João Cancelo: «O Manchester City foi ingrato comigo»
Pep Guardiola e João Cancelo passaram três temporadas e meia juntos no Man. City PUBLICATIONxNOTxINxUKxIRL Copyright: xMartinxRickettx 70806125

ENTREVISTA A BOLA João Cancelo: «O Manchester City foi ingrato comigo»

INTERNACIONAL24.03.202408:30

Reconhece estar impressionado com o companheiro João Félix; revela o que se passou com Pep Guardiola; diz que sempre foi fiel aos seus princípios

No verão de 2019, João Cancelo trocou a Juventus pelo todo-poderoso Man. City, clube que representou durante três épocas e meia. Essa decisão foi, de acordo com o lateral, uma das melhores da carreira. A ligação aos citizens, porém, terminou de maneira abrupta, após um conflito com o técnico Pep Guardiola, que criticou publicamente a postura do jogador quando este não jogava. Nesta parte da entrevista a A BOLA, João Cancelo esclarece o que se passou, reconhece estar surpreendido com o companheiro João Félix e sublinha a surpresa que foi jogar na Bundesliga pelo colosso Bayern Munique. 

- Em termos de golos marcados, no total de 4, esta já é a melhor temporada do Cancelo. Que balanço faz até ao momento?

- As pessoas olham para a estatística e eu acho que fiz épocas melhores no Man. City, mas aí os números não eram tão bons. Eu não olho para isso, vou desfrutando jogo a jogo, mas sim, estou a ter uma época muito positiva, apesar de no campeonato coletivamente não estarmos na posição em queríamos estar. Já saímos da Taça do Rei e perdemos a Supertaça, mas estamos ainda na luta pelo campeonato, ainda que estejamos a 8 pontos do Real Madrid, e nos quartos da Champions, fase que o clube não atingia há quatro anos. É uma época especial para mim, porque eu sou do Barça. Toda a minha família é do Benfica, mas eu sempre admirei o Barcelona. Os meus ídolos jogaram todos aqui, gosto da forma como olham para os jovens, têm uma cultura de jogo relativamente à qual estou encantado.

- Se o João se está a afirmar, o mesmo não se pode dizer do João Félix, que ainda não conseguiu, verdadeiramente, explodir na equipa. Dá-lhe conselhos?

- Sim, tento incutir-lhe alguma experiência que já tive pelo facto de já ter passado por muitos clubes, o que pode não ser positivo para muitas pessoas, mas para mim foi muito. Este ano comecei a conhecer um pouco melhor o João e ele é um rapaz muito trabalhador e nunca esperei isso. Às vezes, os jogadores com muito talento não têm a tendência de trabalhar tanto e ele é ao contrário. O João tem qualidades que se veem muito pouco nos outros jogadores e ele está no caminho certo. Sempre que entra nos jogos desequilibra, tem um toque de bola mágico e rasgos de génio e é isso que faz dele um jogador tão mediático, tanto em Portugal como em Espanha. Há muitas pessoas que gostam dele, outras que o odeiam, mas faz parte da nossa vida. Ele lida muito bem com a pressão e estou impressionado com a qualidade dele e com a pessoa que é.

João Félix com João Cancelo (Imago)

- Vamos recuar sensivelmente dois anos e abordar o momento da assinatura de renovação de contrato com o Man. City até 2027. Alguma vez pensou que ia passar posteriormente por dois empréstimos consecutivos?

- Não, realmente não pensava, mas vivo a minha vida no momento. Certas coisas ditaram que fosse emprestado, no ano passado, ao Bayern Munique. Não estou arrependido, mesmo que o City tenha ganho a Champions. Sinto que fiz a escolha certa, que fui para um clube que realmente me queria, mesmo antes de renovar contrato. Foi um clube que me deu muito nos seis meses em que estive lá. Lidei com grandes jogadores e o clube é espetacular. Depois, vim para aqui, baixei o salário e não estou incomodado com isso minimamente. Esta foi a terceira vez que estive para vir para o Barcelona e finalmente estou aqui.

- Como reagiu às críticas públicas do Guardiola, que afirmou que o João não estava feliz por os seus companheiros, nomeadamente o Rico Lewis e o Nathan Aké, estarem a jogar?

- Mentiras foram contadas! Nunca fui um mau companheiro para eles e pode perguntar tanto ao Aké como ao Rico. Não tenho nenhum complexo de superioridade ou inferioridade em relação a eles, mas é a opinião do mister…

- Ficou triste com essa declaração pública?

- Fiquei porque não é verdade. Acho que o Man.City foram um bocado ingratos comigo ao falar isso, porque fui um jogador muito importante nos anos em que lá estive. Nunca faltei com o meu compromisso com o clube, com os adeptos e sempre dei tudo. Lembro-me de uma fase em que fui assaltado e agrediram-me e no dia seguinte estava a jogar no Emirates frente ao Arsenal. São coisas que não se esquecem, deixei a minha mulher e a minha filha sozinhas em casa apavoradas. As pessoas só vão lembrar-se disso porque o mister Guardiola tem muito mais força do que eu quando diz alguma coisa e eu prefiro estar na minha. Prefiro saber que estou a dizer a verdade, sinto-me realizado com aquilo que fiz. Sou uma pessoa transparente, nunca menti. A vida segue e desejo-lhes que corra tudo bem, porque enquanto lá estive desfrutei do meu futebol e da equipa. Continuam a ser a equipa favorita a ganhar a Champions.

- Essa ingratidão de que fala é a principal razão para não ter celebrado publicamente o triplete do clube e participado na homenagem da Federação Portuguesa de Futebol na Gala Quinas de Ouro, da qual fez parte o Rúben Dias e o Bernardo Silva?

- Sim, não vou ser hipócrita. Não são os troféus que me valorizam, porque esses já os tenho em casa. A minha filha, a minha mulher, o meu pai, meu irmão estarem bem e tudo aquilo que quis a nível pessoal... essas são as maiores conquistas. Os troféus a nível desportivo vêm por acréscimo do trabalho árduo diariamente ao longo da temporada. Nessa Champions, fiz algumas assistências na fase de grupos, mas o meu sentimento foi de que eu não ganhei! Por isso, não aceitei a homenagem da FPF.

- O Bernardo e o Rúben não tentaram persuadi-lo do contrário?

- Não, até porque eles já sabem que quando meto uma coisa na cabeça vou até ao fim com ela.

- Entretanto, em janeiro, é cedido ao Bayern Munique. Esperava ser campeão na última jornada?

- Foi mais difícil do que eu pensava. Pensava que a Liga alemã era mais fácil do que era e que o Bayern dominava muito mais, até porque tinham 10 títulos consecutivos. Complicou-se no final, porque o Dortmund estava muito bem quando eu cheguei, a jogar muito bom futebol. Não gostava de ter ganho no último momento, mas parece que sabe um bocado melhor. Tive o prazer de jogar nessa equipa recheada de talento e a felicidade de ganhar um título com o clube. Ganhei em Itália, Inglaterra, Alemanha e gostaria de neste e no próximo ano estar aqui a lutar pelos títulos em Espanha.

Na época passada, João Cancelo, ao serviço do Bayern Munique, enfrentou, curiosamente, o Man City nos quartos de final da Liga dos Campeões