«Fui um rosto visível de algo que Portugal faz muito bem: o 'scouting'»
- O que espera que essa experiência no Brasil lhe traga? Depois de ter trabalhado na Europa e em diferentes realidades como a Ucrânia ou Grécia, pensa voltar à Europa ou gostaria de continuar aí?
- O projeto está a dar-me muito prazer e acredito que vamos continuar num bom momento pelo resto do ano. Mas, no futebol, devemos ter sonhos, não planos de carreira rígidos. Quando eu estava no Benfica, achava que nunca sairia de lá porque era o maior clube português e porque eu gostava dele não só profissionalmente, mas afetivamente. No entanto, nos últimos oito anos, rodei a Europa e o mundo. Agora, com quase 60 anos, acho que gostaria de estar aqui por mais tempo e viver o momento mais alto da minha carreira. Não que ganhar no Brasil seja mais importante do que ganhar com o Benfica, mas certamente terá outro sabor e dimensão. Depois, eventualmente, voltaria a Portugal, mas num registo mais tranquilo, sem tanta pressão – ou pelo menos é isso que penso agora. Daqui a dois anos, não sei.
- A sua carreira teve uma transição interessante. Durante muito tempo, trabalhou nos bastidores no departamento de 'scouting', e agora tem uma exposição muito maior. Como foi essa mudança?
- São coisas diferentes. Parte da exposição que tive foi devido ao trabalho no scouting do Benfica. Durante anos, contratámos jogadores, revendemos por milhões e vendemos atletas que chegavam num ano e, ao final do mesmo ano, eram vendidos pelas cláusulas, como foi o caso de Witsel ou Markovic. Isso despertou curiosidade, e eu era o rosto mais visível desse departamento, o que me deu projeção. Isso ajudou na minha carreira e me acostumou a estar mais exposto.
- Sente que deixou uma marca no Benfica nesse aspeto?
- Não diria uma marca, mas fui um rosto visível de algo que Portugal faz muito bem: o scouting. Antes de mim, havia poucos portugueses trabalhando em alto nível no exterior nessa área. Hoje, há muitos. Não digo que fui o pioneiro, mas tive alguma responsabilidade na exposição desse trabalho, tanto no Benfica quanto no FC Porto. Esses clubes vendiam jogadores por valores astronómicos para os melhores clubes do mundo, e isso impulsionou minha carreira.
- Comparando com esse período em que trabalhou no Benfica, nota-se que os plantéis de Benfica e FC Porto estão piores. A que atribui isso?
- Acredito que, naquela época, Benfica e FC Porto eram praticamente os únicos clubes europeus que traziam jogadores da América do Sul e tinham a capacidade de revendê-los. Hoje, esses clubes já não conseguem competir pelos principais talentos do Brasil e da Argentina. Isso aconteceu porque os clubes europeus passaram a vir diretamente à fonte, sem precisar dos intermediários portugueses. Antes, o Real Madrid, por exemplo, não contratava jovens de 18 ou 19 anos no Brasil. Isso era algo que os clubes portugueses faziam. Agora, vemos clubes ingleses, italianos e espanhóis vindo buscar esses jogadores diretamente. Esse processo inflacionou o mercado. No meu tempo de Benfica, não comprávamos jogadores por mais de 10 milhões de euros. Hoje, mesmo jogadores de segundo escalão já custam entre 15 e 20 milhões. Se quiser um jogador do primeiro escalão, precisa investir acima de 30 ou 40 milhões. Isso é impensável para clubes portugueses.