Villas-Boas escolheu Francesco Farioli para suceder a Martín Anselmi no comando técnico do FC Porto (Foto: IMAGO)

FC Porto: recomeçar sem receio de provocar a mudança

#Minuto 92 é o espaço de opinião quinzenal de Ricardo Gonçalves Cerqueira, jurista, gestor de empresas e sócio do FC Porto

Reconstruir, reforçar a equipa principal e preparar a estrutura de apoio ao futebol profissional para os evidentes desafios que se avizinham na época 2025/2026. Sem tibiezas nem hesitações. Mudanças no comando técnico, nas equipas de acompanhamento, de análise, de preparação e performance.

Redefinir o perfil de jogadores a contratar e a integrar no plantel, ajustar o organograma do departamento de futebol, introduzir um técnico auxiliar com histórico na casa, reforçando o peso da liderança de quem trajou e venceu de azul e branco. Requalificar o Estádio do Dragão, modernizar as infraestruturas no centro de treinos do Olival, reaproximar jogadores, treinadores e direção técnica. Recomeçar, sem receio de provocar a mudança.

Com a clareza que as circunstâncias impunham, assumiu-se que a época 2024/2025 findou com um desempenho globalmente aquém das expectativas, mesmo que apontando para a conquista da Supertaça. A comunidade azul e branca, com os sócios, adeptos e Direção à cabeça depositaram todas as esperanças num lote de jogadores e num corpo técnico, dirigido num primeiro momento por Vítor Bruno e mais tarde por Martín Anselmi, que, por razões amplamente identificadas, não corresponderam. Isto, porque no FC Porto o objetivo mínimo é a vitória, vencer jogos cá e além-fronteiras, batendo os adversários com brio e convicção. Assim não aconteceu.

A uma equipa que não conseguiu corresponder dentro de campo, somaram-se dois técnicos que, independentemente da sua valia e competência, não chegaram a convencer. Feita a avaliação, ponderadas todas as dimensões, a opção tem necessariamente de ser recomeçar.

A aposta no novo treinador, Francesco Farioli, de 36 anos, é um passo indiscutível neste sentido. Um jovem com um percurso ainda recente como treinador principal e sem troféus acrescentados ao currículo, resumem o risco assumido e a coragem da opção.

Nas duas experiências mais recentes, Farioli apresenta 13 jornadas sem conhecer a derrota em França, onde devolveu o Nice às competições europeias depois de alcançado o quinto lugar na Ligue 1 e a recuperação de um histórico do futebol europeu, o Ajax, que se bateu até ao último momento pelo título de campeão da Eredivisie, isto depois de na época anterior à chegada do italiano ter penado num quinto lugar com mais de 60 golos sofridos.

Recordemos que os sucessos desportivos mais relevantes alcançados nos últimos 25 anos no FC Porto foram-no por treinadores praticamente desconhecidos da elite do futebol, até ao seu ingresso no clube. Mourinho em 2001/2002, oriundo do União de Leiria, o próprio André Villas-Boas em 2010/2011, vindo da Académica de Coimbra, e Sérgio Conceição em 2016/2017, após uma curta passagem pelo Nantes. Três decisões em três períodos temporalmente distintos, simultaneamente arriscadas e arrojadas, e que são, nos dias que correm, unanimemente aplaudidas pelos frutos desportivos que originaram.

Analisar e comentar, à posteriori, volvidas mais de duas décadas nos casos de Mourinho e Villas-Boas, é um exercício simples e isento de risco. Naquele tempo — como agora — não faltou quem tenha desdenhado a contratação de inexperientes sem currículo enquanto treinadores principais, mas que acabaram a selar épocas verdadeiramente inesquecíveis no Futebol Clube do Porto.

Arriscado, na atual conjuntura, seria manter tudo como até aqui. Um plantel em adormecimento competitivo e os sócios à beira de um ataque de nervos enquanto assistiam, jogos após jogo, à erosão dos valores e do ADN Porto.

Hoje, como há 20 anos, exige-se coragem de arriscar.

Mentalidade, superação e vontade férrea de ganhar, princípios inegociáveis conforme apontou Francesco Farioli aquando da sua apresentação. A busca por um líder carismático dentro do balneário, um treinador preparado e tecnicamente consistente, com a capacidade de mobilizar os jogadores em torno de princípios claros, conceitos inteligíveis e uma ideia de jogo identificável.

Aos que diminuem o percurso do jovem treinador, chegando até a ironizar com a sua formação base em filosofia, não há nada como recordar as palavras do catalão José de Letamendi, catedrático de anatomia, que nos finais do século XIX, explicava que «o médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe».

Motivar, gerir expectativas e emoções, calibrar euforias e desilusões, conduzir homens, alinhá-los num caminho comum para lá das frustrações que se somarão ao percurso. O desafio que Farioli tem por diante é enorme, mas simultaneamente motivante e desafiador. Vencer, vencer mais do que os outros. Vencê-los, olhos nos olhos.

De forma categórica e convincente. Mobilizar um lote de atletas para um desígnio maior: voltar a ganhar com o escudo da cidade ao peito. Não há desafio maior e superior motivação do que devolver a alegria a milhares de sócios, adeptos e seguidores do FC Porto, espalhados pelos quatro cantos do mundo. Bem-vindo Francesco ao reino do Dragão.

Sinal Mais: Liverpool

Num gesto superior de integridade e compaixão pela família de Diogo Jota, o Liverpool assumiu o compromisso de continuar a suportar o pagamento integral dos salários a que o jogador teria contratualmente direito por um período de dois anos, a que acrescem todas as despesas com a educação dos três filhos menores. Um gesto de luz no meio de uma penumbra de dor inimaginável.