Belenenses contra B SAD? Aconteceu na Roménia: «Foi uma pancadaria que nunca tinha visto»
Destino Aventura é a rubrica em que A BOLA dá a conhecer os jogadores espalhados pelos cantos mais remotos do mundo. Pedro Machado, defesa-central do Al Tadhamon (Koweit), recorda a passagem atribulada pela Roménia, em 2021, onde vestiu a camisola do FC Universitatea Craiova.
— A tua experiência na Roménia, no Universitatea Craiova, acabou por ser curta. Correu alguma coisa mal?
— Houve coisas que correram mal. No início foi tudo muito bom. Estava a gostar bastante da Roménia, do futebol romeno. Os adeptos são muito apaixonados. A equipa também era boa, tinha qualidade. Era treinado pelo Adrian Mutu, que toda a gente conhece enquanto jogador. Muito competente como treinador. Também gostava de um futebol atrativo, de posse, de ataque constante, pressão alta. E eu estava-me a adaptar muito bem. Estava bem, sentia-me como a fazer parte do nosso onze titular. Quando fomos para o primeiro jogo, tive logo uma situação que me deixou desconfortável. Não trataram da minha inscrição a tempo. Para o segundo jogo a mesma coisa. Começaram a inventar algumas desculpas e até mentiras. A partir daí comecei a perceber que tinha que me mexer por mim e fazer eu as coisas. E foi, paguei eu com a minha mulher. O clube também recebeu essa informação e deram um empurrãozinho. Tive a ajuda do Sindicato dos Jogadores e sabia o que é que tinha de fazer. As coisas resolveram-se ao fim do terceiro jogo do campeonato. Joguei, a equipa ganhou. Tinha sido a primeira vitória. Fui bastante elogiado. No jogo seguinte fui titular novamente. Um empate a zero em casa. Tinha sido um bom resultado. A partir daí começaram a acontecer situações estranhas que não conseguia controlar.
— Que tipo de situações?
— De sair uma convocatória, eu estar convocado, apagarem a convocatória e o meu nome já não estar lá. Nunca tive uma explicação do que é que se estava a passar. A equipa técnica do Mutu também me respeitava bastante, porque eles viam que realmente eu tinha qualidade para estar ali e podia ser uma mais-valia. E por algo superior não podia ser opção. E tiveram uma atenção comigo, vieram falar comigo, explicar-me isso, que não era por eles que não estava a jogar ou que estas situações estavam a acontecer. Porque por eles eu jogaria em condições normais. Era algo superior para ter atenção e começar ali um pouco a preparar outras soluções para a minha carreira. Disponibilizaram-se a ajudar em tudo aquilo que pudessem. Tinham muita pena e estavam envergonhados. Eram ordens que vinham de cima e que eu nunca percebi o porquê.
— O Universitatea Craiova teve vários treinadores nessa época. A situação manteve-se?
— Cheguei a cruzar-me com mais treinadores e a situação era a mesma, porque vinha de cima... Normalmente, quando há uma troca de treinadores, um jogador que não está a jogar tanto, ou o que seja, tem sempre ali um período para poder mostrar aquilo que vale. Mas comigo e com outros colegas isso nunca aconteceu. Fomos colocados de parte e não tivemos qualquer hipótese de o fazer. E isso mesmo com a troca do treinador. O Mutu era uma pessoa com muita força na Roménia. Houve a troca do treinador e a postura manteve-se. Eu senti que esse treinador quando chegou já fazia muito mais parte daquilo que era o clube e a seguir as ordens do clube do que outra coisa. Depois acho que também deve ter começado a perceber algumas coisas que não iria controlar. Eu ainda consegui fazer 10, 15 minutos num jogo-treino em que estive muito bem. E logo a seguir temos outro jogo-treino em que nem sequer sou opção.
— Jogaste com Hugo Vieira na Roménia. Passou-se o mesmo com ele?
— A situação dele foi idêntica e todos nós conhecemos a carreira que o Hugo teve. O Hugo é um amigo. Foi alguém muito importante para mim nesse período. E mais para a frente ajudou-me bastante. Era alguém que merecia mais respeito por toda a sua carreira.
— Mais alguma história engraçada que tenhas da passagem pela Roménia?
