«Entre mim e o Neemias não há 'trash talk', apoiamo-nos»

Gui Santos, atualmente único brasileiro na NBA, já realizou o sonho de criança de defrontar LeBron. Falta Doncic. Diz que no basquete da FIBA há mais «porrada» e que se encontrar Queta na final ganha «Brasil»

SÂO FRANCISCO — Único brasileiro atualmente na NBA, já passaram pela Liga outros 18, com Tiago Spliter (Spurs) e Leandrinho Barbosa (Warriors) a se terem sagrado campeões, Guilherme Santos, de 22 anos, tem vindo a ganhar o seu espaço nos Warriors depois destes o terem escolhido na 55.ª posição do draft de 2022. Verão seguinte à entrada de Neemias Queta (39.º) na Liga, através dos Kings.

Sempre de sorriso aberto e pessoa de trato fácil, A BOLA conversou um pouco com o extremo/poste, natural de Brasília, durante o All-Star Weekend de São Francisco, enquanto Gui, como é conhecido, tinha a «difícil» missão de jornalista para a NBA Brasil.

Fotografia Imago/Glenn Yoza

Na altura, acabara de efetuar três perguntas ao colega de equipa Stephen Curry no dia de imprensa [sábado] dos all-stars, na Oracle Arena, em Oakland. Mas antes tivera missão mais difícil de ganhar espaço entre centenas jornalistas a entrevistar outros jogadores, onde os seus 2,03m e ser reconhecido lhe davam alguma vantagem.

O que o tem surpreendido? Quem ainda não enfrentou que gostasse? Como foi defrontar o ídolo LeBron James? Diferenças entre a NBA e FIBA?... Gui, que também aproveitou os Santa Cruz Warriors, da G League, para ir crescendo e habituar-se aos ritmos e exigências da NBA ao mesmo tempo, foi falando de tudo um pouco e como não podia deixar de ser, o amigo Neemias não podia ficar de fora.

Se em 2023/24 atuou em 23 partidas nos Warriors, esta época já vai em 39 (médias de 4,4 pontos, 3.0 ressaltos e 1,4 assistências), passando a ser um elemento habitual na rotação da formação às ordens de Steve Kerr.

— Toda esta experiência [na NBA] tem sido melhor do que estava à espera?

— Ah, sim, com certeza, com certeza... Agora que estou aqui como repórter, tem sido muito difícil, é muito complicado. E estar a fazer perguntas... Agora que terminei de as fazer estou mais relaxado, mas a experiência é muito boa de estar a fazer o vosso trabalho.

— É mais fácil estar no campo?

—Muito mais fácil jogar na court do que estar aqui a fazer perguntas. É como estava a dizer à pouco, é mais fácil bloquear um poste, um jogador da posição 5, do que entrar no meio dos jornalistas para fazer uma pergunta.

— Um dos postes contra quem por vezes tem que jogar chama-se Neemias Queta [Boston Celtics].

— Neemias Queta! My guy! [O meu amigo]

— Como é que é, falam em português no campo?

— Não, não… Ele fala em português de Portugal e eu em português no Brasil. É muito difícil falar português de Portugal. Até zoou [brinco] com bocado. Mas é muito difícil falar português de Portugal [graceja mudando o sotaque]. Não consigo… [risos].

— Mas fazem trash talk [picardias verbais] em português?

— Não. Não existe trash talk entre nós. Somos de boa relação. Ele faz uma boa bola e eu digo: ‘Boa Neemias!’ Eu faço uma boa bola e ele: ‘Boa, Gui!’ É um a torcer pelo outro dentro de campo.

— O que é que o surpreendeu até agora na NBA que não estava à espera?

— Acho que a quantidade de jogos, viagens, um jogo atrás de outro, os back to back [partidas em dias consecutivos]. Às vezes disputamos um encontro às 9 horas da noite, chegamos [à outra cidade] às 4h da manhã e já temos que jogar no dia seguinte. Penso que o calendário da NBA é muito difícil. É então que percebemos porque é que os jogadores na NBA fazem tanto dinheiro, porque também não é nada fácil.

