O ponto de Angola na CAN...
Escrevo, sexta-feira (26 de dezembro), a bordo de um avião da Azores Airlines, a voar entre Ponta Delgada e Lisboa, e exatamente após o final do segundo jogo de Angola na fase final da CAN-2025. A equipa agora treinada pelo francês Patrice Baumelle voltou a hipotecar pontos, após a derrota, na primeira jornada do seu grupo, frente à África do Sul, uma recorrente candidata aos lugares mais importantes das provas continentais africanas.
Depois de uma qualificação imaculada (quatro vitórias consecutivas, seguidas de dois empates, num grupo que integrava, entre outras, a seleção do Gana), as expetativas elevaram-se na exata medida das ambições e da paixão dos adeptos dos Palancas Negras, cuja reconciliação com a seleção nacional A havia acontecido, justamente, por força, engenho e mérito de uma ótima presença, em janeiro e fevereiro de 2024, na última edição da CAN, que a Costa do Marfim organizou e ganhou.
Aí, a chegada do combinado rubro-negro aos quartos de final, a carreira em ascendente exibicional, o espirito criado e passado aos retângulos de jogo não passaram despercebidos, e contribuíram de sobremaneira para retomar ligações antigas entre adeptos e a sua seleção mais representativa, talvez não tão fortes e marcantes desde a CAN-2010, realizada exatamente em quatro cidades angolanas.
Esta relação umbilical prepara-se, estimula-se e tem, claro, o fundamental respaldo os resultados, esse pormaior decisivo no desporto de alto rendimento, que redefine a história, cria protagonistas e marca gerações. Mas, afinal, o que é necessário para se ser uma equipa verdadeiramente de topo (e, aqui chegados, sublinho que Angola ocupa a 89ª posição do ranking FIFA, e é apenas número 18 na confederação africana)?
Planeamento, Estratégia, Organização. Tudo isto alicerçado numa visão que terá de respeitar dois aspetos distintos mas cumulativos: realismo e alcance.
O realismo de se perceber que um passo maior que a perna ou, sendo ainda mais objetivo, uma ambição desmedida e injustificada, pode condicionar todo o projeto estrutural e estruturante do futebol angolano. E o alcance de se projetar a médio e longo prazo, com a perspetiva temporal a marcar e definir todos os passos a dar, num plano pensado para que, finalmente, o futebol angolano possa evoluir sem demagogias, facilitismos ou reações epidérmicas do momento, que acabarão sempre por condicionar negativamente a questão de fundo: a evolução sustentada e sustentável da modalidade pelo respeito aos seus agentes, num quadrilátero que não pode, nem deve, queimar etapas de desenvolvimento: o jogador, o técnico, o dirigente, o plano.
A aposta numa rede de formação distribuídas pelas diversas geografias do território angolano, com a atenção às camadas jovens e ao seu processo de desenvolvimento pessoal, interpessoal e desportivo, é o primeiro e essencial passo para que, a médio e longo prazo, surjam valores. O diagnóstico precoce é essencial, na certeza de que, com ele, se dá sempre o primeiro passo rumo ao crescimento de cada indivíduo e da sua relação com o desporto e, particularmente, ao futebol.
Mas a modalidade não se desenvolve sem a metodologia adequada, portanto, sem os técnicos competentes e orientados para a criação e despistagem de talento. Não há, neste momento, uma matriz de jogador angolano, a não ser pela inegável propensão popular para o jogo, dos talentosos meninos de rua ao consumo de grandes competições internacionais. A colocação do talento de Angola nos grandes escaparates não se faz por decreto ou por indefetível desejo político. Faz-se por uma dimensão coordenada entre associações provinciais e clubes, por uma ligação estreita entre federação, técnicos e estruturas de desenvolvimento.
Bem sabemos que à chegada de novos dirigentes corresponde, quase invariavelmente, a necessidade de apresentação de medidas, muitas delas avulsas e de mero caráter conjuntural, visando o sucesso (ou tentativa dele…) imediato e não correspondendo a um plano de médio e longo prazo.
A gestão das competições profissionais (sobretudo no que concerne aos pressupostos financeiros que as devem balizar), a promoção do jogo entre novos players comerciais, a tentativa de venda de imagem do futebol de um país faz-se de modo integrado, tendo sempre como base os processos de organização interna e de formação de jogadores.
Só depois se atinge o auge, o topo da pirâmide, a cereja no topo do bolo, isto é, os principais patamares internacionais, com grandeza de espírito mas, igualmente, com trunfos apetecíveis para chegar às competições de ponta, ver e, talvez, vencer (sendo que este verbo não significa a obtenção de troféus, mas a consciência de que, no processo de desenvolvimento e de estruturação, finalmente se fizeram as coisas bem feitas).
Angola ainda pode continuar na CAN-2025, por força da qualificação dos quatro melhores terceiros posicionados em cada grupo, ou mesmo em melhor lugar. Basta vencer o Egito, uma das grandes potencias africanas, e que tem em Mohamed Salah e em Omar Marmoush dois dos seus principais trunfos, jogando apenas no Liverpool e no Manchester City…
Mas a maior vitória do futebol angolano acontecerá sempre quando se perceber plano e estratégia, pensamento de médio e longo prazo, tempo e espaço para que todos, e da mais qualificada forma possível, possam cumprir o seu papel e tentar concluir a sua missão.