Pinto da Costa: um gerador de amores e ódios

A relação do ser humano com a morte permanece um mistério superior ao da própria morte. Por um lado, existe a racionalidade de sabermos que ela é única certeza com que nascemos. Por outro, temos o paradoxo de essa mesma racionalidade nos impedir de aceitá-la — porque a questionamos, talvez em demasia tendo em conta a nossa condição animal. E por isso passámos — passamos — séculos atrás de séculos à procura de alternativas que proporcionem algum descanso a quem fica vivo, justamente quem sofre com as mortes e tem de viver com as consequências delas até chegar a sua própria hora.

A imortalidade, muitas vezes, surge-nos como aspiração, mas, se pensarmos bem, provavelmente a vida só faz sentido perante uma noção de finitude que, no fundo, todos aceitamos.

Morreu ontem uma figura incontornável do futebol português, que por essa via mágica do maior jogo do mundo se transformou também, ao longo de décadas, em figura da sociedade portuguesa.

Gerou ódios e amores extremos pelo que fez ao longo da vida. Curiosa mas expectavelmente, 99% das reações públicas convergiram no elogio fúnebre, no agradecimento, no encómio a um grande líder. É natural que assim suceda: o FC Porto que hoje conhecemos deve muitíssimo, quase tudo, a Pinto da Costa. Os títulos conquistados falam por si, é escusado repetir aqui o desfiar de números que todos conhecemos.

É natural que treinadores, jogadores e até alguns adversários se multipliquem em homenagens.

É também natural que a larga maioria dos adversários, dos rivais e dos inimigos se resguardem no silêncio. O tal respeito pelo mistério da morte — além do necessário respeito pela dor de familiares e amigos — impõe isso.

No que respeita a A BOLA, seria hipócrita esconder que a relação de mais de quatro décadas com Pinto da Costa foi muito mais vezes conturbada do que pacífica. É justo dizer que na fase final do seu mandato, perante uma nova gestão do jornal e a tentativa de abordar as problemáticas de forma construtiva (sem esquecer, de parte a parte, o passado), Pinto da Costa entreabriu a porta. Entretanto foi derrotado nas eleições e nunca saberemos como as coisas se passariam caso as tivesse vencido.

Sem hipocrisias, A BOLA endereça os mais sentidos pêsames à família, ao FC Porto e aos amigos de Pinto da Costa.