«Benfica precisa de ter atenção para não passar pelo mesmo que em Barcelona e Manchester»
Numa entrevista alargada, Mauro Xavier expôs algumas das ideias que juntou no livro 'A Nossa Camisola', que classifica como projeto estratégico e um contributo para o futebol português. Assume que não fecha a porta a uma candidatura a presidente do Benfica, mas fala de muito mais.
Os novos estatutos do Benfica
São melhores do que os anteriores, ajudam-nos a organizar, mas não trazem troféus para o museu.
«Termos os novos estatutos é o mais importante. Acredito que nenhum sócio saiu a achar que são perfeitos, incluo-me nesse grupo, mas achei que eram bons os suficientes para merecer o meu apoio. É com estes estatutos que vamos trabalhar nos próximos 15 anos e sinto-me confortável com isso. São melhores do que os anteriores, ajudam-nos a organizar, mas não trazem troféus para o museu. É um capítulo que está encerrado, foram aprovados por 90 por cento de nós, foi fator de união, o apoio dos sócios a estes estatutos é claro e inequívoco. Parabéns à Direção, a Pereira de Costa por ter conduzido este processo numa fase difícil, a Fernando Seara por ter iniciado o processo e parabéns a todos os sócios que participaram com propostas. Foi um momento importante da vida associativa do Benfica, agora ainda temos muitos momentos importantes, a começar ainda esta época, da SAD, do futebol, das modalidades, para preparar o médio prazo.»
Resultado de mais de €40 M no primeiro semestre da época
O que me preocupa é que nos últimos anos o Benfica gasta mais do que aquilo que recebe.
«Acho que é um bom saldo positivo, mas não acho que sejam umas boas contas. O Benfica tem de ter como norte o sucesso desportivo, as contas só por si não traduzem nada. O que me preocupa é que nos últimos anos o Benfica gasta mais do que aquilo que recebe. E tem de compensar essa falta de dinheiro com a venda de jogadores. Esse modelo, não acho que seja sustentável. Não estou a dizer com isto que o Benfica não tenha de vender jogadores, pelo contrário, mas na minha opinião, e é isso que escrevo no livro, a venda de jogadores só pode estar alocada a três coisas e nunca à sua operação: a mais investimentos — a modernização do estádio, a expansão do Seixal, a construção da cidade para as modalidades —, a abatimento da dívida, ou para cobrir uma receita extraordinária que desapareça, como uma não participação na Liga dos Campeões. Mas não pode fazer parte de um orçamento necessário para pagar salários ou passes de jogadores, a limpeza, a segurança, ou qualquer outra operação.»
«O Benfica precisa de atenção se não quiser passar por problemas iguais aos que se passaram em Barcelona, que se passam em Manchester ou no nosso rival, o FC Porto. É muito rápido o momento em que se passa de umas contas aparentemente equilibradas a um desequilíbrio. Não entendo que estejamos no vermelho, ou perto do fary-play financeiro, mas que precisam de ser dados outros passos para construir mais receitas e reduzir despesas. É esses caminhos que aponto no livro.»
Está nas mãos do Estado viabilizar um futebol melhor?
«O futebol português é a sétima indústria nesta área, e ambicionamos ser a sexta, à frente da Holanda. Poucas indústrias portuguesas no Mundo conseguem competir com os melhores. Entendo que cabe ao Estado incluir, não apoios, mas regulamentação. O Benfica foi o clube português que mais atletas olímpicos levou aos últimos Jogos! Se queremos investir nas modalidades, na promoção do desporto e estilos de vida saudáveis, temos de ter condições para competir com todos os outros, e o Estado não nos está a dar essa oportunidade. Posso dar alguns exemplos de coisas que já deveriam estar resolvidas.»
A maior receita do Bayern Munique em dias de jogo não são os bilhetes, mas a cerveja.
«Os bilhetes para ver futebol custam mais do que para ir ver uma tourada, o IVA não é de 6%, é de 23%; não é permitido vender bebidas alcoólicas no estádio, mas nas imediações, sim. A maior receita do Bayern Munique em dias de jogo não são os bilhetes, mas a cerveja. Isto é limitar brutalmente as receitas em dias de jogos dos clubes. Em Portugal paga-se cerca de 8% de seguros de vida devido a uma regulamentação muito apertada, só Portugal e a Bélgica é a que têm a nível de seguros; mas vamos ter de ir mais longe! Segurança Social: o Benfica paga 23% de cada salário, como cada empresário, a única diferença é que estes trabalhadores do futebol não trabalham nunca o suficiente para terem uma reforma e pensão. Estava na altura de se encontrar um valor máximo para profissões de desgaste rápido e que não seja aplicado o mesmo estatuto de toda a gente».