— Quer dizer que é muito intenso fisicamente? Para quem não atua na NBA, quando se chega torna-se fisicamente muito duro?

— O basquetebol na FIBA é mais físico, com mais porrada. Vai-se o tempo todo empurrando. O basquete na NBA é mais explosivo. Os jogadores são mais rápidos, mais velozes. Também são fortes, como é óbvio, mas acho que na FIBA pode-se agarrar mais. Aqui na NBA, por qualquer coisa existem muitas faltas, eles [os árbitros] apitam muito. Cada mãozinha ali na FIBA é mais firme, digamos assim.

— O que é que ainda não lhe sucedeu que estava à espera que acontecesse na NBA?

—O que ainda não me aconteceu...

— Além de ser campeão, não é?

— É, além de ser campeão, sem dúvida. Esse é o primeiro desejo. Quero jogar contra o Luka Doncic [Lakers] na NBA. Só tive oportunidade de defrontá-lo na FIBA. É isso, jogar na NBA contra ele.

E qual era o jogador que mais esperava defrontar e já o fez?

— LeBron. LeBron James!

— O que é que representa para si?

— Ele é a história do basquetebol. Já está há 22 anos na Liga a fazer história e ter a oportunidade de o defender, jogar contra ele – defrontei-o nos Jogos Olímpicos [Paris2024] e estar, dentro de campo, também na NBA a defrontá-lo foi um sonho de criança realizado.

— Agora, com a vinda do Jimmy Butler [para os Warriors], o que é que mudou na equipa?

— Ele é um vencedor. Alguém que gosta muito de ganhar. Com certeza vai trazer muito para a equipa, ajudar dentro de campo. É muito importante ter alguém assim que possa ajudar, aliviar a pressão que está em cima do Steph [Curry]. Também pode puxar o jogo um pouco mais para ele.

— Sentiram que passaram a ter maiores ambições?

— Sim, muito. Com certeza.

— Para chegar à final?

— Esse é o objetivo, ser campeão. Sem dúvida.

— Contra o Neemias?

—Contra o Neemias. Mas desta vez vai dar Brasil.

O novo 'conector' do ataque dos Golden State Warriors
Desde a época passada que Steve Kerr não tem poupado elogios a Gui Santos pela energia que trás, assim como a ajuda que tem dado também taticamente. Com a onde de lesão que a equipa sofreu, comoo poste Jonathan Kuminga, a aposta no brasileiro tem sido crescente e, em janeiro, deu-lhe a estreia num cinco inicial, contra os Wolves. «A defesa, as trocas, ressaltos, o movimento de bola, ele faz realmente boas jogadas. Tem um bom entendimento do jogo e consegue que as outras pessoas melhorem», disse o técnico depois dos californianos terem ganho em Minneapolis (115-116). No passado sábado, numa complicada vitória contra os Pistons no Chase Center (115-110), o extremo/poste brasileiro (15 pts, 6 res) voltou a contribuir para que a equipa tenha ganho nove dos últimos dez jogos. «O Gui não tinha um rumo definido até aquele primeiro jogo contra o Pistons, em Detroit [janeiro, 104-107]. Foi aí que teve a primeira verdadeira oportunidade. Tínhamos jogadores lesionados, havia a transferência [vinda de Jimmy Butler e saída de Andrew Wiggins] e então, do nada, tudo ficou em aberto. Vemo-lo todos os dias no treino, a energia, o esforço e o QI de basquete que tem. Estou muito feliz por ele. Joga com bastante energia, paixão e a saber exatamente o que está a fazer no court. Todos os cortes que realiza no campo, o playmaking, faz o jogo fluir com a sua movimentação dele. Sabe jogar de um modo contínuo. Chamamos-lhe o 'Conector' [elo das movimentações no ataque]. O Gui é um 'conector'.»