«Ainda guardo algum desprezo por aqueles que usaram o Marselha»
Após três épocas ao serviço do Sporting, em que se sagrou campeão em 1999/2000, colocando fim do jejum de 18 anos, o então médio defensivo transferiu-se para o Marselha, em 2021, longe de saber que ia enfrentar o maior calvário da vida. Uma contratura muscular, durante um sono no autocarro a caminho de Lyon, em 2001, posteriormente com diagnósticos contraditórios, levou-o a ser submetido a diversas intervenções cirúrgicas. Esteve 40 meses sem jogar e passados 24 anos o processo judicial ainda não está concluído.
- Sporting e Marselha, duas equipas que marcaram o seu percurso como jogador, vão defrontar-se. Qual o sentimento?
- É estranho quando duas equipa que representei se vão confrontar na Champions. O Sporting, que me projetou ao mais alto nível, que fez de mim parte ou grande parte do profissional que acabei por vir a tornar e preparou-me para um desafio internacional que iniciou em França, ao serviço do Marselha, onde, sem dúvida, vivi momentos de grande pesadelo e de alguma magia também.
- Esteve mais de dois anos e meio sem jogar. Foi um longo calvário...
- Tive cinco anos de vínculo contratual com o Marselha e estive 40 meses sem vestir a camisola do clube.
- Se a nível físico isso é muito difícil, como foi a nível psicológico?
- Somos postos à prova. Cada um, como diz o ditado, com a sua cruz... De que me vale dizer que o colega coitado sofreu ou está a sofrer, podemos ter um sentimento de preocupação e camaradagem, mas longe de perceber o que realmente sofre um atleta, não só fisicamente, mas muito pela ausência do relvado, o fator psicológico é muito preponderante.
- Passados 23 anos o processo que decorre nos tribunais ainda não está concluído.
- O processo está, neste momento, no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Felizmente, para mim saiu da alçada da justiça francesa. Em fevereiro último tive mais um parecer negativo por parte do Supremo Tribunal francês, o que não me surpreendeu, e, legitimamente, avancei para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Isto deixou de ser um processo, é indiscutivelmente uma causa, estou a viver, ou ainda a viver tudo o que me foi feito há mais de 23 anos, no início de julho de 2002 até os dias de hoje.
- Recorda-se da viagem que foi feita de autocarro até Lyon (cerca de 380quilómetros de distância)?
- Sim, isso foi o clique, foi um mero percalço, uma contratura lombar contraída durante um período de sono no autocarro, que depois desenrolou-se em episódios animalescos.
- Guarda algum rancor em relação ao Marselha?
- Não... Guardo algum desprezo por aqueles que usaram o Marselha.
- O Marselha chega a Alvalade como líder da Ligue 1,com a defesa menos batida e o ataque mais eficaz. O que espera deste jogo?
- Forte, muito forte. É um clube que, como disse, nada tenho contra o emblema e contra a instituição, mas sim contra aqueles que usaram e abusaram da posição que ocupavam no mesmo, porque o clube em si é um clube enorme, de grandes emoções que, sediado numa cidade onde se respira futebol, onde o futebol é religião, eu próprio apaixonei-me por essa forma de se viver o clube, de sentir nas quatro linhas o que é vestir a camisola do Marselha, nem todos têm estofo para a vestir consecutivamente porque isso reflete-se ou vê-se aquando dos resultados negativos, o clube e os sócios também se transcendem para o mal e demonstram isso dentro e fora de campo. Contudo, faz de nós grandes profissionais e grandes homens.
- Estará o Sporting à altura para fazer face ao poderio do adversário, após um jogo de Taça de Portugal, com 30 minutos de prolongamento, diante do Paços de Ferreira?
- As equipas têm plantéis vastos, têm de obrigatoriamente fazer jogar jogadores que, por norma, nas competições menos importantes não têm tido tanta oportunidade e os resultados não são fáceis de encontrar, não podemos nunca desprezar o oponente, porque jogavam em casa, é uma equipa aguerrida, em Paços de Ferreira vendem-se caro as derrotas e Sporting sentiu isso na pele, além de ser o fenómeno de taça, em que os jogadores das equipa menores se transcendem.
- Muito se tem falado do sistema de jogo adotado por Rui Borges. Qual a sua opinião?
- Quem vive diariamente com o plantel é o treinador. O que sempre disse e desabafava com os meus amigos que o grande desafio do treinador de Sporting estaria, para esta época, face ao fenómeno de que viu-se órfão, indiscutivelmente a estratégia teria de mudar. Em termos de finalização vê-se que agora os golos estão mais distribuídos. Vejo que o Sporting constrói, cria, marca, contudo, há fragilidade aqui e acolá em que o treinador ainda estará à procura da melhor estratégia para colocar as peças, seja em que esquema tático for.
- Luis Suárez, que chegou com rótulo de substituto de Gyokeres, está a dar conta do recado?
- Foi muito positiva esta entrada, não só veio dar continuidade, a espaços, a esse fator preponderante de uma equipa, que é a finalização, como vejo outros jogadores aparecerem novamente nesse fenómeno, Trincão, Pote, jogadores que com o Gyokeres, instintivamente, trabalhavam 70% do seu potencial para aquele índice de finalização por parte de um jogador que estava com a magia toda e 30% para eles. Agora está tudo muito mais distribuído e cabe ao treinador desenvolver essas características e tirar o melhor sumo possível.
- E em relação ao meio-campo. Que avaliação faz?
- Hjulmand é o maestro, o carregador de piano, mal seria se tivesse saído também, para o Sporting seria muito difícil colmatar essas duas grandes peças e prevejo que será um jogo bom de se ver e um desafio enorme para o Sporting para cimentar essa mesma posição que o treinador tem na continuidade da filosofia de jogo que implementou.
- Por quem vai torcer?
- Sou português, sempre! Vou ficar em casa a ver o jogo com os meus filhos, que são sportinguistas.
- Acredita na conquista do tri?
- É um tónico de motivação muito positivo para os jogadores, é uma vontade muito grande da estrutura e de todos os adeptos.