugby. Rugby puro.
Assim, dou por mim a pensar: 'O que falta para se adotar esta ideia em Portugal?' A extensão do jogo à Club House atrai pessoas e faz de um mero jogo todo um programa. Ter amigos ou família a jogar é sinónimo de Dia de Rugby. Acredito que tornar a terceira parte uma prática habitual não só ajudaria a fomentar e desenvolver o espírito do rugby, como atrairia mais pessoas para o jogo.
Paralelamente, tive também já a oportunidade de assistir a um jogo dos Harlequins (clube que disputa a primeira divisão inglesa) a convite de um amigo e antigo treinador que agora trabalha no clube. Para chegar ao estádio dos quins é preciso apanhar o comboio. Na altura, chegado à estação, deparei-me com centenas de adeptos da equipa da casa e dos Saracens (equipa contra a qual os Harlequins jogavam) que estavam a caminho do estádio muito antes do apito inicial. E sabem porquê? Porque era Dia de Rugby.
Todos os pubs e bares nas imediações do estádio estavam cheios. Amigos, famílias, ex-jogadores e atuais praticantes, adeptos e simpatizantes reúnem-se muito antes do jogo começar para beber umas cervejas, comer qualquer coisa, lembrar histórias antigas e antever o jogo. Fazem-se prognósticos e análises dignas de serem escritas. E respira-se rugby! Quando se aproximava a hora do jogo, seguimos uma multidão em procissão para o estádio, onde a festa continua durante e depois do jogo.
Obviamente que o meu ponto não é comparar um jogo da Premiership e da nossa Divisão de Honra, mas realçar o que, para mim, ficou claro e óbvio: o programa de dia de jogo cativa as pessoas. O desporto é mais do que aquilo que acontece dentro de campo. É o ambiente, as conversas e as músicas que se cantam. O futebol tem certamente muita coisa a aprender com o rugby — mas o rugby, num gesto de humildade, não se pode considerar acima de todos.
Há que reconhecer que o rugby português tem, também, algo a aprender com os outros desportos e, nomeadamente, o futebol. Parece-me bastante claro — e falo por experiência própria porque também frequento regularmente o mundo do futebol — que, atualmente, muita gente vai ver um jogo de futebol também pelo programa que envolve. Sabem que estarão lá amigos, família, companheiros e caras conhecidas com quem podem partilhar bons momentos.
Também no rugby já experienciámos isso. Quer em 2023, no Mundial, quando várias pessoas que não seguiam a modalidade foram apoiar a nossa Seleção a França, quer mais recentemente — e perdoem-me o exemplo clubístico, mas é a minha realidade — na final da Taça de Portugal do ano passado, em que o CDUL conseguiu reunir muitas pessoas num almoço pré-jogo, incluindo algumas que não assistiam a um jogo de rugby há largos anos.
Também ao nível dos grandes torneios jovens — com o exemplo do Youth Festival à cabeça — percebemos que conseguimos juntar o rugby a um programa para todos. Estes torneios transformam-se em dias para toda a família e amigos — e que dias são esses!
Posto isto, questiono-me porque é que é — e perdoem-me a frontalidade — tão maçador e aborrecido ir ver um jogo da Seleção Nacional atualmente falando exclusivamente da experiência fora das quatro linhas (exceção seja feita ao último jogo em Coimbra, no qual já se procurou dinamizar a experiência pré-jogo). E por que razão se joga em estádios cuja capacidade excede largamente o número de espectadores, resultando num efeito visual desanimador, pouco apelativo e na dispersão do ambiente? O que é que falta para tornarmos os jogos da Seleção Nacional num programa cativante? Com bancas de comes e bebes, os vulgos food courts e áreas onde se possa conviver antes e depois, atrações para os mais jovens, num espaço onde se possam reunir amigos, famílias, adeptos, simpatizantes, homens e mulheres, netos e avós, num dia bem passado a apoiar a nossa Seleção.
Num país de futebol, quando é que se vai perceber que não é possível ficar parado à espera que o rugby cresça por milagre? Quando é que se vai trabalhar a experiência de match day? Quando é que se vai olhar para o adepto e valorizar o motor que pode impulsionar o rugby nacional? Mais do que investimento, é preciso ambição, vontade e paciência para tornar isto realidade — e isto sem mencionar os ganhos financeiros que estas dinâmicas podem proporcionar.
Para finalizar, sei que os sonhos são normalmente associados às crianças, mas eu ainda sonho. Sonho com o dia em que a resposta a uma pergunta tão simples seja óbvia:
— O que é que fazes hoje?
— Hoje? Hoje é Dia de Rugby!