Jovens jogadores do Kiala FC, de Angola
Jovens jogadores do Kiala FC, de Angola

«Angola Avante» na alegria dos Kandengues do Kiala FC

As lições de vida que testemunhei em Angola e a profecia ainda por cumprir de Agostinho Neto...

Confesso que me comovi quando vi imagens da reação dos kandengues do Kiala FC, clube de Luanda, a um vídeo postado no TikTok. Vídeo de Kabango, jovem extremo de 18 anos, em Portimão já com a camisola do Portimonense, onde vai completar o processo de formação. Até há poucos dias era uma das quase cem crianças e jovens a treinar e jogar no Kiala. A alimentar-se de esperanças, que são, no fundo, pedidos de empréstimo à felicidade. Um projeto desportivo e social, com o objetivo claro de abrir portas onde só existiam muros. Liderado por Kelly Key, conhecida cantora brasileira, e o marido, o empresário angolano Mico Freitas.

O que me comoveu foi a alegria genuína de todas as crianças do Kiala, festejando como se de um golo se tratasse. No fundo, celebrando uma vitória que é assumida por todos. A mais importante vitória de todas: a de que ninguém está condenado a viver uma vida sem horizontes. Kabango deixou de ser apenas um rapaz a quem foi dada uma oportunidade de vida, passou a ser bandeira e porta-voz do Kiala.

Imagino o que aconteceria em Portugal, por exemplo, se um rapaz da formação de um clube modesto fosse contratado para jogar num grande clube. As invejas dos restantes. Os pais a questionar que cunha teria o rapaz… Coisa de empresário, só podia… Ou alguém do clube a receber dinheiro… Quem seria tão cego a ponto de não perceber que o filho deles seria a escolha acertada?

Há coisas que em África fazem muito mais sentido. Em Angola, por exemplo, aprendi pela vivência três valores cruciais: o respeito pelo mais velho; o valor da família; o papel da comunidade, onde, como revelou recentemente o músico Bonga numa entrevista à SIC, a mãe do vizinho era também mãe dele. As mães cuidam dos filhos das outras mães. Aprendo também com as crianças do Kiala que é possível festejar de coração puro e felicidade genuína o sucesso dos outros. O outro não roubou o lugar a quem quer que seja, antes abriu a porta para os restantes passarem. E eis como um continente ao qual se colou, e percebem-se as razões, a imagem de subdesenvolvimento, está na linha da frente ao preservar valores humanos ancestrais, provando que a maior riqueza de um país é o povo, não a elite politica, social ou económica.

A festa dos meninos do Kiala tornou-se, na minha cabeça, a imagem para retratar o 11 de Novembro, anteontem evocado e celebrado, de Cabinda ao Cunene, com a pompa justificável por 50 anos de independência de Angola. A festa dos meninos do Kiala é o sinal de esperança no futuro dos angolanos; por ser sinal de união de uma «Pátria Unida» e em «Liberdade», como «Um só Povo, Uma Só Nação».

Que os angolanos se pronunciem sobre o país que amam. Que assumam as rédeas e dispensem os conselhos, avisos ou sentenças, mesmo que bem intencionados, de quem não conhece como eles a realidade. Que o povo continue a acolher quem os respeita. Que os pulas de hoje sejam vistos como os filhos dos que também lutaram em Portugal pela queda da ditadura e que permitiu o processo de independência. E o povo sabe a diferença entre quem chega por bem ou não.

Que se cumpra o sonho de Agostinho Neto. «Às casas, às nossas lavras, às praias, aos nossos campos havemos de voltar». Pois voltaram com a independência. Tal como «à frescura da mulemba, às nossas tradições, aos ritmos e às fogueiras havemos de voltar». Mas ainda há muito para cumprir nesta certeza de Agostinho Neto. Que haja espaço para todos e que todos voltem para tomar posse do que é de todos. Angola tem dono: mais de 30 milhões de angolanos. Depois, tem mais uns milhões como eu, que bebeu da água do Bengo e para sempre ficou preso. Angola Avante.