Todos se colam ao futebol

OPINIÃO23.06.202004:00

A Federação Portuguesa de Futebol, para quem não sabe, e já se percebeu que a ignorância abunda, vale pela sua competência, capacidade de inovar e de ela própria aceitar com absoluta confiança os desafios que se lhe colocam, por mais complexos que sejam. É elogiada e respeitada à escala planetária. O seu presidente, Fernando Gomes, é também vice-presidente da comissão executiva da UEFA e o seu diretor-geral, Tiago Craveiro, figura  muito considerada na cúpula do futebol europeu.

A FPF é  uma referência internacional, admirada  e solicitada,  o que lhe concede enorme poder de influência e riqueza, como se apregoa, que advém da excelência dos resultados desportivos e da arte de saber investir com risco controlado. 

No futebol, a nível mundial, apesar da clubite idiota que por cá vigora, Portugal segue no pelotão de frente: houvesse nas restantes áreas da sociedade, cada qual no seu patamar, quem o acompanhasse em dinâmica, engenho e prestígio em termos de afirmação no exterior e, garantidamente, viveríamos num país bem melhor.

Estranha-se, pois, o abuso do disparate nestes últimos dias, provocado por esse jogo bárbaro chamado futebol, antro pouco recomendável, na opinião de uma casta superior que vive em espécie de clube de amigos, reservado a sábios do comentário,  que se  ouvem e se criticam uns aos outros, pelo que dizem e escrevem, teimando em ignorar, como escreveu o poeta Ruy Belo, em A BOLA, no ano de 1972 - ainda no antigo regime, e citado por Vítor Serpa no seu livro Golos de Letra -,  que «começa a ser tempo dos intelectuais ou artistas irem perguntando a si próprios, por que motivo o público que lhes falta esgota as lotações dos estádios…». Não se interrogam: nem há 40 anos, nem hoje; nem em ditadura, nem em liberdade.

O futebol tem audiência, como agora se diz. Incalculável audiência, e por isso todos se lhe querem colar para dele  se servirem e alguma coisa dizerem, sem, no entanto, terem uma noção exata do que dizem, nomeadamente  a propósito do anúncio da atribuição oficial a Portugal da fase decisiva da Liga dos Campeões da UEFA de 2020, numa versão arrojada e nunca experimentada, que acolhe, no mesmo país e na mesma cidade, além da final, os quartos de final e as meias-finais, em que os oito melhores clubes europeus realizam sete jogos para apurarem o campeão europeu, nos estádios de Alvalade e da Luz.

Os profetas da desgraça logo espalharam o pânico perante a  ameaça de uma catástrofe se os jogos da Champions tiverem  público - algum terão, mas em matéria de segurança a UEFA não tem por hábito facilitar - e apressaram-se em prenunciar ventos  e marés face à eventualidade de o controlo da epidemia descambar. Tudo pode acontecer, mas parece-me que, pelos primeiros sinais, as grandes preocupações deverão concentrar-se mais nas festas e festinhas dos centros urbanos e nos habituais excessos  comportamentais nas noites do verão algarvio.

A Champions terá convidados, dos clubes, das federações, dos patrocinadores e da própria UEFA, além muitos jornalistas e do que isso poderá significar na divulgação da boa imagem do País, com  retorno garantido, mas a histeria é tamanha que, de entre as figuras desse comentário sábio,  pareceu-me ouvir alguém proclamar, de nariz empinado, como fica bem, que se lixe o turismo. Palmas? Não teve, porque a baboseira foi enorme.

Existem sempre riscos, porque, como dizem os especialistas, o vírus continua por aí, mas, em concreto, quanto aos medos anunciados por causa dos jogos de futebol marcados para agosto, não só não se justifica  a gritaria instalada, como o risco não é comparável à estupidez das concentrações selvagens em Carcavelos, na baixa do Porto, em Braga ou em Lagos; nem ao incumprimento básico das recomendações de segurança, que obrigou ao encerramento de mais de três dezenas de estabelecimentos na região de Sintra e ao reforço de medidas de contenção entretanto decretadas pelo Governo.

O problema está à vista e precisa ser atacado com  dureza.  O futebol, como é costume, dá jeito para distrair e desviar as atenções daquilo que não interessa aos políticos, muito hábeis em definirem as regras nesse jogo de ilusões. Até o conselheiro de Estado Francisco Louçã surpreendeu por revelar-se igualmente atento ao fenómeno do pontapé bola e  ao manifestar a sua indignação em consequência de uma norma da FPF sobre a regulação do futebol feminino, esperando eu que o  artigo da professora Mónica Jorge - publicado em A BOLA -  e o esclarecimento de Carla Couto, a jogadora mais internacional e delegada do Sindicato dos Jogadores,  tenham contribuído para o serenar.

Voltando ao cerne do assunto:  a atribuição da fase final da Liga dos Campeões a Portugal é muito significativa pelos evidentes benefícios que trará a setores debilitados pela pandemia e pelo forte contributo que dará na retoma da economia. Terá reflexos positivos ainda na projeção do País, durante duas semanas colocado no centro do mundo, dado o inusitado interesse que a competição suscita em todos os continentes.

Acerca da organização, a máquina rigorosa da  UEFA e o selo de qualidade  da FPF asseguram o sucesso da operação.