— Tive várias histórias na Roménia. Foi a primeira vez que estive fora de Portugal. Tenho muita coisa para contar da Roménia, porque realmente é um futebol muito apaixonante. As pessoas vão ao estádio e vibram muito com aquilo. Há outras coisas que para nós jogadores marcam-nos sempre. Eu lembro-me que, por exemplo, nos primeiros tempos fiquei num hotel com outros jogadores. Não é como os nossos hotéis em Portugal, porque estamos habituados a ter alguém numa receção, alguém no bar para poder tratar do pequeno-almoço. Lembro-me que um dia íamos almoçar ou jantar e desci com a minha mulher. O Hugo Vieira também estava lá. Sentamo-nos, pegámos na lista para escolher e começámos a pedir coisas normais. Um frango grelhado? E a pessoa que nos estava a atender dizia que não tinha dizia. Um salmão? ‘Isso também não temos’. Começámos a ver outras opções da lista... e não tinha nada. Até que tivemos de perguntar o que é que tinham... E lembro-me que tinham sopa ou algo do género.
— Era o clube que arranjava os hotéis ou as casas para os jogadores?
— As casas, neste caso, não. Mas o hotel tinha sido. E tanto que foi o homem, coitado, não tinha culpa e depois explicou-nos que iam chegar as compras do supermercado. Até nos aconselhou um restaurante ou outro para irmos. Mas foi algo insólito para nós porque ninguém nos tinha avisado que não havia comida. Começámos a escolher ali algumas coisas e não havia nada.
— A rivalidade entre o FCU Craiova e o CSU Craiova...
— Só para se ter uma ideia, é mais ou menos a história do Belenenses e da B SAD, na altura em que se separaram. O Craiova era igual. Os nomes são iguais. Um é o FCU Craiova e o outro é CSU Craiova. E também foi um clube que se dividiu. O meu clube começou em baixo, na terceira divisão, e foi subindo até à primeira. No ano em que eu lá estava era o tão ansiado embate entre as duas equipas. Partilhavam o mesmo estádio, a mesma cidade e era uma rivalidade que eu nunca tinha visto, nem em Portugal. Estava uma ansiedade tão grande com aquele jogo, porque ia ser o primeiro embate entre um e outro. Soube através dos meus colegas que havia grupos no WhatsApp a combinar encontros entre adeptos para andarem à porrada e ninguém sabia como é que os iriam controlar. A situação que arranjaram foi colocá-los em polos opostos. Uma claque ficava de um lado, a outra claque ficava do outro. Mas aquilo não resultou, porque foi demais. Acho que foi a nossa claque que entrou primeiro. Ficou no lado que lhe estava designado. Estávamos no meio do estádio. E a claque do nosso adversário, que estava a jogar fora, demorou uns 15 ou 20 minutos para entrar no estádio. Quando entraram no estádio, entraram todos vestidos de preto e a correr... Começaram a trepar as vedações, que foi para irem para o outro lado e desatarem à porrada. Foi uma pancadaria que nunca tinha visto na minha vida. Depois lá conseguiram acalmar-se, separar aquilo, cada um para o seu lado. E o jogo depois acabou por decorrer com normalidade... salvo seja, porque até houve um ataque cardíaco na bancada.
— Mais alguma situação?
— Tivemos outra, quando houve a alteração da minha situação, foi um jogo fora, e acabámos por perder por 0-1. Eles lá têm muito aquela questão, como nós em Portugal, de agradecer ao público. Só que eles respeitam muito a massa adepta, e aquilo que eles dizem. Então fomos agradecer ao público e a malta mais experiente disse: ‘Não nos vamos chegar tão perto, porque eles estão chateados e pode haver confusão’. Mas pronto, o nosso capitão até na altura era um miúdo mais jovem, que eles queriam aproveitar e deram-lhe a braçadeira para tentarem vendê-lo, e foi mais perto, mais perto, mais perto e aquilo foi uma loucura. Os adeptos começaram a tentar também subir a grade. Eram cuspidelas, era tudo e tivemos de sair dali, até com a polícia. Quando chegámos ao autocarro, estávamos prontos para ir embora. Os da claque tentaram entraram lá dentro. Tínhamos perdido por 0-1, nada do outro mundo, mas tentaram entrar dentro no autocarro. Não sei se era para falar connosco ou darem-nos porrada. O que eu sei é que o caminho de regresso para casa, não conseguimos parar em nenhuma estação de serviço, que era hábito nosso para fazermos a refeição pós-jogo. Cada vez que parávamos, também parava um carro da claque e aquilo ia dar confusão. Eu lembro-me que só parámos já muito perto de Craiova e vinham connosco daquelas carrinhas de choque da polícia. Eram umas 15 carrinhas, umas quantas atrás, umas quantas à frente, parámos todos numa zona designada por eles e era muita a polícia que estava ali também, parada a comer connosco. Levámos essa escolta até ao nosso estádio.
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