Entrevista com o português do Kairat, que pela primeira vez vai participar na prova milionária

«Há dois anos fiquei efetivo numa empresa, agora jogo a Champions»

A bela história de um avançado português que saiu do Campeonato de Portugal, foi para o Luxemburgo e agora vai disputar a melhor competição de clubes do mundo na equipa mais a Leste da Champions

Como tudo muda: aos 25 anos, o avançado formado no SC Braga teve de procurar emprego porque o futebol já não era prioritário; aos 27, é o segundo melhor marcador de uma equipa que disputa  a Champions pela primeira vez. Em entrevista a A BOLA, Jorge Gabriel Costa Monteiro conta a sua história. Diz que não é «exemplo para ninguém», mas sabe na primeira pessoa que «há várias formas de ter sucesso na vida».

Já lhe caiu a ficha pelo feito que vocês alcançaram, ao eliminar o Celtic no play-off e entrarem na Champions?

— Ainda não caiu a ninguém. O momento em que vai cair a ficha será quando estivermos a entrar no primeiro jogo da fase de Liga.

Como foi a reação do público?

— Ao contrário do que acontece em Portugal, em que os adeptos estão a torcer para que o clube rival perca, aqui todo o país estava do nosso lado. Depois do jogo fomos jantar e no restaurante estavam adeptos do Ordabasy, um dos rivais do Kairat, que vieram de propósito de outra cidade apoiar a nossa equipa.  Foi incrível: os carros a apitar na rua, as pessoas nas estradas com as bandeiras amarelas, parecia quase quando Portugal ganhou o Euro.

Como é viver em Almaty?

— É diferente de viver no resto do Cazaquistão, à exceção de Astana. É uma cidade totalmente incrível, ao nível das melhores na Europa. A parte mais complicada é a distância de casa. E no inverno a neve complica um bocadinho a vida das pessoas. Há outro aspeto negativo: a poluição. Mas por outro lado há as montanhas, vários parques, há aqui uma zona com lagos, tem piscinas, tem muita coisa para uma pessoa fazer e se distrair.

Falava da distância: se o Kairat jogar contra uma equipa de Lisboa será a maior distância de sempre entre equipas nas provas da UEFA. Gostava de defrontar os portugueses?

­— Sem dúvida. Se pudesse escolher, preferia as duas [Benfica e Sporting] porque seriam duas oportunidades de ir a casa. Mas se tivesse de escolher apenas uma, eu queria muito jogar em Alvalade. E uma curiosidade: quando começámos a primeira fase de qualificações, se caíssemos contra o Olimpija Ljubjana, só disputaríamos a Liga Conferência e estava lá o Santa Clara. Aqui até se falou nisso, da distância ainda maior que seria.

«O futebol não estava a dar...»

O seu percurso é diferente e, até, inspirador. Há dois anos jogava no Pevidém, do Campeonato de Portugal, sai para o Luxembugo e agora vai jogar na Champions. Como se processou tudo isso?

— Quando estava no Pevidém e descemos da Liga 3 eu tinha 25 anos e fui obrigado a tomar uma decisão porque o futebol não estava a dar. O que se ganha no Campeonato de Portugal e na Liga 3 não dá para uma pessoa organizar a sua vida sem um trabalho. Então decidi ir trabalhar nesse ano em que descemos da Liga 3 para o Campeonato de Portugal. O futebol já nem era a prioridade na altura, porque eu lembro-me de termos jogos na pré-época que calharam de manhã e eu tinha o trabalho e não faltava ao trabalho para ir fazer esses jogos.

Foi trabalhar em quê?

— Numa empresa de controlo de qualidade de Braga. Estava lá até por aquelas empresas subcontratadas, como agora se usa muito em Portugal. Fui entretanto o melhor marcador do Campeonato de Portugal nesse ano e o engraçado é que na altura em que a empresa me passou a efetivo é quando recebo a proposta para o Luxemburgo. A empresa informou-me em maio, tive de dar um mês à casa, como é normal, para depois passar a efetivo. Passo a efetivo a 1 de junho e a 3 ou a 4 de junho resolvo as coisas para ir para o Luxemburgo [Differdange]. No Luxemburgo, a primeira época foi histórica, fomos campeões pela primeira vez. Vamos às competições europeias e acho que é aí que eu entro no radar, porque jogámos contra o Ordabasy, do Cazaquistão. Em dois jogos faço três golos, junto a isso fizemos dois jogos incríveis, muita qualidade. E depois, dando consistência e seguimento às coisas no campeonato, atraí o Kairat. O resto é história, o resto é o que se vê agora, o que toda a gente já sabe.

Portanto, não pensou duas vezes em rumar ao Cazaquistão...

— Não. A minha avó falou-me logo em bombas [risos] mas é um país mais seguro que Portugal.

Tem um português como colega, Luís Mata...

— Sim. Aqui há um limite de 12 estrangeiros por equipa e eles tentam ter dois de cada nacionalidade.

Tem jogado como segundo avançado ou a ala?

— Não gosto de jogar a ala. Eu sou aquele vagabundo de andar nas segundas bolas, nas costas do ponta de lança, na profundidade. Nos jogos europeus eles têm-me usado muito para jogar atrás do ponta de lança, num papel mais defensivo, de quando não temos bola, fazer o terceiro médio. Apesar de marcar golos, tenho ainda mais assistências, tenho 10 assistências e nove golos. Já no Luxemburgo, na minha última época, eu estava com 17 golos e 14 assistências.

O que esperam fazer na Champions?

— O nosso objetivo é ir pelo menos aos play-off. Somos a equipa mais fraca, mas não vou lá estar a perder em Anfield por 0-7, marcar um golo e depois festejar.

Acha que a sua história serve de exemplo a outras pessoas que não apenas no futebol?

— Não me considero exemplo para ninguém. A única coisa que eu posso dizer é para as pessoas não viverem obcecadas só com uma coisa, para traçarem  objetivos e se focarem nisso, mas sem estarem obcecadas. Não há problema algum em termos sempre um plano B. Se tivermos autoconfiança, se acreditamos que vamos conseguir e fizermos por isso, as coisas de uma forma ou de outra acabam por acontecer. E se não der num lado, dá no outro porque há várias formas de termos sucesso na vida. Só temos é de nos empenhar.