Memorial de Ayrton Senna em Imola, Itália, onde o brasileiro perdeu a vida em 1994
O impacto de Ayrton Senna na cultura mundial vai muito além do desporto (Foto Imago)

Fórmula Ayrton Senna

Tribuna Livre é um espaço de opinião de A BOLA e esta é da responsabilidade de Sérgio Loureiro Nuno, fisioterapeuta olímpico dedicado a performance e recuperação de lesões desportivas; professor universitário; doutorado em Ciências da Saúde e Motricidade Humana

O mundo do desporto em 2025 tem vivido perdas inesperadas, principalmente para a nação portuguesa. Diogo Jota, André Silva e Jorge Costa deixam uma marca vincada no futebol português não só pelas vitórias, mas principalmente pela forma como davam tudo pela camisola que vestiam.

Há a promessa viva que os seus legados continuarão, mas com o tempo não vemos sempre isso a acontecer com outros casos semelhantes. A história mais bonita e eterna, para mim, continua a ser de Ayrton Senna.

O seu percurso foi visto por muitos como um marco na história do automobilismo. A opinião geral, tanto de especialistas quanto de fãs, é que a sua chegada trouxe uma combinação rara de talento, determinação e carisma que rapidamente o destacou como uma figura única no desporto. A sua coragem era equilibrada pela técnica apurada e por um compromisso constante com a perfeição. A sua ousadia saudável foi a sua imagem de marca, o que o distinguia dos restantes.

Senna mostrou ao mundo que ser ousado não é agir por impulso ou por ego, mas sim ter a coragem de ir mais além, com respeito, preparação e paixão. Essa ousadia foi o motor que o levou a três títulos mundiais e a conquistar o coração de milhões. Chamou a atenção pela sua habilidade em condições particularmente adversas, especialmente em pistas molhadas. É aqui que se veem os verdadeiros campeões. Era capaz de tirar o máximo rendimento do carro, sempre conseguiu fazer omeletes sem ovos. A forma como surgiu e a trajetória que construiu até à sua morte trágica em 1994 contribuíram para consolidá-lo como uma lenda.

O impacto de Ayrton Senna na cultura mundial vai muito além do desporto. Aliás, o meu primo com o qual partilhei grande parte da minha infância, até tem uma peça que retrata isso, com o nome 'Eu vi o Ayrton Senna morrer nos olhos do meu irmão'. Sem nunca a ter visto, quis de certa forma saber o que ele pensou quando a idealizou e escreveu.

O nascimento de uma estrela vai muito para além da sua morte física. A sua imagem vale mais do que vitórias em pista. Simboliza esperança, orgulho e dignidade numa época de crise mundial. As suas vitórias uniam o país aos domingos e o seu funeral em 1994 foi um dos maiores da história, com milhões nas ruas. Num mundo cada vez mais dominado por estatísticas, tecnologia e resultados, o coração é o elemento humano que resiste à frieza dos números.

É a paixão do miúdo que joga à bola no bairro até ao anoitecer, é o olhar determinado do atleta que treina em silêncio durante anos para viver um momento de glória que pode durar apenas segundos. É o amor puro ao jogo, à camisola, ao desafio.

Embora algumas pessoas argumentem que os pilotos de automobilismo não podem ser considerados verdadeiros atletas, a realidade é que vários estudos provam o contrário. De facto, estes possuem uma capacidade respiratória semelhante aos atletas que participam em desportos coletivos como basquetebol e futebol.

Senna tornou-se uma figura de inspiração pessoal e profissional. Muitos atletas de topo, como Lewis Hamilton, Valentino Rossi, Ronaldinho Gaúcho ou Djokovic, já o citaram como uma referência. A sua ética de trabalho e resiliência tornaram-no um modelo de perseverança.

Jorge Costa também procurou ser um exemplo e foi particularmente conhecido pela sua entrega inequívoca ao desporto e ao seu clube de coração. A forma como recuperava de lesões desportivas, em tempo considerado impossível, continua a ser visto como estudo de caso. Deu sempre tudo o que tinha e o que não tinha.

É por isso que há momentos em que um simples gesto, um golo, uma vitória ou até uma derrota transforma um atleta, até então comum, numa figura quase mítica. É nesse instante que nasce o ídolo, não apenas pelo que faz em competição, mas pelo que representa na imaginação e nos corações de quem o vê. É neste tipo de patamar que as pessoas se eternizam e ninguém as esquece, para sempre.

O futebol é, por vezes, mais trágico que 'Hamlet', mais emotivo e romântico que 'Romeu e Julieta' e os grandes palcos, como os Mundiais, Euros ou finais de Champions, são frequentemente cenário de dramas dignos de Shakespeare, onde heróis caem e o destino prega partidas cruéis. Mas não há pior drama que uma morte inesperada.

Neste momento, seguir em frente não é esquecer. É nessa procura de força e fórmula reparadora que os mais próximos dos azuis e brancos ou dos vermelhos, que nunca deixam ninguém sozinho, devem procurar novas forças.

É fácil subestimar o poder da presença repetida. Mas há uma verdade simples e bonita nisto: os maiores amigos de muitas pessoas pelo mundo são os próprios ídolos da televisão. Não porque sejam melhores ou mais sábios, mas porque estão lá. Sempre. Com sorriso conhecido e com a sensação reconfortante de que, pelo menos durante aquele momento, estão lá. Mesmo que sejam só em imagens do passado. Fazem parte do dia-a-dia invisível de um país que trabalha muito e fala pouco. E por isso, merecem o nosso respeito e a nossa gratidão. Foi essa a fórmula Ayrton Senna, no Brasil (e resto do Mundo).