«A fome do Cristiano de ser o melhor é contagiante»
Roberto Martínez considera estar perfeitamente integrado em Portugal desde que assumiu a liderança da Seleção Nacional e já foi aceite pelos portugueses como treinador estrangeiro e, mais relevante, não falante de português, algo que se tem esforçado desde o primeiro dia para alcançar.
«Só tinha havido dois selecionadores estrangeiros e ambos de língua portuguesa, brasileiros, mas senti-me sempre muito bem acolhido, com muito carinho. Não apenas como selecionador. No dia a dia, com a minha família, sentimo-nos em casa. Compreendia que pudessem existir dúvidas: por que razão precisamos de um treinador estrangeiro quando os portugueses são dos mais cotados? Por isso, a minha proposta foi aprender a língua o mais depressa possível. Se eu fosse adepto, gostaria que o selecionador falasse português», disse em entrevista ao jornal Marca.
Com o Mundial à porta, são inevitáveis as perguntas sobre Cristiano Ronaldo. Terá 41 anos nessa altura, por que razão continua a ser indiscutível em Portugal?
«A atitude. Analisamos três pilares: o talento, a experiência e a atitude. Essa fome de ser o melhor transmite-se no campo. É contagiante. 25 golos em 30 jogos a jogar a '9' demonstra o que ele gera para a seleção. Estamos a falar de um jogador que começou como um extremo muito habilidoso e que agora é mais um jogador de referência dentro da área. Nós vemos isso claramente: o Cristiano condiciona o adversário. Quando está em campo, abre-se outro espaço, porque há dois jogadores que vão estar atentos à sua marcação», enumerou, avaliando o objetivo pessoal de chegar aos mil golos: «Está num momento da carreira muito bom. O seu segredo é ser o melhor hoje e desfrutar do dia a dia. O número vai ser uma consequência do dia em que decidir terminar. Não creio que seja um objetivo.» E o que veremos primeiro: Cristiano a ganhar um Mundial, a marcar o golo 1000 ou a jogar com o filho? «Com o coração, espero que seja a ganhar o Mundial», respondeu.
Martínez foi ainda convidado a comentar palavras de Ronaldo em sua defesa, apontando-o como o treinador ideal para dirigir a Seleção. «É uma mensagem muito forte, de liderança. Há que colocar as palavras em contexto. Eu chego à Federação com um presidente que cumpre o mandato e entra um novo presidente. Houve um período de muitos nomes, de mudanças, e o balneário reagiu dando tudo em campo. Isso demonstra a liderança e a experiência de como o capitão sabe guiar a equipa.»
«Não me vejo em mais lado nenhum a não ser na Seleção de Portugal»
O espanhol fez um balanço do tempo que leva como selecionador.
«Gosto de trabalhar sempre com a ideia de tomar decisões válidas para os próximos 20 anos. É uma responsabilidade que temos. Jogámos 36 jogos e conseguimos um equilíbrio muito bom e uma grande consistência. Não faz sentido mudar os 23 jogadores em cada convocatória porque se perdem os conceitos. Mantivemos o compromisso de jogadores com muitíssima experiência que adoram estar na seleção: Bruno Fernandes, Bernardo Silva, Rúben Neves, Rúben Dias, Cristiano Ronaldo... Abrimos caminho a novos talentos que chegaram para ganhar jogos: Vitinha, João Neves, Francisco Conceição, Pedro Neto, Renato Veiga... O futebol de formação em Portugal é incrível e constitui um exemplo para outros países. Gosto sempre de o destacar. Com 11 milhões de habitantes, consegue todos os anos ter 3 ou 4 jogadores de altíssimo nível, sublinhou, falando de um eventual regresso a Espanha:
«Nunca planeio. Se me perguntares hoje, vejo-o muito longe. No futebol tens de viver o dia a dia. Neste momento, não me vejo em mais lado nenhum a não ser na Seleção de Portugal.»
Mundial com 48 seleções
Portugal ficou inserido no Grupo K com a Colômbia, Uzbequistão e o vencedor do play-off entre Congo, Jamaica e Nova Caledónia. «Ao jogarmos o primeiro jogo a 17 de junho, podemos ajustar muito bem os tempos desde a final da Champions (30 de maio) para trabalhar o jogador de uma forma mais individual», analisou, falando do novo formato com 48 seleções: «O Mundial é para todo o mundo e o facto de os adeptos e os jogadores poderem ter a opção de chegar ao Mundial deveria ser mais fácil. O que não gosto é do formato. Há muitos jogos e deveria ser dada importância a todos eles. Gostaria que os líderes de grupo, como acontece na Champions, avançassem automaticamente uma ronda. Assim evitaríamos situações em que o terceiro jogo da fase de grupos se torna numa oportunidade para ver onde o caminho é mais apetecível.»
O Mundial é para todo o mundo e o facto de os adeptos e os jogadores poderem ter a opção de chegar ao Mundial deveria ser mais fácil. O que não gosto é do formato
Martínez concorda que é tempo de Portugal se impôr na maior competição de seleções, depois de um Euro e duas Ligas das Nações: «Aqui é onde se vê a diferença entre ser favorito e candidato. Eu penso que apenas aqueles que anteriormente ganharam um Mundial podem ser favoritos. Vejo seleções que chegam muito bem, como a Espanha. A Alemanha também chega preparada, é a única seleção europeia que ganhou um Mundial na América (Brasil 2014). A França, na minha opinião, é feita para grandes torneios e também, por proximidade, o Brasil e a Argentina.»
Quando a questão é defrontar a Espanha na final, o selecionador retraiu-se, mas lá confessou. «Jogar oito jogos seria um sucesso. Todas as seleções europeias temos um handicap maior e não se fala muito disso: três países, adaptarmo-nos à logística, à altitude, ao clima... Vimos de um Mundial (Qatar 2022) que foi o oposto. Adoraria jogar uma final. A nível emocional, há que respeitar muitíssimo as nossas origens, mas a nível profissional o trabalho está sempre centrado no que podemos alcançar. Sabemos que a Espanha vai chegar longe e jogar uma final seria uma prova de um trabalho muito bem feito. Um desejo aos Reis Magos? Jogar a final do Mundial. E se a jogarmos, ganhamos, de certeza.»