Thiago Silva vai vestir a camisola 3 no FC Porto
Thiago Silva vai vestir a camisola 3 no FC Porto

Do natal de 1914 ao futebol de hoje: a importância da chegada de Thiago Silva

A primeira contratação de inverno do FC Porto promete marcar o mercado e a segunda metade da temporada. Thiago Silva é jogador dos dragões, que já confirmaran a chegada de um dos defesas mais experientes e titulados do futebol internacional ao futebol português.

Esta contratação surge num contexto muito particular do futebol nacional. Vive-se hoje um tempo em que o futebol português parece mais preocupado em reagir do que em jogar. Num ruído constante, onde a gritaria se tornou estratégia, a arbitragem ocupa o centro absoluto do debate e empurra o jogo para a periferia. Instalou-se quase como regra não escrita a ideia de que, entre os três grandes, quem não fala de arbitragem acaba penalizado - penalizado no terreno de jogo, no espaço mediático, na pressão pública e na perceção coletiva.

Criou-se um ciclo vicioso perigoso: quanto mais se fala de arbitragem, mais se legitima que ela seja o tema central; quanto mais central se torna, mais se sente a necessidade de reagir. O silêncio passou a ser interpretado como fraqueza, a ponderação como complacência e a responsabilidade como ingenuidade. O futebol deixou de ser debate e passou a ser reação. Fala-se mais de árbitros do que de jogadores, mais de comunicados do que de ideias de jogo, mais de intenções do que de talento. A exigência tem de existir, mas deve ser feita com seriedade, critério e responsabilidade, não como arma de arremesso permanente nem como estratégia de comunicação.

Este caminho não é inocente nem inofensivo. Alimenta a suspeita constante, normaliza a desconfiança e instala um clima de hostilidade que extravasa o relvado. Um ambiente tóxico que desce às bancadas, alastra às redes sociais e entra nas relações do quotidiano. O futebol, que deveria educar, entusiasmar e unir, passa a legitimar o confronto verbal, o insulto e a intolerância, tudo isto num país que vive em paz, onde o desporto deveria ser um dos últimos espaços de encontro coletivo e não mais um território de fratura social.

Talvez por isso faça sentido recuperar um episódio histórico que nos obriga a recentrar o olhar sobre o jogo. No dia de Natal de 1914, em plena Primeira Guerra Mundial, soldados ingleses e alemães saíram das suas trincheiras, encontraram-se a meio do caminho, trocaram objetos, sorrisos e humanidade. Alguém fez rolar uma bola improvisada. Jogaram. Riram. Partilharam um momento de paz em plena guerra. Sem árbitro, sem protestos, sem comunicados. Apenas jogo. Os alemães venceram os ingleses por 3-2. Pouco ou nada interessa o resultado. O mais importante, naquele dia, numa guerra real, o futebol conseguiu suspender o ódio. Hoje, num país em paz, parece por vezes incapaz de se proteger a si próprio do ruído que o consome.

É neste cenário que a chegada de Thiago Silva ganha também um valor simbólico. Uma lenda do futebol ainda no ativo, cuja carreira sempre foi marcada mais pelo jogo do que pelo ruído, mais pela liderança silenciosa do que pela polémica. Mas a contratação do brasileiro tem, antes de mais, uma explicação desportiva clara.

O FC Porto tem sido uma das equipas mais sólidas do campeonato português, sendo a formação com menos golos sofridos na Liga, apenas quatro, muito por mérito da dupla titular de centrais, Bednarek e Kiwior. Contudo, essa solidez tem exposto uma fragilidade estrutural do plantel: a falta de profundidade em posições-chave. Lesões e castigos obrigaram já a soluções de recurso, como aconteceu recentemente, quando Pablo Rosario, médio de origem, foi utilizado como defesa-central frente ao Alverca, devido à ausência de Bednarek por castigo.

Thiago Silva surge precisamente para colmatar essa lacuna. Não chega para questionar titulares, mas para dar opções, segurança, experiência e liderança a um setor que não admite improvisações em momentos decisivos. Aos 41 anos, continua a oferecer aquilo que o tempo não retira: leitura de jogo, antecipação, posicionamento e capacidade de comando da linha defensiva. Num modelo exigente como o de Francesco Farioli, que privilegia uma defesa subida, construção desde trás e organização coletiva, a inteligência tática do brasileiro pode ser determinante.

Para além do impacto dentro de campo, a sua presença eleva o patamar competitivo do balneário. Thiago Silva acrescenta cultura vencedora, exigência diária e um sentido de responsabilidade que contagia. É um reforço técnico, mas também mental, num futebol cada vez mais carente de referências que falem menos e façam mais.

A contratação do internacional brasileiro sinaliza ainda a estratégia do FC Porto neste mercado de inverno. O clube está consciente das limitações do plantel e procura corrigir a falta de profundidade, garantindo soluções que permitam manter o nível competitivo independentemente das contingências. Tudo indica que este não será o último movimento, sendo expectável que um avançado seja a próxima posição a reforçar, numa lógica de equilíbrio global da equipa.

O futebol nunca será apenas um jogo. É identidade, cultura, emoção e responsabilidade social. Talvez por isso, num tempo de ruído excessivo, o regresso de uma figura como Thiago Silva recorde algo essencial: antes de reagir, é preciso jogar; antes de gritar, é preciso pensar; e antes de desconfiar, é preciso proteger o próprio futebol.

«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach», «Organizar para Ganhar» e «Manuel Cajuda – o (des)Treinador».