O Benfica tem de liderar esta conversa com o Estado. Temos de ter um regime mais favorável para o futebol português.
«A mesma coisa se aplica no tipo de rendimentos e impostos. Em Itália, por exemplo, paga-se uma única vez 200 mil euros, independentemente de tudo o resto. Se queremos atrair os melhores e manter os nossos melhores mais tempo, temos de ser competitivos. Não o posso ser com uma taxa de IRS, mais Segurança Social de mais de 60% para um jogador de futebol quando ele quer fazer uma negociação comigo líquida. O Benfica tem de liderar esta conversa com o Estado. Temos de ter um regime mais favorável para o futebol português.»
Remodelar competições, arbitragem e disciplina
«Estamos com sobrecarga de jogos. Vamos ter de reinventar as nossas competições. O que entendo é que a primeira volta os 18 clubes — e entendo que não deve baixar dos 18 na primeira Liga é porque ninguém consegue concentrar mais produto com menos jogos — jogam entre eles só uma vez, sem um jogo em casa e outro fora; como aconteceu na Champions. A seguir, os oito primeiros classificados jogam entre eles e numa segunda fase os 10 classificados seguintes jogam para não descer. Isto vai permitir que o campeão em vez de 34 jogos faz 31, poupa três jogos, a sobrecarga que está a ter na Europa. Isto permite aumentar de dois Benfica-Sporting e Benfica-FC Porto para três, melhora o produto, não aumenta a sobrecarga de jogos e cria um modelo inovador para o campeonato. Acho que deve ser extinta a Taça da Liga, que não faz sentido, e alargada a Supertaça com uma pool de Final Four, nunca fora do País, há várias coisas que podem acontecer.»
Nenhum clube vai dizer multem-me mais, ou queremos perder pontos se houver um determinado comportamento.
«Em relação às arbitragens, sou muito crítico, têm impacto maior do que deveriam. Como se resolve? Os árbitros vão ter de ser profissionais, não há alternativa. É importante também para a autonomia da arbitragem, não estar dependente da Federação e dos clubes, tem de estar fora, de ser uma entidade autónoma e transparente, responsável diretamente num outro organismo. A mesma coisa se passa com a disciplina. Não podemos ter os clubes a votar se querem multas mais pesadas. Nenhum clube vai dizer multem-me mais, ou que queremos perder pontos se houver um determinado comportamento. Não vamos conseguir justiça desportiva mais célere se vamos perguntar aos clubes.»
Centralização dos direitos televisivos
«Temos de centralizar, sim. Só nós e Chipre, na Europa, é que não temos os direitos centralizados. A questão é como. Os caminhos que estão a ser discutidos são, na minha opinião, más centralizações. Modelos assentes em canais premium, que têm canais adicionais para subscrição. A única coisa que faz é aumentar a pirataria. O que proponho é que a BTV seja canal exclusivo de um operador, mas sem ser pago. E que a seguir a Liga TV também. Quem quer ver o futebol vai subscrever esse operador e isso permite a concorrência, a cada dois anos lançar um concurso a saber qual vai ser o operador.»
«Depois, a chave de distribuição, fazer o bolo maior e depois saber como se corta as fatias. Não posso contar que seja a Liga a internacionalizar os nossos direitos. O que defendo é que cada clube possa internacionalizar os seus jogos [...] 30% do valor que faça seria a dividir por todos, 70% para quem angariou o mercado. As receitas de televisão são a segunda maior receita do Benfica, o Benfica tem de duplicar as suas receitas. Esta estratégia de dizermos que pelo menos temos de ficar com o mesmo, não acho boa. É possível dobrar as nossas receitas de televisão.»
Como equilibrar despesas com receitas operacionais?
«Primeiro assumir isso como objetivo e depois perceber os fatores que pesam mais. 75% das despesas do Benfica são salários, amortizações de passes de jogadores e dívida. O resto é a sua operação. Se reduzirmos 10% da operação é importante, mas não resolve o problema. O clube tem de abater dívida e a venda de jogadores deve entrar aí; tem de deixar de comprar jogadores pelo preço que estão a comprar, temos uma limitação de cinco anos para os contratos e a amortização não pode demorar mais que isso. Mas também aumentar as nossas receitas. Não podemos gastar o que estamos a gastar hoje enquanto não aumentarmos as receitas.»