A minha amiga rádio
Comecei a minha carreira profissional, há 40 anos, no rádio. A magia das ondas hertzianas democratizou-se na década de oitenta do século passado, e transformou-se na maior oportunidade para uma geração de jovens comunicadores que viram no meio e na sua dimensão o palco ideal para os primeiros (e segundos, e terceiros…) passos na profissão. Que, para todos (ou quase) era e sempre foi muito mais do que isso. Foi uma paixão, foi uma forma de vida e a matriz de um comportamento transversal perante si próprios e perante a sociedade.
O rádio mudou as vidas de muitos jornalistas da minha geração, e continuou a manter patamares de absoluta distinção para os demais media, sabendo adaptar-se às inovações tecnológicas, contornar as dificuldades operacionais, penetrar em todas as potenciais camadas de auditório e continuar a demonstrar, todos os dias e a todas as horas, a sua magia e o seu encanto. Nos sistemas de comunicação das estruturas profissionais de futebol, não espantou que, em determinado momento e em face das necessidades de comunicação evidentes, a televisão tivesse assumido algum protagonismo, logo após a criação dos sites oficiais, aproveitando o advento e a projeção da internet, que, importa recordar e sublinhar, é um fenómeno historicamente recente.
Quanto aos principais emblemas portugueses, a Benfica TV (mais tarde redenominada BTV) e a Sporting TV apressaram-se a ocupar uma posição nuclear na capacidade de unir ideais e telespetadores, e de se tornarem veículos basilares dos planos de comunicação dos dois grandes de Lisboa. Com alguma disponibilidade financeira, conseguiram, até, cativar profissionais de topo (os casos de Hélder Conduto, da RTP para a Luz, e de Sérgio Sousa, da Sport TV para Alvalade, são apenas dois dos mais marcantes exemplos), e garantir, assim, credibilidade e qualidade nos seus recursos humanos, enquanto muitos outros clubes optaram pela utilização da plataforma digital para, com projetos adequados a esse mais específico meio e contidos, do ponto de vista orçamental, chegarem igualmente mais longe no espaço e mais perto no coração, com mensagens que, a partir de determinada altura, passaram a constituir rotina para todos os intervenientes no processo, de dirigentes a treinadores, de jogadores a jornalistas, de adeptos a seguidores digitais.
Mas o rádio, ainda que por vezes afastado das luzes da ribalta e do protagonismo de outrora, manteve-se nos hábitos de consumo e, no espetro desportivo, sempre teve uma dimensão e uma aceitação que dele fizeram uma espécie de recurso dourado nos sistemas de difusão de informação.
Esta foi uma semana sui generis para a comunicação de dois dos principais clubes portugueses. O FC Porto fechou, finalmente, o circuito que, de há alguns anos a esta parte vinha desenvolvendo com o Porto Canal, assumindo em pleno a antena que, em boa verdade, já geria e na qual tinha uma determinante influência, do ponto de vista editorial. Também os azuis e brancos (tal como os rivais lisboetas), recorreram, em tempos, a Rui Cerqueira (saído de um importante período de carreira em rádio e televisão, no grupo RTP), para alicerçar o seu projeto com a qualidade e o talento requeridos.
Porém, esteve na Luz o verdadeiro epicentro e novo capítulo desta história de plataformas de comunicação dos principais clubes nacionais: o surgimento da Benfica FM, estação de rádio 24/7, projeto (quase) pioneiro em Portugal e que reconverte a importância do meio, dando-lhe as asas que o universo de associados e adeptos dos encarnados, um pouco por todo o mundo, será capaz de dinamizar e multiplicar.
É, finalmente, o entendimento de que a plataforma rádio pode ser essencial na ligação entre símbolo e seguidores, entre emblema e ouvintes, criando laços exatamente na mesma medida dos que foram apanágio radiofónico nos idos de várias décadas do século XX. Isto é, quarenta anos depois, volta a magia da voz, da mensagem auditiva, da capacidade de penetração de um meio quente, simples, direto, eficaz, ponto por ponto e de reação direta e imediata por parte do destinatário da comunicação.
A criação da Benfica FM é muito mais do que o surgimento de um canal de comunicação de um dos maiores clubes portugueses. É a confirmação da necessidade encontrada numa ligação perene, efetiva e afetiva, forte e permanente, entre emissor e recetor, servindo uma causa e tornando mágicas e interpessoais as relações entre emissor e ouvinte, ainda por cima reforçadas por um elo inquebrável e normalmente apelativo, como o do desporto e do futebol em geral, e da identidade clubística em particular.
Emerge uma figura na nova emissora (que, como é evidente, terá no patamar digital o seu campo prioritário de implantação e desenvolvimento): Óscar Cordeiro, um dos mais talentosos jovens jornalistas portugueses, que, depois de algum tempo em Inglaterra, regressa ao país para coordenar a equipa de informação da nova frequência da Luz. É a garantia (tal como nos exemplos que atrás citei), de qualidade e peso no projeto, mesmo que — o que é inevitável — fique agora definitivamente conotado com o universo benfiquista.
O caminho do rádio na comunicação do desporto, em Portugal, não vai, certamente, restringir-se ao canal da águia. A vitalidade perene do meio e as suas características únicas de ligação com os potenciais recetores vão, seguramente, criar de novo raízes e fidelizar ouvidos noutras latitudes e com outros